Um pacto para dissociar o crescimento da exploração de recursos

Uma sociedade próspera mas justa, com uma economia moderna e eficiente em termos de recursos, competitiva mas sem emissões. Inclusiva. O Pacto Ecológico Europeu, primeira marca da era de Ursula von der Leyen, promete transformar setores de forma transversal rumo à neutralidade carbónica.

O Pacto, apresentado ontem, insere-se na estratégia de implementação da Agenda 2030 e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Não assenta em pilares novos, mas promete fundações mais robustas. Zero poluição, preservação e recuperação dos ecossistemas e biodiversidade, promoção de uma cadeia alimentar sustentável, aceleração da mudança para modos inteligentes de mobilidade, fornecimento de energia limpa, segura e acessível, mobilização da indústria para uma economia limpa e circular e transição para uma construção e reabilitação eficiente em energia e recursos são os pilares do plano. Um plano que a Comissão não quer limitar ao lançamento de medidas, mas estendê-lo ao trabalho com os Estados-membros para garantir a sua implementação.

Metas mais ambiciosas

As atuais políticas só servirão para reduzir as emissões em 60 por cento até 2050. Por isso, no verão de 2020 a Comissão irá apresentar um plano para aumentar a meta de redução das emissões até 2030 para um mínimo de 50 por cento e 55 por cento comparativamente aos níveis de 1990. O esforço parece grande, e os responsáveis reconhecem mesmo que pode sair frustrado pelos países que não acompanham a ambição europeia em matéria de alterações climáticas. A persistência deste risco poderá levar a Europa a pôr em prática mecanismos de ajustamento que façam o custo dos bens importados refletir o seu conteúdo em carbono.

A produção de energia distribuída pelos vários setores económicos é responsável por mais de 75 por cento das emissões de gases com efeito de estufa. Por isso, a ambição é desenvolver um setor energético largamente assente em renováveis e descontinuar rapidamente o carvão, além de descarbonizar o gás. A descarbonização terá de beneficiar os consumidores, ao ser feita ao menor custo possível, e devem ser criadas medidas para eliminar a pobreza energética.

Nada disto será possível sem uma mobilização total da indústria, um setor chave para se chegar a uma economia neutra e circular. Para que este objetivo seja uma realidade em 2050, as decisões que a ele conduzem têm de ser tomadas nos próximos cinco anos, alerta a Comissão. A descarbonização de indústrias vitais como a do aço, dos químicos e do cimento será uma prioridade, e a intensificação da reciclagem será uma matéria-chave para transitar de um modelo linear para um modelo circular e pôr travão à exploração de recursos naturais. Embora aplicável a todos os setores, esta transição do linear para o circular far-se-á sentir com particular preponderância no têxtil, construção, eletrónica e plásticos, setores intensivos em consumo de recursos.

Construção – a urgência da reabilitação e da circularidade de materiais

O setor da construção consome uma elevada quantidade de recursos e é responsável por 40 por cento da energia consumida na União Europeia. Apesar da realidade a que vamos assistindo em Portugal, sobretudo nos centros históricos das grandes cidades, quando olhamos para o cenário europeu vemos uma prática diferente: a taxa de renovação de edifícios varia entre 0.4 e 1,2 por cento nos Estados Membros, e terá de duplicar para ser possível alcançar os objetivos climáticos e de eficiência energética. Além disso, 50 milhões de consumidores têm dificuldade em manter as suas casas quentes. Para ir de encontro a este desafio, a UE terá de estimular fortemente a reabilitação de edifícios públicos e privados. A reabilitação pode ser um desafio, mas ajuda a baixar contas de energia e a reduzir a pobreza energética. A Comissão compromete-se a fazer cumprir, de forma rigorosa, a legislação sobre a performance energética dos edifícios, que irá começar por uma aferição, em 2020, das estratégias de longo prazo de renovação de edifícios dos Estados Membros. O regulamento de produtos de construção será revisto, assegurando que o design dos edifícios novos e dos reabilitados está em linha com os princípios da economia circular.

A Comissão propõe também trabalhar com stakeholders numa iniciativa de reabilitação para 2020. A concretizar-se, o projeto irá juntar, numa plataforma aberta, arquitectos, engenheiros e autoridades locais para fazer um levantamento das barreiras existentes à reabilitação. A iniciativa irá ainda passar por sistemas de financiamento ao abrigo da InvestEU. Um dos objetivos essenciais é organizar os esforços de reabilitação em grandes blocos que possam usufruir de melhores condições de financiamento e economias de escala. A Comissão vai ainda trabalhar de modo a eliminar barreiras nacionais regulatórias que inibam investimentos de eficiência energética em edifícios arrendados ou com múltiplos proprietários. Será prestada particular atenção à habitação social como forma de ajudar a eliminar o fardo do pagamento da energia. As escolas e hospitais serão outro foco, já que o dinheiro economizado com edifícios mais eficientes pode ser canalizado para investimento público em saúde e educação.

Transformar a cadeia alimentar e os transportes

A Comissão reconhece que o transporte multimodal precisa de um grande incentivo, e que o preço do transporte deve refletir o respetivo impacto no ambiente e na saúde, pelo que os subsídios aos combustíveis fósseis devem acabar. O plano fiscal nesta matéria será alvo de revisão, incluindo no transporte marítimo e na aviação. Em paralelo, será incentivada a produção e desenvolvimento de combustíveis alternativos.

A cadeia alimentar também será alvo de atenção, com a estratégia “Do prado ao prato” a ser lançada na primavera de 2020. A ideia é abranger todas as etapas da cadeia alimentar de modo a torná-la mais sustentável. A política para a agricultura e pescas será um elemento chave nesta estratégia que tem como objetivo proteger o ambiente e a biodiversidade, ao mesmo tempo que assegura boas condições de vida para agricultores, pescadores e suas famílias. Trabalhar-se-á no sentido de reduzir drasticamente o uso e o risco de pesticidas químicos, fertilizantes e antibióticos. A estratégia também será desenhada de modo a contribuir para a economia circular, reduzindo o impacto do processamento alimentar e do retalho com ações nos domínios do transporte, armazenamento, embalamento e resíduos.

Os ecossistemas, a preservação da biodiversidade ou a redução da poluição até ao zero são outros dos objetivos deste ambicioso pacto, para o qual está a ser desenvolvido um plano de investimento.

A estratégia de adaptação será ambiciosa, e a Comissão Europeia procurará assegurar que investidores, seguradoras, empresas, cidades e cidadãos são capazes de desenvolver instrumentos para integrar as alterações climáticas nas suas práticas de gestão de risco.

Alcançar os atuais objetivos em matéria de energia e clima até 2030 irá requerer 260 mil milhões de euros de investimento anual adicional, algo que só será possível com a mobilização do setor público e privado. Pelo menos 25 por cento do orçamento da UE a longo prazo deve ser consagrado a ações a favor do clima e o Banco Europeu de Investimento – o banco europeu para o clima – garantirá apoios adicionais. Para que o setor privado contribua para o financiamento da transição ecológica, a Comissão apresentará, em 2020, uma estratégia de financiamento verde.

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