Poupança q.b.

Desta vez o tema é a poupança. Estatisticamente, a poupança dos portugueses tem vindo a baixar, isto é, a parte não gasta do rendimento disponível, tem vindo, em média, a reduzir-se. Nos 22 anos entre 1995 e 2017, a taxa de poupança reduziu-se gradualmente, tendo passado de 12,9 por cento para 5,1 por cento naquele período. Criticam-se amiúde os portugueses por este resultado, mas talvez fosse mais interessante perceber por que tal acontece. Um primeiro facto a reter é o crescimento da carga fiscal, que passou de 29,3 por cento para 34,7 por cento do PIB nesse mesmo período. 

Sabe-se que o ato de poupar implica geralmente um contexto favorável, nomeadamente:

Confiança. Isto é, trata-se dum ato voluntário em que se abdica de um consumo no presente a favor dum consumo no futuro;

Motivação. É importante a existência de fatores de motivação que “alavanquem” essa vontade: taxas de juro, lucros, benefícios, políticas públicas consistentes;

Oportunidade. Pressupõe ter mais do que o necessário para a satisfação das necessidades imprescindíveis e tem um timing certo, ou seja, deve fazer-se em período de maior abundância ou de menor escassez,

Risco. É sempre possível que a nossa poupança de hoje não consiga manter-se ou crescer no futuro. Há sempre um risco a assumir, dependendo da forma de constituição e de aplicação.

O ponto que aqui me interessa não é tanto a poupança individual enquanto tal, mas sim o seu reflexo para o coletivo, por ser esse o contexto em que as políticas públicas podem ter efeito.

Como sabemos, “poupar” quando as disponibilidades são muito escassas é uma adaptação à realidade, não é uma verdadeira poupança (somos obrigados a ser muito mais eficientes, mas não sobram recursos para o futuro).  Esta forma de agir verifica-se também com a gestão do país em geral. É um dado histórico que sempre que as riquezas afluíram ao país de forma significativa, houve um “jeito” igualmente rápido e eficaz de as delapidar. Tem existido alguma dificuldade em manter um padrão estrutural. Nas últimas décadas, com a afluência dos Fundos Comunitários as coisas passaram-se duma forma mais racional, mas existe uma razão para isso: apesar de alguns graus de liberdade para aplicação das verbas, há regras impostas por entidades externas que ajudam a melhorar o critério. E os resultados notam-se no desenvolvimento geral do país.

Com os recursos não financeiros passa-se o mesmo. Por questões meramente práticas, vou focar-me na poupança da água (mas podia ser de outro recurso) e das razões para nos motivar, sobretudo os consumidores de maior dimensão, a adotar um consumo mais padronizado, menos sujeito a fatores conjunturais. A poupança a que me refiro é o que sobra da eficiência, sem sacrificar a eficácia. E não é só um objetivo de quem é abastecido. Quem faz o abastecimento deve ser tão ou mais eficiente. O preço é importante, mas insuficiente enquanto instrumento. A divulgação anual das perdas, p.ex., talvez fosse mais eficaz.

Somos um país relativamente rico em água, mas com disponibilidades hídricas geograficamente diferenciadas, com uma distribuição anual descontínua e uma “frequência garantida” de anos secos. Estas descontinuidades são superadas através do armazenamento nas mais diversas formas, umas naturais (aquíferos) outras artificias (albufeiras, charcas, depósitos). É o modo possível de transferir recursos de períodos húmidos para períodos secos.

Com a mudança climática, esta tendência agudizar-se-á, pelo que seria desejável reajustar a mensagem sobre a utilização da água, abandonando o cíclico discurso do fomento da poupança de água nos anos de seca ou no verão. Não se poupa o que não existe! A poupança deve ser um hábito e não uma circunstância! O sítio certo para guardar a água é o meio hídrico, seja natural ou modificado…é o nosso “Banco da Água”! E a reserva para o período seguinte é a nossa “aplicação” no Banco da Água! Se essa poupança não for utilizada nada se perde, a paisagem agradece. Poderá até permitir uma utilização em “overbooking”!

Parece-me essencial promover a Medição (estamos a investir no sítio certo, onde perdemos mais água?), a Conceção (temos mesmo de usar água ou temos alternativa?), a Solução (precisaremos de água potável ou podemos reutilizar água?) e a Avaliação (qual o maior custo, o do investimento em eficiência ou o de falta de água?).

Julgo, por isso, que se se quiser incentivar a poupança, será desejável ter uma mensagem constante (sem sazonalidades de qualquer tipo), centrada na Eficiência e sustentada na Confiança (informação  útil e atempada), na Motivação (a poupança de hoje aumenta a segurança do abastecimento amanhã), na Oportunidade (poupa-se quando existe em abundância) e na redução do Risco (pode não vir a ser utilizada, mas reduz o risco da sua falta).

Ou seja, água q.b. todos os dias!

Pedro Mendes

(Consultor/ Economista, Foi Adjunto do Ministro do Ambiente e dirigente da APA e no ex-INAG)

Coluna "Gestão e Energia" publicada na Indústria e Ambiente nº113

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