Neutralidade carbónica pode implicar 3 mil milhões de investimento na rede elétrica

Tribunal de Contas Europeu estima que seja necessário investir entre 1 994 mil milhões de euros e 2 294 mil milhões de euros para adaptar a rede elétrica às necessidades impostas pelas metas de neutralidade carbónica. O financiamento atualmente previsto não é suficiente, mas a aposta na tecnologia e na flexibilidade da rede pode fazer baixar os montantes necessários
São 11,3 milhões de quilómetros de linhas a transportar eletricidade no espaço europeu, a maior infraestrutura da Europa. Na União, Europeia, a rede elétrica é gerida por mais de 2 500 operadores de redes de distribuição (ORD), que supervisionam 96 % da rede, e por 30 operadores de redes de transporte (ORT), que servem 266 milhões de famílias e empresas e ligam 27 países e várias regiões. Só que o sistema está a envelhecer, tem vulnerabilidades e precisa de se adaptar a um novo paradigma energético e climático. E isso requer investimentos avultados que não estão a ser feitos.
É esse o panorama deixado pelo Tribunal de Contas Europeu no documento de análise “Adequar a rede elétrica da UE à neutralidade carbónica”, divulgado a 1 de abril.
Até 2050, a descarbonização tem de ser uma realidade, o que dará à eletricidade um papel cada vez mais preponderante no sistema energético. Segundo as contas da Agência Internacional de Energia, citadas no relatório, prevê-se que a procura de eletricidade mais do que duplique entre 2022 e 2050, impulsionada sobretudo pelos transportes, aquecimento e indústria. Por outro lado, 70% da capacidade de produção a partir de energias renováveis deve estar ligada às redes de distribuição até 2030 e 80 % até 2040, segundo um relatório conjunto da Monitor Deloitte e Eurelectric, de janeiro de 2021. A isto há ainda que juntar a perecibilidade do recurso, ou seja, a necessidade de consumir ou armazenar de imediato aquilo que se produz, aliada à dificuldade de equilibrar oferta e procura.
As redes que suportam tudo isto têm um período de vida útil entre 40 e 60 anos, conforme se trate de cabos subterrâneos ou linhas aéreas, e cerca de 40 % das redes de distribuição europeias, alerta o relatório, já têm mais de 40 anos.
Desafios e oportunidades
Desta vez, o Tribunal não procedeu a uma auditoria, mas a uma análise descritiva e informativa, identificando desafios mas também oportunidades. Foram examinados os planos de desenvolvimento da rede dos 30 ORT e dos 57 maiores ORD, que servem mais de três quartos dos clientes de eletricidade da UE.
Desde logo, o Tribunal afirma que a resposta à procura futura vai implicar alargar, modernizar e manter a infraestrutura, o que inclui apostar na digitalização e na resiliência às alterações climáticas.
Um dos desafios é o facto de a rede ter sido concebida para funcionar com corrente alternada e muitas fontes de energia renováveis produzirem eletricidade em corrente contínua, o que implica conversão para compatibilidade e utilização na rede, levando à eventual necessidade de recorrer a equipamento específico e aplicar tecnologias mais modernas.
Por outro lado, a adaptação às alterações climáticas exige o investimento em materiais mais resistentes. O Tribunal incluiu, na sua análise, o exemplo dos danos causados por uma vaga de calor na infraestrutura elétrica da Sicília. Durante a conferência de imprensa de apresentação do relatório, a Indústria e Ambiente questionou se havia dados que permitissem aferir o impacto das alterações climáticas noutras regiões europeias. A relatora Keit Pentus-Rosimannus esclareceu que esse estudo não tinha sido feito, mas frisou que esses impactos serão uma realidade.
Com o ritmo de investimentos atual a manter-se e segundo os dados recolhidos junto dos estados-membros, o Tribunal calcula que os investimentos na rede atinjam 72 mil milhões de euros por ano até 2030 e diminuam para 68 mil milhões de euros entre 2031 e 2050. O investimento total ao longo do período ascenderia a 1 871 mil milhões de euros, o que não chega ao mínimo necessário estimado pela própria Comissão (1994 mil milhões). A isto juntam-se desafios operacionais, como a ausência de uma metodologia harmonizada de planeamento da rede.
Há, contudo, medidas que podem diminuir o nível de investimento necessário, como a aposta na flexibilidade da rede. É o que acontece em Roma, num exemplo também citado no relatório. O ORD local prevê a necessidade de investir cerca de 1075 mil milhões de euros na infraestrutura para responder a uma crescente procura em horas de ponta induzida pela maior utilização de veículos elétricos, bombas de calor e placas de indução. Contudo, tendo em conta que há capacidades de rede superiores a 2,5 GW a ser utilizadas apenas 11 % do tempo, o ORD explorou a possibilidade de introduzir medidas de flexibilidade no sistema, estimando uma poupança de 406 milhões de euros.
O Tribunal sugere a aposta nessa flexibilidade através da criação de interligações mais fortes entre os países, tirando partido das diferenças geográficas e meteorológicas. “Estas
interligações ajudam a equilibrar as variações na disponibilidade de vento e na
irradiação solar no território da UE, reduzindo assim significativamente o volume de eletricidade ecológica e barata que deliberadamente não é produzida”, lê-se no documento, que cita uma estimativa de poupança da REORT-E de 5 a 9 mil milhões de euros por ano com a implementação de medidas deste tipo.
O recurso a redes descentralizadas, uma hipótese levantada durante a conferência de imprensa, como forma de fazer face a ameaças como a invasão russa, não foi contemplado nesta avaliação, com os responsáveis a preferir destacar a opção pela aposta na modernização como forma de responder a ameaças físicas e também de cibersegurança.
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