Entrevista a Carlos Costa

Especialista em consultoria geoambiental, Carlos Costa ajuda-nos a perceber o (longo) caminho que Portugal ainda tem a percorrer no sentido de uma efetiva proteção dos solos, a começar pela legislação em matéria de contaminação. Para o também presidente da recém-formada associação que promete trazer estes temas para a agenda, esse quadro legislativo seria fundamental para alavancar o conhecimento e o desenvolvimento tecnológico nesta área.

Entrevista por Cátia Vilaça

Carlos Nunes da Costa é professor aposentado da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, onde se doutorou em Geotecnia com uma dissertação sobre reabilitação ambiental de explorações mineiras a céu aberto. Após o exercício de cargos dirigentes em entidades públicas e privadas, em 1998 fundou a eGiamb-Consultoria Geoambiental, Lda., dedicada essencialmente à avaliação da contaminação de solos e águas subterrâneas e à resolução de passivos ambientais. Preside à Direção da Associação Técnica para o Estudo da Contaminação do Solo e Água Subterrânea (AECSAS).

Neste momento, quais considera ser as principais ameaças à saúde dos solos em Portugal? As práticas agrícolas, a urbanização, a exploração de recursos, a sobrecarga do litoral, eventualmente insuficiência em matéria de legislação?

Todas essas questões estão interligadas e têm a sua contribuição relevante, mas eu naturalmente começaria pela última que referiu, a insuficiência em matéria de legislação. Portugal é um dos poucos países na Europa sem legislação própria em matéria de proteção do solo, em particular nos aspetos relacionados com a contaminação, e paga caro por isso. Fazendo um pouco o historial dessa situação, desde o fim do século passado que, por diversos caminhos, várias pessoas e entidades têm vindo a exigir uma legislação de proteção dos solos no que se refere às questões da contaminação e, por um motivo ou por outro, essas situações têm vindo a ser bloqueadas. Como marcos mais relevantes nesse bloqueio podemos referir o facto de não ter ido para a frente a proposta de diretiva comunitária de 2006, que cairia 10 anos depois, aliás caiu precisamente por não ter sido implementada nesse prazo. As razões para isso prendem-se com o facto de a maior parte dos países desenvolvidos já ter legislação específica, e quererem evitar ser constrangidos por uma legislação comunitária que os obrigasse eventualmente a responsabilidades complementares. Assim, todos os países sem legislação, como Portugal, ficaram incumbidos, se quisessem, de desenvolver os seus próprios diplomas nesta matéria. Em 2016 foi apresentada uma proposta de legislação conhecida pela sigla PRoSolos, que tem estado na gaveta nos últimos quatro, cinco anos, apesar de ter havido uma consulta pública, um resultado da consulta pública, uma revisão com base nos resultados dessa consulta e promessas dos sucessivos secretários de Estado de que essa legislação seria aprovada ou apresentada no Parlamento. Não ocorreu até ao momento e isso tem consequências muito graves.

A que se deve este descaso com a legislação e tudo o que isso implica?

Do meu ponto de vista, deve-se ao facto de uma parte dos agentes económicos não estar interessada na implementação desta legislação. Outra parte está, nomeadamente aqueles que estão ligados ao ambiente, e em particular os operadores da gestão de resíduos, que obviamente querem saber com que linhas se cosem. Também é verdade que se a legislação avançasse o mercado ampliaria, é uma consequência lógica do seu funcionamento. Outra parte muito relevante tem a ver com as atividades potencialmente poluidoras. Essas entidades, de alguma forma, temem o efeito da internalização dos custos no processo produtivo. Nós temos vindo a sofrer uma quantidade de vicissitudes em termos económicos: primeiro as questões relacionadas com a presença da troika, depois uma recuperação difícil e não muito consolidada e agora finalmente a situação da pandemia, e tudo isso são argumentos, razoáveis ou não, que levam a que parte substancial dos agentes económicos, e mais especificamente ainda das indústrias ligadas a setores mais poluidores, como é o caso das petrolíferas, procurem dilatar o mais possível a aprovação destes instrumentos legislativos.

Os temas ambientais têm merecido muita atenção da opinião pública mas isto acontece um pouco por fases. Agora estamos na fase do plástico e toda a atenção é dominada por esse tema, mas dos solos pouco se tem falado. Qual tem sido a estratégia da associação para sensibilizar e informar os cidadãos acerca destas problemáticas?

A AECSAS é uma associação muito recente, não tem sequer um ano de existência. Surgiu por vontade de um grupo de pessoas que se juntaram para debater mais intensamente estes temas na sociedade portuguesa, primeiro em torno de uma conferência internacional que está a ser preparada  mas que como todas as iniciativas do mesmo tipo, foi bloqueada agora por esta situação [pandémica], e depois eventos remotos, que temos vindo a desenvolver com bastante regularidade. Amanhã [15 de setembro] haverá outro webinar exatamente sobre a temática que estamos a referir. A associação, neste momento, não pode apresentar, para além destas iniciativas, um grande currículo. Mas temos vindo a tentar sensibilizar o setor, em particular algumas associações empresariais e também ONG, com quem temos vindo a realizar protocolos de colaboração na área da formação, divulgação e sensibilização. Esperamos que estas temáticas possam alcançar uma dimensão que permita, sem nos substituirmos ao Estado, desenvolver, de forma suplementar, legislação, orientações e recomendações. É um tema extremamente complexo, que tem a ver essencialmente com a proteção do solo mas que depois se liga com todos os outros fatores ambientais que dependem, de alguma forma, da saúde do solo, desde logo as águas subterrâneas, que no fundo acabam por receber todo o impacto daquilo que nós produzirmos sobre o solo.

Entre os contactos preliminares que a associação possa estar a desenvolver neste momento, têm encetado algum tipo de relação com as autarquias? O desenvolvimento das cidades impacta muito diretamente na saúde dos solos, o que levanta questões como a alteração do uso do solo e a impermeabilização. Existe algum contacto no sentido de se abordar estas questões?

De facto as autarquias deviam ter um papel primordial nestas matérias. Curiosamente, são muito fechadas a este tipo de iniciativas. Queria por exemplo sublinhar que o SEPNA [Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente], um organismo que depende da GNR, mostrou-se desde logo extremamente interessado em trabalhar connosco nas questões da sensibilização e divulgação destas temáticas. Já as autarquias, por exemplo a Câmara de Lisboa, primam pela ausência, mesmo com sessões de esclarecimento – e existiram algumas antes do início da pandemia, como foi o caso de uma no Fórum Lisboa em janeiro ou fevereiro deste ano. Embora estejam na sua casa, acabam por receber as pessoas para os debates e, por uma razão ou por outra, não estão, o que é manifestamente preocupante. Isto demonstra a incipiência da temática e do desenvolvimento de todos os agentes que para ela devem contribuir. (...)

Leia a entrevista completa na Indústria e Ambiente nº124 set/out 2020

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