Entrevista ao Tenente-Coronel Joaquim Delgado
A Indústria e Ambiente esteve à conversa com o Diretor do Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente (SEPNA), criado em 2006 na dependência do Comando-Geral da GNR com a incumbência de zelar pelo cumprimento da legislação relativa à proteção da natureza e do meio ambiente, bem como coordenar a prevenção, vigilância e deteção de incêndios florestais. Além das áreas de atuação do SEPNA, fica clara a aposta na sensibilização e na prevenção por parte deste serviço.
O SEPNA atua, genericamente, em todas as áreas de risco ambiental (atividade extrativa, agrícola, pecuária, pesca, indústria, construção, transportes, espécies protegidas da vida selvagem e água) ou há áreas que sejam privilegiadas neste leque?
O SEPNA começou a dar os seus primeiros passos em 2001, por força de um despacho interministerial do Ministério da Administração Interna e do Ministério do Ambiente. Com a introdução de Portugal na União Europeia (UE) e na sequência da transposição de transposição das diretivas comunitárias para o quadro legal nacional, faltava uma peça essencial, uma polícia ambiental. Embora houvesse já, na altura, serviços administrativos descentralizados, ainda não tinham propriamente esta valência de polícia ambiental, ou pelo menos não desempenhavam de forma suficiente a fiscalização ambiental. Importava que essa função estivesse atribuída a uma entidade com uma estrutura operacional descentralizada e com forte representação no terreno, uma força próxima do cidadão. Neste contexto, é publicado, em 2006, o Decreto-Lei nº 22/2006, que vem consolidar o SEPNA como polícia ambiental nacional. Logo depois é publicada a Portaria nº 798/2006 que regulamenta essa situação, que vem definir as áreas de competência e as responsabilidades. O ano de 2006 foi um marco histórico, na nossa perspetiva, não só pela criação do SEPNA mas também pela importância atribuída às matérias ambientais e pelo despertar para os riscos a elas associadas, ao nível nacional. Naturalmente, no seio da GNR também houve necessidade de fazer um ajustamento na estrutura operacional na área da proteção da natureza e do ambiente. Relativamente à questão das áreas de atividade do SEPNA, com certeza que todas são importantes. Algumas, face a determinadas conjunturas, acabam por ser mais prioritárias do que outras. Muitas vezes, o que equilibra as coisas não é tanto a importância mas sim a prioridade face a um conjunto de fatores. A realidade vai mudando, as ocorrências vão surgindo e há necessidade de dar resposta às mesmas, portanto os problemas vão sendo identificados e priorizados. Efetivamente há áreas que para nós, enquanto forças de segurança e enquanto país, são prioritárias. Desde logo, há um problema grave que nos assola todos, os incêndios florestais. Não me refiro apenas ao incêndio em si mas a toda a componente de defesa da floresta contra incêndios, onde a GNR tem grande responsabilidade. O trabalho da guarda, e muito concretamente do SEPNA, acaba por ser transversal. Existe um Sistema Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios, que assenta em três pilares fundamentais: um primeiro pilar é a prevenção estrutural, da responsabilidade do Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF); um segundo pilar, a cargo da GNR, é a prevenção operacional na vertente da coordenação das atividades de vigilância, deteção, investigação de causas e fiscalização; por último, o terceiro pilar é o do combate e da vigilância pós-combate, a cargo da Proteção Civil. O nosso papel é tão importante que acaba por ser transversal a tudo isto. O SEPNA desenvolve, mais do que qualquer outra entidade, ações de sensibilização junto da população em geral mas muito especificamente junto da comunidade escolar, porque entendemos que é para ali que deve ser dirigida a nossa aposta. Os jovens têm mente aberta para novas formas de olhar para a natureza e para o ambiente que os rodeia e acabam por ser um veículo prioritário para chegar aos demais – ao agregado familiar, ao seu rol de amizades, às redes sociais. O nosso papel nas ações de sensibilização é essencial, porque estamos próximos do cidadão e, além disso, conhecemos o ordenamento florestal, o terreno e o histórico dos incêndios. Durante o incêndio propriamente dito, o SEPNA desempenha uma função de acompanhamento, nomeadamente nas albufeiras ou em outros locais sinalizados como sendo de scooping, ou seja, locais onde se procede ao reabastecimento das aeronaves de combate a incêndios. Muitas vezes esses locais são espaços de lazer, e cabe ao SEPNA garantir a segurança de duas formas: por um lado, garantem a segurança dos meios aéreos que estão a realizar as operações de scooping e, simultaneamente, asseguram a dos demais utentes daquele espaço, isto é, pessoas que no seu tempo de lazer vão para as albufeiras e fazem uso das suas embarcações ou pessoas que desenvolvem atividade profissional naquele espaço. O SEPNA também presta apoio à evacuação de populações, ao nível do trânsito, por exemplo. Quase sempre é necessário criar perímetros de segurança, condicionar ou interditar as vias de acesso. O pessoal do SEPNA também aí tem um papel preponderante, em complemento aos militares dos GNR postos territoriais. Após o incêndio, trabalhamos na investigação das causas. Essa investigação visa essencialmente perceber a origem do incêndio, porque daí derivam duas situações: podemos estar perante um incêndio doloso, e aí automaticamente a investigação passa para a Polícia Judiciária, que tem uma competência reservada nos incêndios dolosos; se for um incêndio de origem negligente, natural ou de outro tipo, mantém-se no quadro de competências genéricas e nós fazemos a instrução dos processos e o inquérito. Todo este processo acaba por formar um ciclo: se começamos com ações de sensibilização, imediatamente após a época de incêndios voltamos a fazê-lo. Todos os anos desencadeamos a Operação Floresta Protegida, cuja primeira fase decorre desde o princípio do ano até ao dia 14 de maio, visando sobretudo sensibilização e fiscalização. Depois há um interregno, de 15 de maio até final de outubro, quando vamos para o terreno com a Operação Floresta Segura, mais direcionada e incisiva para uma fiscalização muito mais apertada, já que o nível de risco também é maior. Na parte final do ano, do dia 1 de novembro ao dia 31 de dezembro, voltamos à Floresta Protegida, na sua segunda fase. Aqui, voltamos a desenvolver ações de sensibilização, portanto isto é um processo contínuo. Outra área importante do âmbito de atuação do SEPNA é a comercialização de espécies da vida selvagem, que tem por base a Convenção de Washington “CITES”. Este acordo proíbe ou condiciona a comercialização de animais da vida selvagem. Ao nível das forças de segurança, o SEPNA é a entidade com competência de fiscalização. É uma matéria bastante importante, cada vez mais na ordem do dia. Trata-se de uma atividade com muita expressão, a nível nacional mas acima de tudo a nível internacional, não apenas ao espaço europeu. A maior parte dos problemas associados à preservação destas espécies têm origem noutros continentes. A Europa acaba por funcionar como um ponto intermédio, já que a maior parte dos problemas surge ao nível do continente sul-americano e africano, também com repercussões na Ásia.
Existe, portanto, uma articulação com as forças de segurança internacionais?
Existe e não é por acaso que mantemos uma relação muito estreita com as nossas congéneres, com a INTERPOL e a EUROPOL. A GNR, através do SEPNA, é o ponto de contacto nacional para os crimes ambientais. Neste momento estão a decorrer operações a nível internacional de que nós fazemos parte, e desde logo nos assumimos como entidade coordenadora sobre esta matéria. Articulamo-nos com outras entidades, nomeadamente o ICNF e a Autoridade Tributária. Planeia-se a ação conjunta com todas as entidades intervenientes e as coisas têm funcionado bem. Também nos deslocamos ao estrangeiro com alguma frequência, em representação da GNR e de Portugal, para reuniões de trabalho e planeamento mas também para partilha de experiências e de conhecimento. Já lá vai o tempo em que as entidades e os países trabalhavam de forma isolada. Hoje estes problemas são estes problemas são cada vez mais complexos, são transnacionais, pelo que há cada vez mais ações conjuntas. Outra área de atuação importante é a dos resíduos. Quando falamos em atividade industrial, obrigatoriamente temos de falar de resíduos.
O SEPNA e a indústria andam de mãos dadas ao longo de todo o processo. Quando é criada uma empresa, desde logo é solicitado ao SEPNA um parecer sobre impacte ambiental. Essa empresa, quando obtém o licenciamento, fica obrigada a cumprir determinados normativos, e aí o SEPNA volta a entrar, agora como entidade fiscalizadora. Durante a sua atividade normal, a empresa produz resíduos, e importa saber geri-los. Esses resíduos podem ser águas residuais, emissões atmosféricas ou quaisquer outros. Nesse domínio, o SEPNA também atua como entidade fiscalizadora. No fundo, garante que a atividade desenvolvida está em conformidade com o licenciamento e que a gestão dos resíduos é feita de forma correta. Imaginemos a indústria de extração de inertes. É um tipo de atividade que só tem autorização para fazer recolha de determinada quantidade de recursos naturais e de acordo com princípios e regras previamente estabelecidos no licenciamento. Outro exemplo prende-se com os Valores-Limite de Emissão para a atmosfera. As empresas são obrigadas a manter um registo e a fazer medições, pelo que nós temos de verificar se esses valores estão dentro dos parâmetros previstos. No caso das águas residuais, cabe-nos verificar se o seu tratamento é feito de acordo com o definido e se as descargas são feitas de forma lícita. Também verificamos o acondicionamento de resíduos, já que determinados tipos de material não podem estar em contacto com o com o solo, como é o caso dos óleos e das baterias usadas. No caso dos veículos em fim de vida, por exemplo, as viaturas têm de estar descontaminadas e devidamente acondicionadas. Há todo um conjunto de regras que é preciso cumprir e, acima de tudo, é preciso depois fiscalizar para assegurar a conformidade legal.
Ao nível da indústria, qual tem sido a vossa atuação – prevenção e fiscalização – ou tem havido necessidade de uma intervenção expressiva ao nível sancionatório?
O SEPNA, enquanto entidade fiscalizadora, dá prioridade às ações de sensibilização, no entanto, face a situações de incumprimento, tem de intervir, levantando os respetivos autos de noticia por contraordenação ou por crime, consoante os casos e a sua gravidade. A nossa grande aposta é a prevenção, pelo que trabalhamos muito com as entidades administrativas – a Agência Portuguesa do Ambiente e o IGAMAOT. Essas entidades, por serem centralizadas, olham para o SEPNA como um veículo prioritário para sensibilizar o setor. Apesar de as pessoas não poderem alegar o desconhecimento da lei, da nossa parte há sempre um cuidado em sensibilizar e informar e, numa fase posterior, se houver situações que justifiquem a nossa atuação através do levantamento do auto face a uma infração constatada, não deixaremos de o fazer. No entanto, entendemos que a cultura tem de mudar: as pessoas têm de alterar a sua forma de ver a natureza. Para aquelas que assim o aceitam e começam a ver as coisas de outra maneira, estamos em sintonia. Nos casos em que se olha apenas ao aspeto financeiro, em detrimento do respeito pela natureza e pelo ambiente, temos de atuar.
Como se processam as inspeções ambientais?
De várias formas. Na Direção do SEPNA existe uma Linha SOS Ambiente e Território 808 200 520, a funcionar 24 horas por dia, de forma gratuita e que permite ao cidadão denunciar situações ilícitas e assim contribuir para a proteção da natureza e do ambiente. Há muitas denúncias que nos chegam por esta via. Há outras que chegam através dos postos territoriais, através dos nossos núcleos de proteção ambiental e dos destacamentos. Perante uma situação de denúncia nós averiguamos, fiscalizamos, mas também trabalhamos de forma preventiva. Periodicamente, lançamos no terreno as nossas operações nacionais, que visam precisamente fazer um levantamento do que existe no terreno e, portanto, do que deve ser fiscalizado. Normalmente fazemos isto por temáticas, o que nos permite, para além de conhecer a nossa indústria, atualizar a informação que temos a respeito e verificar se as empresas estão a cumprir os normativos. Em ações de fiscalização a nível rodoviário, somos por vezes confrontados com situações que nos levam a aprofundar mais o caso. Um exemplo muito claro: uma empresa que produz resíduos e os transporta para determinado fim sem se fazer acompanhar da respetiva guia de acompanhamento de resíduos. É claro que isto nos levanta uma série de dúvidas, pelo que importa aprofundar o problema. Embora estejamos a referir-nos ao patamar nacional, este também é um problema transfronteiriço, o que nos leva a trabalhar de uma forma articulada com outras entidades, com o intuito de detetar redes com alguma atividade ilícita ligada aos resíduos. Podemos, ainda, lançar uma operação só para os veículos em fim de vida ou só para as oficinas, no que diz respeito aos óleos industriais usados. Todos os anos lançamos também uma operação muito especial virada para os lagares de azeite, que produzem um resíduo que, se não for adequadamente tratado, é altamente contaminante para os recursos hídricos. Também dirigimos operações para o setor dos tinteiros usados, além de realizarmos ações diretamente com os operadores de gestão de resíduos, de modo a verificar se o licenciamento que têm está de acordo com a sua atividade. Se houver um operador a fazer gestão de veículos em fim de vida sem estar licenciado para o efeito, estamos perante uma desconformidade, o que nos leva a atuar. Aproveito para referir que o Ministro do Ambiente apresentou recentemente o plano de fiscalização ambiental para 2017, com atenção para a poluição dos recursos hídricos, em especial do rio Tejo, que nem sempre tem sido alvo do maior respeito por parte da indústria.Temos constatado a ocorrência de algumas descargas incompatíveis com a qualidade da água que seria desejável para aquele curso de água. Não esqueçamos que, no Tejo, é feita captação de água para consumo humano, portanto esta questão é importante não só do ponto de
vista ambiental mas também da saúde pública. Da nossa parte tem havido uma aposta muito grande em termos de fiscalização dos recursos hídricos face a essas descargas de efluentes nos rios. Não obstante, a realidade melhorou um pouco, sendo certo que a fiscalização tem apertado e tem havido maior articulação entre as diversas entidades competentes. Isto permite rentabilizar os meios e as próprias ações de fiscalização e promover um melhor planeamento, além de uma maior sinalização e identificação dos alvos. Até aqui, cada entidade fazia o seu retrato da realidade, que nem sempre era nítido, mas agora há um esforço conjunto e o retrato corresponde à situação atual. As entidades fiscalizadoras e as próprias entidades administrativas estão cada vez mais próximas e trabalham cada vez mais em parceria. Há uma crescente complementaridade, e isso é muito importante, nesta área ou em qualquer outra.
De um modo geral, quais os aspetos legais a que a indústria tem de prestar particular atenção de forma a não cair em incumprimento?
Desde logo, há que ter em consideração a utilização dos recursos naturais. As indústrias estão licenciadas para fazer uso de determinados recursos naturais em determinadas condições e em determinadas quantidades, portanto há que respeitar o que está no licenciamento. Por outro lado, no aspeto da produção e gestão de resíduos, há que dar cumprimento aos normativos, sempre com a consciência de que se esses resíduos não forem adequadamente tratados e bem geridos podem vir a criar prejuízos, e muitos desses prejuízos acabam por constituir-se em danos irreversíveis. Existe efetivamente uma preocupação com a questão financeira mas existe uma outra componente à qual importa prestar atenção que é a da qualidade de vida, do ambiente, que acaba por ser o ponto de equilíbrio entre o presente e o futuro. Normalmente, as preocupações económicas estão muito viradas para o presente, e esquecem-se as questões ambientais, que têm repercussões no futuro. É verdade que temos de fazer uso dos nossos recursos e satisfazer as necessidades atuais, mas não podemos deixar de estar perfeitamente conscientes da necessidade de garantir, às gerações vindouras, condições de vida. Trata-se, em suma, de satisfazer as necessidades do presente, salvaguardando também os interesses futuros.
Quais os setores da indústria em que é mais habitual haver motivo para levantamento de autos?
O nosso trabalho é transversal, pelo que não é possível identificar uma área de atividade ou um setor que nos levante mais problemas e do qual resulte maior número de autos. Praticamente todos os setores, se não respeitarem as normas, podem criar situações de infração, provocando danos para o ambiente e para a natureza.
Qual a postura que os empresários tendem a adotar perante as ações inspetivas? Uma postura de colaboração ou de obstrução?
Por norma é uma postura de franca disponibilidade e proatividade. Eu já estou no SEPNA desde 2005 e tenho notado que as associações industriais e os grupos que representam setores da indústria tomam a iniciativa de nos enviar convites para participarmos nos diversos fóruns que realizam. Muitas vezes enviam-nos revistas e folhetos para nos mostrarem o trabalho que estão a desenvolver e pedem a nossa colaboração no sentido de o fazer chegar ao destinatário. Somos também convidados para reuniões no sentido de sermos parceiros em ações de sensibilização. Outras vezes, as empresas disponibilizam-se para nos apoiar na nossa aposta de sensibilização junto da comunidade, muito em especial junto da comunidade escolar. Neste quadro, a indústria, no seu todo, tem caminhado connosco. De referir que, por vezes, são as próprias associações industriais que denunciam eventuais incumpridores que, ao desrespeitarem as regras, acabam por promover situações de concorrência desleal. Por outro lado, a nossa estrutura operacional também recebe ações de sensibilização, para que possamos perceber em que cenário estamos a trabalhar. Os responsáveis pela indústria têm um papel preponderante na parte preventiva. Estas coisas não se fazem de uma forma isolada. Através de um esforço conjunto é muito mais fácil obter resultados e é tanto mais fácil porque estamos a trabalhar em prol de um objetivo comum.
Joaquim Delgado ingressou na GNR em 1990. Tenente-Coronel de Cavalaria, dirige o SEPNA e é o Oficial de Ligação da GNR junto da Autoridade Nacional de Proteção Civil. É também o Representante
Nacional para os Crimes Ambientais junto da EUROPOL e da INTERPOL. Foi Chefe da Secção SEPNA do Comando Territorial de Lisboa e do Comando Territorial de Santarém.
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