Alterações climáticas estão a mudar padrões de migração das aves

As alterações climáticas estão a mudar padrões de migração das aves, especialmente devido às temperaturas mais altas no norte da Europa, disse o diretor executivo da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), Domingos Leitão.

Em entrevista à agência Lusa a propósito do Dia Mundial das Aves Migratórias, que se assinalou a 13 de maio, o especialista explicou que qualquer migração é espoletada pela reação ao meio, como a temperatura baixa ou a falta de alimentos, e que devido às alterações climáticas as temperaturas mais amenas no norte da Europa têm levado espécies a ou não migrar ou fazê-lo mais tarde e por períodos mais curtos.

Portugal é um destino de passagem de aves do norte frio para países quentes de África, no outono, e o percurso inverso na primavera. Mas também de aves que nidificam nesta região do mundo e passam o inverno em África, ou que nidificam na primavera ártica e passam o inverno no sul da Europa. Mas Domingos Leitão notou que, por exemplo, a cegonha branca ou já se mantém em Portugal todo o ano ou voa até Marrocos e não para a África subsaariana como antes.

A cegonha branca viu a sua população crescer de 1 500 para 15 mil casais nos últimos 40 anos, com o fim do uso do pesticida DDT na agricultura (que matava os animais que lhe servia de alimento), mas também pelo aparecimento do lagostim-vermelho-do-Louisiana, uma espécie invasora que serve de alimento para a cegonha e outras aves.

Esta recuperação da população de cegonha branca, admitiu Domingos Leitão, pode estar mais ligada a questões da alimentação e não por questões ligadas às alterações climáticas.

Já o pombo, uma ave granívora, que se alimenta de sementes, afetado pela agricultura intensiva, usufrui de temperaturas mais amenas no norte da Europa e não chega na mesma quantidade a Portugal. As andorinhas (há cinco espécies em Portugal, mas só uma é residente) são insetívoras e por haver menos insetos elas também estão em diminuição acentuada na Europa nos últimos 50 anos.

É o caso da andorinha dos beirais, que nidifica em Portugal e passa o inverno na África do Sul. É afetada pela falta de insetos devido ao uso de substâncias químicas na agricultura e pelas alterações humanas de grandes áreas ao longo da viagem.

Também a tarambola-cinzenta nidifica no Ártico e passa o inverno na África do Sul, passando por Portugal na primavera e no outono. São aves a fazer ao todo, como a andorinha-do-mar, mais de dez mil quilómetros duas vezes por ano.

São aves, alertou o responsável, que precisam de zonas húmidas ao longo da rota, para descansar e para se alimentarem, o equivalente às estações de serviço nas autoestradas para os humanos. “E se essas zonas húmidas diminuem elas não conseguem chegar ao destino e por isso são as mais ameaçadas”.

Mas não tem havido, notou, preocupação em manter boas “zonas de descanso”. Parques eólicos em Gibraltar matam aves planadoras e estão mais parques eólicos a ser instalados em países como o Egito ou na região do vale do Rift.

“Se o estuário do Tejo desaparecesse ficava em risco de desaparecer 20 por cento da população de tarambola-cinzenta e 40 por cento da população de maçarico-de-bico-direito”, disse Domingos Leitão, frisando que ao proteger essas estruturas está a proteger-se também ecossistemas e sobretudo serviços que as populações humanas utilizam.

O Dia Mundial das Aves Migratórias, que se assinala também a 14 de outubro para refletir a natureza cíclica das migrações (os dias são sempre nos segundos sábados de maio e outubro), tem este ano como tema “Água: vital para as aves”, alertando que a grande maioria das aves migratórias depende de ecossistemas aquáticos e que as zonas húmidas são vitais para as aves que migram se alimentarem e descansarem, de viagens que por vezes vão do Ártico à África do Sul.

Domingos Leitão lembrou que há migrações de pequena escala que são menos conhecidas, e que mesmo em Portugal espécies que se consideram sedentárias fazem movimentos de pequena escala, como a abetarda, cujos machos migram todos os anos do interior para o litoral.

O padrão de migração mais conhecido é o de norte para sul, mas em países como a Argentina ou África do Sul observa-se a migração ao contrário, e há migrações relacionadas com a água ou com a chuva.

Curtas ou longas, de norte para sul ou ao contrário, Domingos Leitão disse que são um fenómeno extraordinário, lembrando que desde sempre existiram crenças e lendas associadas a aves. Que a cegonha transporta os bebés é só uma delas.

Proteger as aves migratórias é proteger milhões de pessoas

O diretor da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves alertou ainda que proteger as aves migratórias e os seus habitats é proteger o modo de vida de milhões de pessoas em todo o mundo.

O responsável destacou as principais dificuldades que enfrentam essas aves, como as alterações climáticas ou a destruição de habitats, e avisou que são necessárias ações para proteger os ecossistemas, lamentando que nomeadamente os políticos estejam mais preocupados com os negócios e menos com as consequências dos negócios.

“Os políticos envolvem-se nas coisas, mas preocupam-se pouco com a sustentabilidade a longo prazo. Preocupam-se muito com o que vai acontecer a quatro anos, mas a natureza funciona a muito mais longo prazo”, afirmou, dando como exemplo os projetos de construção de parques eólicos no mar (offshore).

A SPEA, com outras organizações, já fizeram chegar informação ao Governo sobre a matéria, disse.

É que, avisou, pode haver perda de biodiversidade no mar com as eólicas, que podem ser prejudiciais para as aves marinhas. E os seres humanos dependem das pescas e estas também são reguladas pelas aves marinhas, acrescentou. Na natureza tudo está interligado.

Autoridades têm alertado para as cada vez maiores ameaças para os ecossistemas aquáticos, com a crescente procura humana por água, a poluição e as alterações climáticas.

Domingos Leitão disse a propósito que é errado poder pensar-se que as aves migratórias não são importantes para a humanidade e fala de como são fundamentais para os ecossistemas, sendo também um indicador da sua qualidade.

Existem no mundo cerca de 11 mil espécies de aves e os avanços do conhecimento na ecologia devem muito ao estudo das aves, referiu, explicando que no grupo das aves são as migratórias as mais sensíveis e em maior risco de extinção.

Além de mudanças no clima, o responsável alertou que também a poluição luminosa é prejudicial para as aves, um tema sobre o qual têm trabalhado as organizações ligadas ao ambiente. É preciso, disse, encontrar um equilíbrio entre as ruas não ficarem escuras e a luzes não matarem as aves.

Domingos Leitão citou um projeto envolvendo dois municípios na Madeira, de diminuição da intensidade da luz exterior ao longo da noite, que além de melhorar a proteção da natureza permite uma poupança energética e de dinheiro.

Em Portugal, como em qualquer parte do mundo, “muitas luzes são armadilhas mortais para milhões de passarinhos”, e as luzes de marginais afetam as aves marinhas. O diretor lembrou que pela costa e pelo mar português passam de “todas as aves marinhas da Europa”.

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