Nudging para a separação doméstica de resíduos em Portugal: poderá a economia comportamental ajudar?

Fotografia: Pinkyone/ Shutterstock

Portugal está a enfrentar um desafio na gestão dos resíduos urbanos (RU) que muito dificilmente vai superar com sucesso, nomeadamente a de atingir a meta de (no mínimo) 60 por cento dos RU preparados para reutilização e reciclagem (PRR) em 2030 e de (no máximo) 10 por cento dos RU com destino final em aterro em 2035.

Deixando de lado todo o debate sobre as escolhas de política setorial do passado e as escolhas feitas para o futuro, inscritas no Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos 2030 (PERSU 2030), aprovado em março passado e nos Planos de Ação (PAPERSU), a aprovar no segundo trimestre de 2024, é evidente o papel que o aumento da separação de resíduos em casa das famílias portuguesas irá desempenhar.

Em 2021 apenas 32 por cento dos RU foram preparados para reutilização e reciclagem[1], o que significa que seria necessário duplicar essa quantidade em oito anos. Provavelmente é irrealista conseguir essa alteração dos comportamentos e em todo o sistema de recolha, triagem e tratamento, num tão curto intervalo de tempo, mas vale a pena explorar todos os meios para maximizar o resultado.

Abordagens do lado da oferta, em especial dos sistemas de recolha, incluindo a aproximação dos pontos de recolha às habitações, por exemplo com a recolha porta-a-porta, comprovadamente favorecem o aumento da separação por parte das famílias. Porém, exige largo tempo de implementação e deve ser complementado com incentivos dirigidos às famílias.

Ao longo de décadas sensibilizou-se a população e ensinou-se “como fazer”, agora pretende-se acrescentar incentivos financeiros à separação com a adoção de sistemas tarifários que incidem sobre a quantidade de resíduos indiferenciados depositados (PAYT), ou sistemas de depósito e reembolso (SDR) de embalagens. Também estes sistemas de pagamento/recebimento levam muito tempo a generalizar.

Neste contexto, o Centro de Investigação em Ciências Económicas e Empresariais (CICEE) da Universidade Autónoma de Lisboa, com a colaboração do centro de investigação do ISCTE BRU-Iscte[2], desenvolveu um projeto para explorar o potencial dos incentivos não financeiros no reforço do comportamento de separação de resíduos pelas famílias, o qual mereceu o apoio do Grupo EGF, através da Resulima.

A literatura económica tem mostrado que em muitas situações o nosso comportamento pode ser eficazmente estimulado (por vezes é determinado), por fatores sociais, sem envolver pagamentos monetários. Vários estudos mostram resultados positivos no consumo de água ou de energia elétrica quando as pessoas são confrontadas com a comparação entre o seu comportamento e um comportamento de referência “ambientalmente mais sustentável” ou “socialmente mais responsável”, ou quando o seu comportamento é comparado com o comportamento dos seus “pares”, vizinhos, colegas de trabalho, ou outros. Ambas técnicas de Nudging[3].

Neste projeto selecionámos três freguesias em cada um dos concelhos de Viana do Castelo[4] e de Barcelos[5], com a máxima homogeneidade socioeconómica e semelhanças de ocupação do território. Uma das freguesias em cada concelho, funcionou como grupo de controlo pelo que não foi alvo de qualquer intervenção, e nas outras duas desenvolveram-se iniciativas de informação e feedback à população, explorando, num dos casos, a associação a um comportamento ambientalmente “correto” e, no outro, a comparação com a freguesia vizinha.

Entre 1 de setembro de 2021 e 30 de agosto de 2022 monitorizámos as quantidades recolhidas em 99 ecopontos para os fluxos de papel/cartão, vidro e embalagens, num toral de mais de 15 mil registos e entre 4 de abril e 4 de julho de 2022 enviámos quatro mensagens selecionadas a cada uma das freguesias objeto de intervenção.

Esse período de intervenção no terreno foi antecedido de uma longa preparação para estudar a melhor forma de fazer chegar as mensagens às famílias daquelas freguesias, tendo sido possível entregar em todas as habitações folhetos com as mensagens escolhidas, graças ao envolvimento ativo de todas as Juntas de Freguesia e à conceção gráfica, produção e entrega dos suportes comunicacionais pela equipa de comunicação da Resulima.

Também foram colocados cartazes em pontos-chave das freguesias e produzidos conteúdos digitais disponibilizados nas redes sociais e páginas web das Juntas de Freguesia.

Após a mensagem inicial, as mensagens seguintes foram sendo ajustadas em função da análise das quantidades recolhidas nos ecopontos daquelas freguesias.

4 de abril                                                  4 de julho

A análise dos dados recolhidos, considerando o histórico anterior à primeira mensagem, os dados após cada mensagem, os dados das freguesias de controlo, tratados em agregado ou para cada um dos três fluxos estudados, não permitiram fazer qualquer associação estatisticamente significativa entre as mensagens enviadas – os estímulos não financeiros – e aumentos das quantidades separadas pela população e depositadas nos ecopontos. Ou seja:

  • Nas freguesias estimuladas pela associação a comportamentos ecológica ou socialmente mais corretos não se registou um aumento das quantidades de RU depositados nos ecopontos, por comparação com a freguesia de controlo do seu concelho; nem
  • Nas freguesias estimuladas pela comparação com o comportamento da freguesia vizinha não se registou um aumento das quantidades de RU depositados nos ecopontos, por comparação com a freguesia de controlo do seu concelho.

Estes resultados podem estar relacionados com vários fatores relacionados com as próprias condições em que os estímulos foram implementados, incluindo alguns que logo à partida havíamos identificado como aspetos críticos no caso da recolha seletiva de RU. Efetivamente, no caso da recolha por proximidade em ecopontos não temos informação individualizada por agregado familiar, o que impossibilita a utilização de feedbacks individualizados relacionados com o comportamento daquela família. A aproximação foi feita à freguesia, o que pode ter tornado demasiado ténue a relação “ação individual” – “estímulo informativo” (feedback), não induzindo o indivíduo à ação.

Por outro lado, a utilização das quantidades recolhidas no conjunto de ecopontos das freguesias não permite excluir que em determinados ecopontos sejam depositados RU por moradores noutra freguesia, nas suas deslocações[1]. Também a escolha de freguesias de pequena dimensão, para se garantir a comunicação a todas as famílias, poderá ter exposto o estudo a uma excessiva variabilidade de dados causada por alguns circuitos de recolha com reduzida frequência mensal, a que se juntará o próprio método de estimativa das quantidades em cada contentor.

Assim, a falta de eficácia dos dois tipos de estímulos não financeiros estudados na indução de reforço do comportamento de separação dos RU pelas famílias não implica necessariamente que as famílias sejam insensíveis a este tipo de estímulos, mas significa, pelo menos, que a forma de implementação desses estímulos no setor dos resíduos pode não permitir que os mesmos cheguem adequadamente aos seus destinatários.

Na verdade, atualmente as famílias que fazem separação em suas casas já assumem os inconvenientes e os custos de terem recipientes distintos, de juntarem os RU separados e de se deslocarem até ao ecoponto mais próximo para os depositar, sem que a isso esteja associado qualquer benefício financeiro. A motivação para esse comportamento terá de ser de natureza não financeira e satisfação pela adoção de comportamentos ambiental e/ou socialmente “mais corretos”. A motivação de reconhecimento pelos pares, vizinhos ou outros, será mais ténue, uma vez que esse comportamento de separação dos RU não é observável por terceiros que possam dar esse feedback de reconhecimento.

Por isso, a não ser que os estímulos utilizados estivessem mal desenhados ou que fosse possível enviar mensagens individualizadas a cada família, os resultados deste estudo apontam para a ineficácia destes mecanismos de Nudging na separação de RU pelas famílias, tendo presente a forma como estão montados os sistemas de recolha na generalidade do território nacional.

É certo que a existência de recolha porta-a-porta e outro tipo de sistemas, como a aplicação Recicle Bingo, que gerem informação individualizada, permitiria atenuar o problema e potenciar a utilização de abordagens de Nudging para estimular a separação de RU, mas será irrealista admitir a sua generalização à população portuguesa em tempo útil do PERSU 2030, ou mesmo num horizonte temporal mais alargado.

Consequentemente, na perspetiva das políticas setoriais para aumento do indicador PRR, terão de ser exploradas outras alternativas tanto do lado da oferta, como do lado da procura, avaliando e comparando os custos associados a esses ganhos de PRR para cada uma dessas opções. Uma análise sistemática de experiências passadas poderia ser muito útil e dar pistas sobre as opções mais eficazes e aquelas com melhores relações custo-benefício, mas julgo ser um exercício nunca realizado em Portugal.

Aparentemente, entre os profissionais que têm organizado iniciativas de sensibilização para a separação de RU para vários grupos da população portuguesa existe a convicção que o que verdadeiramente muda o comportamento dos cidadãos são os incentivos financeiros positivos associados à separação e deposição, mas essa é uma observação que carece de verificação empírica robusta e documentada, bem como da referida análise custo-benefício.

A eventual generalização de estímulos financeiros positivos integrada em todo o sistema de gestão de RU pode arrastar a necessidade de revisão do modelo global de financiamento do setor, que não pode ser negligenciada. Abordagens não financeiras de Nudging parecem ficar limitadas a situações muito pontuais no setor.

Por Eduardo Cardadeiro, CICEE/UAL

 

[1] Tentou-se controlar este efeito com a identificação de alguns de ecopontos localizados em vias de ligação entre freguesias, mas sem podermos assegurar que excluímos esta fonte de distorção


[1] Dados do último Relatório Anual dos Resíduos Urbanos publicado pela APA.

[2] Agradece-se a colaboração da Prof.ª Catarina Roseta (ISCTE) e do Prof. Tito Laneiro (UAL) na conceção do estudo e acompanhamento do trabalho de campo.

[3] A expressão Nudging generalizou-se no contexto das políticas públicas que exploram estes estímulos não financeiros, após a publicação em 2008 do livro Nudge: Improving Decisions about Health, Wealth, and Happiness, dos autores Richard H. Thaler e Cass R. Sunstein.

[4] Perre, Outeiro e Amonde

[5] Aborim, Cossourado e Panque

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