Ambiente e recuperação económica: serviços de ecossistemas

“Andei observando e constatei – nem tudo é mel na vida das abelhas.” Millôr Fernandes (1923-2012), cartoonista, humorista e dramaturgo brasileiro

Não sei se ouvi a história directamente ou se é daquelas de “ouvir contar” mas, em criança, o relato do fenómeno da origem da vida envolvia abelhas e pólen e flores. O que era verdade para as plantas também era para os bebés. Assim, de uma forma natural e mágica, entravam em acção as forças e as criaturas da natureza que permitiam que a Terra e a Humanidade se perpetuassem.

Escolhi o curso de Engenharia do Ambiente quando nem sabia bem (nem mal, só pouco) o que isso era. Conhecíamos o que se sabia na altura e fomos privilegiados – social, cultural, política e economicamente, o conceito Ambiente era pouco ou nada reconhecido.

A existência, e o conhecimento, revela-se por ciclos e, hoje, as abelhas têm um lugar de destaque, desempenham um papel crítico na sobrevivência da espécie humana. Quanto aos bebés, as cegonhas e as abelhas que me perdoem, mas já deu para assimilar outros conhecimentos, mais reais, ainda que igualmente cheios de magia.

Mágicos, mas noutro sentido, são os serviços de ecossistemas nos quais enquadramos a análise do comportamento das abelhas. Os serviços do ecossistema, ou serviços ambientais, traduzem os benefícios que a humanidade retira dos ecossistemas e podem incluir bens materiais e/ou serviços imateriais. Este conceito, relativamente recente (dos tais que ainda não estavam “inventados” quando fiz o curso) tornou-se conhecido com o projeto global Millennium Ecosystem Assessment (MEA), que procurou determinar como as alterações nos ecossistemas afectariam o bem-estar humano.

Acontecerá seguramente noutras áreas do saber mas, no Ambiente, é fascinante a frequência com que a conceptualização do adquirido nos obriga a ter um novo olhar, a criar um novo paradigma para o que tínhamos como certo. Inventariávamos os recursos, monitorizávamos… agora sabemos que o valor dos recursos ultrapassa o seu uso, ultrapassa a produção associada ao uso; sabemos que os ecossistemas prestam serviços diversificados. Por isso, a conservação da biodiversidade é essencial à manutenção do funcionamento dos serviços dos ecossistemas.

Há pouco, em Julho, assistimos, em diversos países europeus (tão perto de nós), Alemanha, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Suíça e Áustria, a chuvas torrenciais que galgaram margens de rios e ribeiros, inundaram povoações e campos, dizimaram plantações, propriedades e provocaram mortes. No meio de imagens devastadoras, houve exemplos “chocantes” e pedagógicos: as traseiras de duas casas, lado a lado: uma que tinha mantido a vegetação e o solo, sem consequências visíveis da calamidade; outra, onde a mesma área tinha sido impermeabilizada, revestida com pavimento e onde os veículos ali estacionados se encontravam submersos, danificados, onde nos era dado ver um cenário de catástrofe.

Pensamos muitas vezes que este tipo de evento só acontece em países menos desenvolvidos, menos preparados ou menos infraestruturados. Apesar da dificuldade em fazer ver que as agressões ao Ambiente repercutem na Humanidade, os exemplos estão à vista com esta sequência de “pragas do Egipto”, a que urge pôr fim. Impõe-se a interiorização, individual e colectiva, do respeito pelo Ambiente, e o reconhecimento do seu valor em diversas vertentes que também incluem beleza e inspiração.

Possivelmente, será preciso uma revolução, mais uma daquelas em que nos orgulhamos de ser pioneiros, em que escolhemos os parceiros que podem ser recrutados numa qualquer e simples colmeia. Disse Einstein: “…se as abelhas desaparecerem da face da Terra, a humanidade terá apenas mais quatro anos de existência. Sem abelhas não há polinização, não há reprodução da flora, sem flora não há animais, sem animais, não haverá raça humana.” A nível alimentar, aproximadamente dois terços do que ingerimos são produzidos com a ajuda da polinização das abelhas.

Este é só um exemplo para ajudar a “polinizar” a grandiosa e natural conceptualização dos serviços dos ecossistemas, a mudança de mentalidades e de modelo de sociedade.

Quero frisar o meu sincero agradecimento à minha colega Paula Antunes por ter aceitado ser co-editora deste número sobre “Ambiente e recuperação económica: serviços de ecossistemas”, ajudando a construí-lo com as suas excelentes sugestões. Agradeço ainda a todos os outros convidados que, tão gentil e empenhadamente, contribuíram para o enriquecimento dos nossos conhecimentos.

Editorial da Indústria e Ambiente nº129 jul/ago 2021, dedicado ao tema 'Ambiente e recuperação económica: serviços de ecossistemas'

Leonor Amaral

Diretora da Indústria e Ambiente / Professora na FCT-UNL

Se quiser colocar alguma questão, envie-me um email para info@industriaeambiente.pt

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