Desperdícios Alimentares

“A tese é como o porco, nada se desperdiça” é uma afirmação de Umberto Eco (1932-2016) autor de romances, crónicas e ensaios. A citação é retirada de Como fazer uma Tese, obra onde Eco aconselhava métodos para a elaboração de uma tese de licenciatura e concluía que, dada a qualidade e a quantidade de informação recolhida e trabalhada para esse fim, era importante que o saber aí conseguido se repercutisse num alargado espaço de tempo.

Como no porco, aproveitável na totalidade para a alimentação, evitando o desperdício de partes do animal “menos nobres”. Os alimentos daí extraídos têm o seu prolongamento em preparados diversos, como os enchidos. Diminui-se o desperdício e permite-se uma conservação duradora dos alimentos que, desse modo, convidam a uma ingestão parcelar e moderada: a gula mata. Segundo Rabelais no Pantagruel, o próprio Demo ficou com cólicas por ter “…almoçado a alma de um sargento de fricassé…”

O desperdício alimentar é, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), um enorme problema que se materializa na perda de alimentos, antes de estes chegarem às lojas, e no desperdício alimentar, que resulta da não utilização dos alimentos pelos consumidores. Em “Pensa um Momento, poupa um Alimento”, documento da FAO, sublinha-se que um terço de todos os alimentos produzidos no mundo é perdido ou desperdiçado, o que significa que todos os anos 1300 milhões de toneladas de alimentos em perfeitas condições não chegam ao consumidor final; este valor corresponderia a 100 kg por pessoa, mas dados do Eurostat de 2024 mostram que, na União Europeia (UE), este valor é de 132 Kg/habitante. Ao mesmo tempo, 42 milhões de pessoas não têm acesso diário a uma refeição de qualidade, de acordo com critérios de Saúde Pública. Ainda segundo a FAO, 815 milhões de pessoas sofrem de má nutrição e fome… e um terço dos alimentos produzidos no mundo são perdidos ou desperdiçados nalguma fase da cadeia de produção, de processamento e de abastecimento alimentar. Em Portugal, segundo o Eurostat, cada habitante desperdiça mais do que 2,5 kg de alimentos/semana e gasta 3,4 % do seu orçamento anual em alimentos que não come…

O desperdício alimentar é um problema gravíssimo, com evidentes consequências ambientais, sociais e económicas – impacta no acesso aos alimentos, nos consumos de água, nas emissões gasosas, e na produção de resíduos… Por isso a UE está empenhada na redução deste desperdício em 50 % até 2030 – oxalá a meta seja alcançada até porque evidencia a exigência do trabalho a fazer nesta matéria. E também por isso o exemplo do porco é bom: o “porquinho mealheiro” constitui, por excelência, o paradigma das pequenas economias no seio familiar, e representa pequenos esforços que, somados, assumem um valor significativo.

Teria esperado que Portugal, ainda muito ligado a um modo de vida “tradicional” em que a maioria da população cozinha (ou cozinhava) e em que a cultura do aproveitar “os restos” fez caminho ao longo dos séculos, estivesse mais longe do “pódio do desperdício”. Afinal, os nossos antepassados praticavam de forma “natural” a “Economia Circular” no que diz respeito aos alimentos.

Mas terminemos com boas notícias vindas do nosso país, onde existe o primeiro restaurante europeu com certificado Zero Waste Business, havendo mais que já lhe estão a seguir o exemplo; falemos ainda das “Refood”, o “Movimento Zero Desperdício”, o “To good to go” e até o “Fruta Feia”, iniciativas isoladas ou dentro de planos municipais que promovem a luta contra o desperdício.

Este tema, com tantas implicações no nosso dia a dia, leva-me a recomendar, com prazer e orgulho, os textos dos especialistas/colaboradores, a quem muito agradeço os esclarecidos contributos, salientando a minha colega Iva Miranda Pires, que generosamente aceitou ser a co-editora deste número.

O desperdício alimentar envergonha-nos e compele-nos a conhecer o tema para agirmos melhor. Lutemos, sem tréguas, contra o desperdício alimentar e contra todos os desperdícios.

Editorial da Indústria Ambiente nº 150 jan/fev 2025, dedicada ao tema "Desperdício alimentar". 
Leonor Amaral

Diretora da Indústria e Ambiente / Professora na FCT-UNL

Se quiser colocar alguma questão, envie-me um email para info@industriaeambiente.pt

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