A complexidade do desperdício alimentar

FOTO: PATRYCJA JADACH/ UNSPLASH
Num mundo onde milhões de pessoas passam fome, desperdiçar alimentos não é apenas uma questão de consumo, mas um problema ambiental, económico e ético que exige ação imediata.
O desperdício alimentar tem a sua origem nos alimentos que, embora destinados ao consumo humano, acabam descartados ao longo da cadeia alimentar – do campo ao prato – por diversos motivos como hábitos de compra excessivos (especialmente de alimentos perecíveis), pela “ditadura da estética” que nos leva a rejeitar alimentos “feios” e fora do tamanho, pela falta de planeamento na aquisição de alimentos, baixa literacia alimentar e o hábito de servir porções exageradas, sobretudo em restaurantes de buffet.
Apesar da simplicidade da definição, o desperdício alimentar é um problema complexo que exige a nossa atenção.
O impacto ambiental é significativo. Ao descartar alimentos, desperdiçamos também os recursos naturais utilizados na sua produção, como a água – um bem cada vez mais escasso –, além do investimento financeiro, humano e tecnológico do processo produtivo. A produção de alimentos também contribui para as mudanças climáticas através da emissão de CO2, e afeta a biodiversidade e a qualidade do solo. O desperdício alimentar levanta ainda questões éticas, pois milhões de pessoas em todo o mundo, incluindo crianças, vivem em situação de insegurança alimentar, acentuando crises humanitárias.
Em 2022, foram produzidas quase 59 milhões de toneladas de resíduos alimentares nos 27 estados-membros da União Europeia, com um valor de mercado associado de 132 mil milhões de euros, que inclui também despesas desnecessárias por parte dos agregados familiares. Estes foram responsáveis por 54 % desse desperdício, representando 131Kg por habitante por ano, refletindo hábitos de consumo tanto dentro de casa quanto fora dela. Em Portugal, o desperdício ultrapassou 1,9 milhão de toneladas (Eurostat, 2022).
Dada a crescente preocupação com o tema, o combate ao desperdício alimentar entrou definitivamente nas agendas políticas. As Nações Unidas incluíram a meta 12.3 na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, e a União Europeia comprometeu-se a enfrentar o problema. Nesse sentido, diversas iniciativas foram implementadas, como a criação da Plataforma sobre Perdas e Desperdício de Alimentos, a proposta de revisão da Diretiva-Quadro de Resíduos – que estabelece metas juridicamente vinculativas para reduzir o desperdício alimentar até 2030 (10 % na transformação e produção e 30 % per capita na venda a retalho, restaurantes, serviços de alimentação e agregados familiares; em 2024, o Parlamento pede maior ambição e valores de redução de 20 % e 40 %, respetivamente) – e a publicação de um conjunto de Ferramentas para a Prevenção do Desperdício Alimentar, que inclui um planificador para ajudar na gestão de compras e no planeamento de refeições e uma calculadora que mede o impacto económico, social e ambiental dos resíduos alimentares, com frequência maior do que imaginamos.
Num cenário global instável, marcado pela pandemia da COVID-19, pela guerra na Ucrânia, pelo aumento dos preços da energia e pelas mudanças climáticas – que já impactam significativamente a produção de alimentos –, desperdiçar comida tornou-se ainda mais insustentável.
Então, por que continuamos a desperdiçar alimentos, apesar de o seu preço não parar de aumentar e de termos à nossa disposição uma ampla oferta de dicas e de boas práticas para reduzir o desperdício? Embora a responsabilidade pela redução do desperdício deva ser partilhada entre todos os agentes da cadeia alimentar, da produção à distribuição e à restauração, os consumidores desempenham um papel fundamental. Pequenas mudanças no dia a dia, como o planeamento de compras e o reaproveitamento de alimentos, podem ser passos essenciais para um futuro mais sustentável. Afinal, combater o desperdício alimentar começa dentro de nossas casas, nas nossas escolhas e nos nossos pratos.
Por Iva Miranda Pires
Investigadora, Faculdade Ciências Sociais e Humanas
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