Resíduos perigosos

FOTO WUT.ANUNAI / SHUTTERSTOCK
Qual a composição físico-química do Inferno? (…) Deve haver uma lei mas Deus não a revelou, pois não é Seu hábito revelar-nos fórmulas científicas, de todo inúteis à nossa conduta.
S. Ortoli; N. Wikoski, A Banheira de Arquimedes, Pequena Mitologia da Ciência, 1997
A revista francesa L‘Ami du Clergé explicava assim, no início do século XX, a composição do Inferno. Hoje exigiríamos mais detalhes, nomeadamente sobre a presença de substâncias nocivas e sobre as chamas abundantes em textos e imagens a respeito.
A composição química dos objectos e dos produtos que nos cercam não é fútil, não é uma mera curiosidade intelectual. Importa para o ambiente e para a saúde. Se tivermos presente que a Lista Europeia de Resíduos (LER) tem 20 capítulos para as grandes classificações dos resíduos, com múltiplas divisões por sector, ficamos com uma ideia do esforço que tem sido feito na Europa para estudar e enfrentar o problema.
A partir do século XIX, com o desenvolvimento das indústrias químicas, foram sendo tomadas medidas. O Parlamento inglês, em 1863, promulgou uma lei defendendo o Ambiente em relação ao ácido clorídrico resultante do fabrico de carbonato de sódio pelo processo Leblanc. Um exemplo claro de um subproduto nocivo para o ambiente e para a saúde, com ênfase ainda na produção de emissões atmosféricas.
Apesar de o sábio Aristóteles nos ter legado que “o definido não deve entrar na definição” num relatório sobre Ações da União Europeia (UE) para lidar com o aumento de resíduos perigosos, elaborado pelo Tribunal de Contas Europeu em 2023, lemos a seguinte definição circular: “A UE define resíduos perigosos como sendo os que apresentem uma ou mais características de perigosidade específicas”. Há 10 anos, o Plano Nacional de Gestão de Resíduos (2014-2020) chamava a atenção para a produção de resíduos perigosos em diferentes sectores: industrial, saúde, agricultura, comércio, serviços e até no sector doméstico. Estamos rodeados de artigos domésticos perigosos: lâmpadas de baixo consumo, pilhas e acumuladores, restos de tintas e solventes, detergentes, tinteiros e toner, verniz de unhas, medicamentos e tantos outros.
Os impactes ambientais e os prejuízos para a saúde associados aos resíduos perigosos têm de ser reduzidos, segundo o PNGR de 2015: reduzir a quantidade de substâncias perigosas utilizadas nos produtos que dão origem a esses resíduos, limitar o transporte de resíduos e a sua eliminação ou valorização longe dos seus locais de produção. Urge ainda desenvolver tecnologias eficientes de tratamento através da inovação tecnológica.
Essa redução pode ser fortalecida por meio de ecoparques industriais, onde as empresas partilhem recursos (água, energia, transporte e infraestruturas logísticas), reduzindo custos, otimizando a produção e fazendo uma gestão integrada de resíduos: os resíduos de uma empresa podem ser matéria-prima doutra, promovendo a economia circular.
A Diretiva-Quadro Resíduos que regula os resíduos perigosos na UE procura geri-los de acordo com três princípios: o da hierarquia dos resíduos, sendo a prevenção e a preparação para reutilização as opções preferidas, seguidas da reciclagem, da valorização energética e, como último recurso, a eliminação de resíduos; a procura da redução de substâncias perigosas nos resíduos como medida preventiva e o princípio do poluidor-pagador.
Portugal tem de apostar em formas eficazes para responder aos desafios que os resíduos perigosos levantam, nomeadamente, aumentando o rácio entre RIP tratados e RIP gerados, dado que os nossos 52 % são mais baixos do que os 79 % da média europeia. Isto evidencia o desvio de Portugal face às linhas de estratégia da UE que apontam para metas de redução de produção e melhoria dos processos de gestão. Mencione-se, por exemplo, a quantidade crescente de resíduos perigosos, o baixo nível de prevenção da sua produção, o tráfico ilegal e o mercado negro das transações, entre outros….
Tratamos neste número os resíduos perigosos, a sua história e o que tem sido feito, e está a ser feito, nomeadamente, o Plano Estratégico para os Resíduos Não Urbanos 2030 (PERNU 2030).
A Eng.ª Ana Cristina Carrola, co-editora desta edição, sugeriu os nomes dos outros colaboradores e todos se pronunciam com profundo conhecimento, sendo-lhes por isso devido o meu sentido agradecimento.
O tratamento dos resíduos e, em especial, o dos resíduos perigosos, é uma tarefa primordial para o Ambiente e para a saúde das comunidades. Escapemos ao que José Gomes Ferreira referia no Coleccionador de Absurdos:
“-Sr. Professor-perguntei eu um dia-, pasmado de perguntar- porque é que as laranjeiras nunca se enganam e, em lugar de laranjas, não dão pêras? Ao menos uma vez.
- Porque as árvores não endoidecem como os homens. Têm muito mais juízo-contestou o professor”.
Diretora da Indústria e Ambiente / Professora na FCT-UNL
Se quiser colocar alguma questão, envie-me um email para info@industriaeambiente.pt
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