Reindustrializar Portugal também passa por definir setores prioritários
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Com o relatório Draghi em pano de fundo, agentes do setor reunidos em Vila Nova de Gaia para mais uma conferência Renascença pediram que se volte a apostar na indústria, deixando de encarar setores de baixa produtividade, como o turismo, como prioritários. Secretário de Estado da economia e líder da oposição reconheceram a importância do desafio
O mote da conferência da Rádio Renascença, organizada com o apoio da Câmara Municipal de Gaia, no dia 11 de novembro, era “A reindustrialização de Portugal: como tornar o país mais competitivo”. E o tom foi de consenso: na necessidade de priorizar, de investir, de capacitar. O Governo esteve representado pelo Secretário de Estado da Economia, João Rui Ferreira, que garantiu que este é um desafio de que o executivo não vai abdicar. Para o cumprir, o governante confia nos efeitos da redução do IRC preconizada pelo atual executivo, a que se junta o aumento da eficiência dos processos de licenciamento, o robustecimento do abastecimento energético, o fortalecimento da diplomacia económica e o esforço de assegurar que os incentivos chegam rapidamente às empresas, assegurando prazos legais e desbloqueando regimes de incentivos a grandes projetos. João Rui Ferreira anunciou ainda o lançamento de um fundo de ignição para apoiar start-ups, e reforçou a importância da retenção de competências, anunciando a intenção de continuar a apoiar a contratação de doutorados e quadros altamente qualificados.
No painel “Portugal e a Reindustrialização da Europa”, a ex-secretária de Estado Ana Teresa Lehmann deixou um aviso: “Estamos a perder terreno”. A economista não se referia apenas a Portugal, mas à Europa e à sua dependência de matérias-primas. por isso, pede uma inversão do paradigma que apostou “tudo” no turismo, um setor de baixo valor acrescentado e de baixos salários, para se dar mais atenção ao tema da indústria e no seu potencial para o crescimento económico do país. A docente universitária dirigiu ainda um apelo centrado nas políticas de imigração: facilitar a vida a quem vem trabalhar nestes setores. A desburocratização faz também parte das medidas elencadas pela ex-governante para alavancar o setor, um aspeto em que foi acompanhada pelo presidente da AEP, Luís Miguel Ribeiro, que contabiliza 242 horas anuais despendidas, em média, pelas empresas portuguesas no preenchimento de declarações fiscais. A burocracia é também apontada como causa, quer para Luís Miguel Ribeiro quer para Maria do Céu Carvalho, EU Funding Partner da KPMG Portugal, para a desistência de algumas empresas das agendas mobilizadoras. A falta de uma política de acolhimento de imigrantes também é um problema para o dirigente da AEP, que a apontou como causa da falta de recursos nas empresas - um problema, de resto, transversal à Europa.
Luís Miguel Ribeiro entende também que deveria haver uma alteração no modo de funcionamento dos fundos de apoio às empresas, que não deviam funcionar em função de avisos que acarreta demora na aprovação e na execução, mas estar abertos em contínuo, de modo a responder melhor às necessidades.
Do lado da indústria têxtil, o Diretor Geral do CITEVE, António Braz Costa, diagnosticou uma falta de capacidade de inovar relativamente a outros espaços do mundo, e deu o exemplo da Ásia, que não só desenvolveu o têxtil mas está também a apostar em tecnologia de ponta. Também para o responsável deste centro tecnológico de Vila Nova de Famalicão, a solução passa por diminuir a burocracia e digitalizar.
Já no segundo painel, dedicado ao tema das políticas públicas para a indústria e aos desafios da reindustrialização, o vice-presidente da SEDES, Carlos Alves, chamou a atenção para a necessidade de criar soluções de financiamento independentes dos apoios públicos, ou seja, um financiamento de mercado, ainda que reconheça que o Banco de Fomento não tem estado a cumprir eficazmente a sua função.
A falta de um financiamento estável resulta, para este responsável, no investimento em projetos mais orientados para a lucratividade do que para o bem-estar dos cidadãos. Para o Professor de Economia José Reis, o foco deve estar na produtividade, o que também justifica que o turismo não possa ser prioritário na hora de definir políticas públicas. Produtividade é também a palavra-chave para Carlos Alves. “Aquilo que fazemos numa hora tem de valer mais”, ilustrou o vice-presidente da SEDES. E isso consegue-se apostando em produtos complexos, que são vendidos a preços mais elevados.
Outro desígnio importante para Carlos Alves é construir um mercado europeu de energia, ligando a Península Ibérica ao resto da Europa.
Pedro Nuno Santos: “As empresas investem onde entenderem. O Estado deve investir onde entende que é mais importante”
O secretário-geral do Partido Socialista, a quem coube o encerramento da sessão, por via remota, voltou a insistir, como já havia feito logo no início do seu mandato, na necessidade de o Estado selecionar os setores onde investe. Pedro Nuno Santos fez questão de deixar claro que não se pretende que o Estado interfira nas escolhas das empresas na hora de fazer investimentos, mas de adotar uma política criteriosa na hora de conceder apoios, ao invés de uma estratégia abrangente que não permita alavancagens. “As empresas investem o seu capital, o seu dinheiro, onde bem entenderem. Isso nunca está em causa na defesa de uma política mais seletiva. Agora o Estado, no que diz respeito ao dinheiro pelo qual é responsável, deve investir ou aplicá-lo onde entende que é mais importante para transformar a nossa economia”, sublinhou o líder da oposição. Se, no passado, o têxtil, vestuário e calçado, vinho e mobiliário foram setores identificados como possuidores de competências e fortemente alavancados, agora é tempo, para Pedro Nuno Santos, de voltar a fazer esse levantamento. E o dirigente socialista aponta possíveis caminhos: Energia, mobilidade e transportes, metalomecânica e equipamentos industriais, saúde (no que toca à produção de medicamentos e equipamentos) e agricultura sustentável são, para Pedro Nuno, setores onde o país pode dar cartas.
Pedro Nuno Santos apelou também a que o Estado deixe de ser visto como um empecilho, mas como um parceiro, lembrando que as tecnologias que possibilitaram, por exemplo, o desenvolvimento do Iphone foram desenvolvidas por agências públicas norte-americanas.
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