Entrevista a Carlos Caxaria

O presidente da Empresa de Desenvolvimento Mineiro (EDM) destacou a evolução de Portugal no setor mineiro e de descontaminação de solos, granjeada através da alocação de fundos comunitários a diversos projetos. Carlos Caxaria descreve o trabalho que tem sido desenvolvido relativamente ao confinamento das escombreiras e à fruição dos espaços, depois de requalificados

A EDM tem sido a empresa encarregue de projetar, construir e monitorizar a reabilitação dos passivos ambientais. Resumidamente, quais são os casos mais notáveis?

Os casos mais notáveis centram-se na área dos radioativos, nomeadamente na zona da Urgeiriça, onde há vários projetos de referência com grande reconhecimento internacional. Destaca-se, também, a área dos polimetálicos no Alentejo, em Lousal, Aljustrel e São Domingos. São problemas de grande dimensão que obrigaram a um grande investimento, mas estão a ser resolvidos. No caso da Urgeiriça, estamos a fazer os projetos para a última fase. O nosso objetivo é terminar ainda no atual Quadro Comunitário de Apoio, de modo a dar àquela zona uma vida própria, com vista à garantia da gestão, manutenção e acompanhamento futuros de toda aquela área. Pretendemos que resulte dali uma utilização nobre para a gestão de todo o espaço. A Urgeiriça é um espaço de referência e onde muitas das nossas visitas internacionais vêm e sentem o nosso know-how relativamente a esta matéria.

A reabilitação de um passivo ambiental exige a recolha de uma grande quantidade de informação respeitante aos contaminantes, ao armazenamento de resíduos, mas também no ambiente envolvente, ou seja, nos solos, nas águas subterrâneas, em todas essas áreas. Quais os principais critérios usados na seleção dos locais para a recolha de amostras?

O primeiro passo foi identificar o que havia de mal no país e quais as zonas com impactos mais relevantes. Depois foi necessário hierarquizá-las, um trabalho feito logo em 2001, 2002, quando saiu o decreto-lei que deu à EDM a concessão para a reabilitação. Houve uma metodologia de levantamento, depois de diagnóstico e por fim de hierarquização. Foi definida uma área de intervenção em cada projeto, onde é tudo olhado, monitorizado e analisado na perspetiva dos solos e do impacto da situação mineira propriamente dita. Em termos de resíduos, uns são mais problemáticos, outros menos. O importante era não deixar os locais ao abandono e criar condições para que as intempéries não trouxessem problemas.

Foi feito esse diagnóstico e depois avançou-se para os respetivos projetos, no âmbito de um processo de cofinanciamento comunitário. O apoio comunitário é muito importante para a viabilidade deste programa. Portugal teve o mérito de ter conseguido, através de um programa de requalificação de solos, abarcar a situação mineira. Por via disso, acabámos por ter 10 anos de avanço relativamente à abordagem de outros países a esta matéria, que só agora vão começar. Com esse programa, conseguimos ir buscar uma comparticipação de 70 por cento. Portugal contribui com cerca de 30 por cento mas também há despesas não elegíveis. Podemos dizer que em termos finais, 50 por cento dos custos destes projetos têm origem comunitária.

Hoje estamos na fase final do IV Quadro Comunitário de Apoio, logo há projetos a terminar. Também nos candidatámos com alguns projetos em overbooking para tentarmos, ainda, caso haja disponibilidade de dinheiro, usá-lo até, sensivelmente, meados de 2015, que é o limite para terminar os projetos. A Urgeiriça é um desses casos. Se por acaso não houver disponibilidade neste quadro, estes projetos acabam por encaixar no quadro comunitário seguinte. Pretendemos que as situações ambientais mais problemáticas a necessitar de financiamento fiquem todas resolvidas até 2020, com o novo Quadro Comunitário de Apoio.

Quais as metodologias utilizadas para quantificar o risco ambiental decorrente da exposição da população aos locais contaminados?

Criou-se uma matriz baseada num modelo matemático com vários parâmetros, tais como a existência e tipo de resíduos, proximidade às populações ou existência de linhas de água, etc. Depois fez-se o levantamento, caso a  caso, das várias situações no terreno, como proximidade a pessoas, segurança de pessoas e animais, proximidade de rios, etc. Houve um processo de hierarquização que incorporou essas metodologias.

Quais os critérios utilizados para selecionar as técnicas de reabilitação?

A EDM é a entidade coordenadora destes projetos todos, e recorre ao mercado para a elaboração dos projetos, fazendo tudo por concurso. Há sempre muitas empresas a concorrer. Nós dizemos o que pretendemos e procuramos as soluções em conjunto. Obviamente, a experiência permite-nos ir afinando as soluções, retificando-as sempre que se justifique. Há aqui um conhecimento empírico relativamente a algumas situações existentes no terreno em que foram aplicadas as metodologias. Sempre que se deteta um défice num ou noutro ponto, vai-se corrigindo. Hoje existe uma experiência acumulada relevante e reconhecida internacionalmente, e daí que a EDM esteja a tentar internacionalizar a prestação de serviços nesta área. Já fizemos diligências no Brasil e na Roménia. No Brasil, o nosso parceiro é alguém muito ligado ao setor mineiro e profundamente conhecedor da legislação e de toda a realidade mineira brasileira. Recentemente, estivemos presentes num seminário internacional sobre "encerramento de minas", onde pudemos demonstrar que nestas matérias estamos mais avançados do que a grande maioria dos países, em especial na recuperação de minas de urânio.

Não temos quaisquer dúvidas de que hoje temos know-how mas este é um mercado difícil para internacionalizar. Os países têm as suas próprias empresas, têm os seus próprios lobbies e nós estamos a tentar entrar, nem que seja em parceria com alguém de lá. De qualquer modo, o impacto da nossa presença foi grande e fomos abordados para trabalhar em parceria em projetos específicos. Se as empresas tiverem projetos para os quais possamos contribuir com o nosso expertise chamam-nos. Para nos afirmarmos e podermos dizer que sabemos fazer temos de estar presentes e fazer um caminho que não é fácil. No mínimo, temos de andar a investir um ano nestes contactos internacionais e participar em eventos para sermos r4econhecidos. Nesse sentido, pretendemos montar um programa de visitação aos trabalhos que temos vindo a fazer em Portugal, como se de um pacote técnico turístico se tratasse. Mobilizamos um técnico e durante uma semana mostramos o nosso trabalho. Esta é uma ideia do nosso parceiro brasileiro e estamos a tentar desenhar o programa agora.

Há outro aspeto importante que importa esclarecer relativamente à componente nacional do investimento na recuperação ambiental: não está a vir do Orçamento Geral do Estado. Criou-se uma metodologia que faz com que o dinheiro que hoje está a ser aplicado na resolução dos problemas provocados pelo setor mineiro venha também do próprio setor. Hoje, uma parte dos royalties que as empresas pagam, ou seja, contribuições extraordinárias em função do valor e da quantidade da produção, estão a ser afetos ao financiamento da recuperação ambiental. É o próprio setor mineiro que está a financiar a solução dos problemas ambientais por ele provocados. É uma metodologia sustentável que foi entendida como sendo uma muito boa prática por parte da União Europeia.

As possibilidades de reexploração têm sido devidamente ponderas?

Muitas destas escombreiras têm ainda recursos que poderiam ser aproveitados, mas quando este programa começou o valor das matérias-primas ainda era relativamente baixo, portanto os projetos não contemplaram uma reavaliação económica desses resíduos. Começou-se, por isso, com um processo de confinamento e de cobertura, dificultando, agora, o seu reaproveitamento. Hoje, há dois ou três projetos cujas escombreiras estão tapadas mas se o trabalho tivesse início agora, aproveitar-se-ia o recurso antes de o cobrir. No entanto, se alguma empresa o quiser fazer terá de garantir a reposição de tudo conforme está hoje e pagar as mais-valias subjacentes. Não sei se o aproveitamento económico de muitas das escombreiras aguentaria uma situação desse tipo. Para as escombreiras que ainda não estão tapadas há um programa para o seu estudo, no sentido de saber se vale a pena aproveitar o que elas têm lá dentro antes de fazer a recuperação ambiental. Se aparecer alguma empresa interessada em recuperar os recursos, nós estamos disponíveis para o permitir, desde que a empresa assuma o cumprimento do nosso projeto.

O armazenamento de resíduos mineiros com proprietário é um problema?

O recurso mineiro é do Estado mas existem terrenos que podem ser privados. No entanto, tratando-se de concessões mineiras, embora de recuperação ambiental, se não houver acordo com os proprietários há sempre a possibilidade de expropriar os terrenos porque a intervenção é pública com objetivo de recuperação. Umas vezes as pessoas são mais recetivas, outras vezes menos, mas ainda não temos nenhuma situação de expropriação. No entanto, a nossa preocupação neste momento tem a ver com o uso futuro dos locais recuperados. Se tivermos de chegar a consenso com todos os stakeholders da região sobre o que devemos fazer naquele local, nunca chegamos a lado nenhum e a tomada de decisão eterniza-se. De repente, num projeto em que se gastava 1 milhão gastam-se 10 milhões e depois já não há dinheiro para fazer mais nada. Tem de haver um critério objetivo que assenta na disponibilidade financeira. A ideia não é transformar estes sítios em locais de eleição mas resolver problemas ambientais graves, e tanto quanto possível ajustá-los de forma a permitir usos compatíveis com alguns interesses das populações locais. A título de exemplo, num dos projetos o muro de suporte da instalação de resíduos que foi selada acabou por ser transformado numa bancada do estádio de futebol local. Há outros sítios em que o património arqueológico-mineiro é tão interessante que podemos criar condições para que depois os stakeholders locais o explorem turisticamente. O site www.roteirodeminas.pt, lançado pela Direção-Geral e pela EDM, foi feito com o objetivo de pôr em rede tudo o que existe no país. Tudo o que tem a ver com áreas mineiras, arqueologia mineira, pontos de interesse geológico, museus, e desde que cumpram determinadas exigências base, podem ser parceiros ativos do roteiro. Hoje, cada vez há mais apetência para este tipo de produtos, mesmo em termos turísticos, logo muitos desses sítios também são recuperados pensando no uso que a sociedade civil lhe pode dar em termos de aproveitamento e atratividade turística.

Há casos menos impactantes em termos de arqueologia industrial mineira mas uma das preocupações que temos para o futuro destes locais é encontrar parceiros que garantam a sua gestão e manutenção, se possível enquadrados em atividades económicas que os sustentem no futuro.

Estes passivos ambientais resultam de situações deixadas ao abandono, algumas há dezenas de anos, umas do tempo da II Guerra Mundial, outras do século XIX. Quando as minas paravam havia alguns cuidados mas que não se prolongavam no tempo, e é essa falta de manutenção que leva à degradação dos locais. Nada disto é eterno, por isso é importante que estes sítios possam ser objeto de manutenção periódica. Por exemplo, se forem feitas valas para desviar as águas de locais onde podem provocar problemas ambientais, essas valas precisam de ser limpas uma vez por ano ou uma vez a cada dois ou três anos. Se isso não acontecer, quando estiverem todas assoreadas as águas começam a invadir as zonas recuperadas e ao fim de 10 anos podemos voltar a ter os mesmos problemas. Por isso é tão importante encontrar parceiros locais, mesmo à custa de algum investimento adicional, para melhorar os locais. Temos um local, por exemplo, que foi entregue aos escuteiros da zona, que ficaram com um espaço próprio para acampar, garantindo, ao mesmo tempo, a manutenção do sítio. Trata-se de encontrar organizações da sociedade civil com interesse em pegar naqueles espaços para os desenvolver e utilizar. Todos os novos projetos vão ter um cuidado acrescido nessa abordagem.

Em suma, como compara o estado atual da reabilitação dos passivos ambientais mineiros com o que tem sido feito em outros países?

Do que tenho conhecimento, Portugal está claramente à frente dos países da União Europeia, com mais projetos desenvolvidos, em especial na área dos radioativos e dos polimetálicos. Roménia e Alemanha são países onde também tem vindo a ser feito algo. A confirmá-lo estão os eventos já ocorridos em Portuga, onde técnicos responsáveis de países da União Europeia e da EURATOM elogiaram o trabalho feito, não só durante as visitas e através de artigos publicados mas também por referências frequentes que fazem sobre o trabalho feito em Portugal, que dão como exemplo de boa prática. Ainda recentemente recebi um e-mail de um colega que estava em Genebra, nas Nações Unidas, a dizer-me que uma pessoa ligada à União Europeia, no âmbito de uma intervenção pública, referiu com grande ênfase o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido em Portugal. Há, efetivamente, uma consciência de que Portugal, nesta matéria, está claramente à frente e é uma referência. Encontrámos um modelo de financiamento que outros países não encontraram e a primeira pergunta que nos fazem é como conseguimos arranjar dinheiro comunitário para estes projetos. O segredo foi encaixar estes projetos no programa da descontaminação de solos, e ter-se conseguido chegar a um acordo entre os Ministérios do Ambiente e da Economia para este efeito.

Hoje temos 10 anos de avanço relativamente ao que a Europa vai começar a fazer neste programa 2014-2020. Existe, inclusivamente, a possibilidade de nos posicionarmos como consultores de alguns projetos, o que não é fácil porque a montagem do programa passa por concursos e pelo estabelecimento de parcerias. Há muita gente que concorre e há também lobbies locais, mas nós estamos a tentar posicionar-nos.

Carlos Caxaria é Engenheiro de Minas. Foi dirigente da Administração Pública entre 1992 e 2000. Passou pela Direção-Geral de Geologia e Minas e pela Direção-Regional de Economia de Lisboa e Vale do Tejo. Foi vice-presidente do Instituto Geológico e Mineiro (IGM) e Subdiretor Geral de Geologia e Energia até agosto de 2013, altura em que assumiu a presidência da EDM. Preside ao Colégio de Minas da Ordem dos Engenheiros.

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