Relatório acusa empresas que usam plástico de sabotar leis

Segundo um relatório internacional, as empresas que mais usam plástico descartável no mundo têm “sabotado” as leis destinadas a reduzir as embalagens e a poluição, recorrendo a falsos programas e iniciativas voluntárias para distrair consumidores e governos.

Uma investigação realizada em 15 países pela fundação holandesa Changing Markets e a coligação Break Free From Plastic, divulgada em Portugal pelas organizações ambientalistas Zero e Sciaena, demonstrou as discrepâncias entre o discurso e os compromissos públicos de grandes supermercados e marcas do setor alimentar e de bebidas.

Os autores da investigação denunciam “manobras de bastidores” para boicotar a legislação que vise fazer frente ao problema das embalagens descartáveis.

“A poluição gerada pelos plásticos descartáveis, que afeta gravemente a nossa saúde e o nosso ambiente, tem solução, mas é a indústria que produz, embala e distribui esses recipientes que está a fazer tudo o que pode, nos bastidores, para que nada seja feito para reduzir essa ameaça”, referem as organizações num comunicado que acompanha o relatório.

De acordo com o relatório, não só falharam iniciativas voluntárias para combater o desperdício de plástico, como têm sido usadas “como tática para atrasar e obstruir legislação progressista, isto ao mesmo tempo que procuram distrair os consumidores e governos com promessas vazias e falsas soluções”.

O relatório “Talking Trash – Manual sobre falsas soluções das empresas para a crise do plástico”, mostra como os 10 maiores poluidores de plástico do mundo – Coca-Cola, Colgate-Palmolive, Danone, Mars Incorporated, Mondelez International, Nestlé, PepsiCo, Perfetti Van Melle, Procter & Gamble e Unilever –, com uma pegada plástica conjunta de quase 10 milhões de toneladas por ano, “assumem compromissos públicos de reciclagem com objetivos quantificáveis, ?os quais não cumprem e reformulam ou então focam o discurso em soluções falsas ou soluções não comprovadas que também envolvem outros problemas ambientais (alternativas supostamente biodegradáveis ou compostáveis, reciclagem química, etc.)”.

Como exemplo, citam a Coca-Cola, referindo que “está comprometida, de alguma forma, com dez iniciativas voluntárias para resolver o problema dos resíduos de plástico, enquanto faz parte de, pelo menos, sete associações comerciais que têm feito lobby contra a adoção de sistemas de depósito ou outra legislação para regulamentar o uso de plástico descartável”.

Segundo o documento, nos 40 países e regiões do mundo onde as embalagens de bebidas podem ser devolvidas à loja (através de sistemas de depósito com retorno, como o que irá ser lançado em Portugal a partir de janeiro de 2022), 90 por cento de todas as embalagens de bebidas são reaproveitadas e / ou convertidas em novas embalagens, em vez de serem abandonadas, colocadas em aterro ou incineradas.

Para a organização ambientalista Sciaena, o relatório mostra “a hipocrisia das grandes empresas” que, por um lado, afirmam estar comprometidas com soluções, mas, por outro, “usam truques” para perpetuar “a sociedade descartável”.

A Zero entende que “já não há tempo para as falsas soluções ou promessas” e que “ou se aposta de vez em soluções de redução e reutilização ou os danos no ambiente podem ser irreversíveis”.

O relatório contém ainda três propostas face a um cenário em que se espera a duplicação das embalagens de plástico nos próximos 10 a 15 anos:

  • Introdução de legislação que exija a recolha seletiva de, pelo menos, 90 por cento dos resíduos plásticos e implementação de sistemas de depósito com retorno obrigatórios;
  • Estabelecimento de objetivos de reutilização e outros mecanismos que promovam a reutilização e o reenchimento como opção prioritária;
  • Aplicação de metas de conteúdo mínimo de material reciclado.

“Apesar de a indústria ter passado anos a distrair, atrasar e obstruir legislação, no início de 2020 parecia que a maré de poluição de plásticos tinha começado a mudar, com governos da Europa à África a introduzirem leis que proíbem certos produtos de plástico de utilização única, implementando sistemas de depósitos e retorno de embalagens e obrigando os produtores a assumir a responsabilidade pelos seus resíduos. (…) No entanto, desde o início da pandemia de Covid-19, os produtores de plásticos têm-se apoiado na crise de saúde pública e aproveitado o medo generalizado para pedir recuos na legislação ambiental”, denunciam os autores do estudo.

A problemática associada à crise dos plásticos é cada vez mais assunto de debate, sendo o dossier da Indústria e Ambiente nº123 focado na desplastificação no retalho, apresentando soluções já encontradas e desafios do momento.

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