Com a circularidade a entrar no mercado, setor têxtil procura reafirmar-se

por Cátia Vilaça

“Como se cose a circularidade dos têxteis?” foi o mote da conferência acolhida pela Lipor a 23 de setembro. Para além dos desafios que o setor enfrenta, como a concorrência das plataformas eletrónicas asiáticas, discutiu-se a importância da circularidade num país com pouca matéria-prima

O dia começou com uma visita à nova unidade-piloto de triagem de têxteis, instalada na Lipor no âmbito da sua participação no projeto be@t, sobre bioeconomia na indústria têxtil. A nova unidade, com capacidade de processamento de 50 toneladas/ano, permite a leitura e separação de 14 categorias de materiais, por composição e cor. O processo inclui triagem manual e automática, remoção de acessórios e enfardamento. À entrada, é feita uma pré-triagem, sendo identificadas as peças com potencial de reutilização e também separados os contaminantes, isto é, peças que não podem integrar o processo, como calçado ou fechos.

Liderado pelo Citeve, o be@t é um consórcio nascido das oportunidades e dificuldades do setor têxtil, conforme explicou o diretor-geral daquele centro de investigação, Braz Costa. Se as matérias-primas fósseis e o algodão apresentam óbvios problemas de sustentabilidade, Portugal lida também com escassez de matérias-primas para a produção de têxteis. Neste cenário, a solução é inovar e recorrer à reintrodução de têxteis usados. “A maior fonte de matéria-prima é o que já foi produto”, sublinhou Braz Costa.

E essa reincorporação no mercado será mesmo uma necessidade. O Parlamento Europeu deu luz verde à revisão da Diretiva-Quadro Resíduos, e após a respetiva publicação no Jornal Oficial da União Europeia, os estados-membros disporão de 20 meses para transpor a diretiva e de 30 meses para implementar os respetivos Regimes de Responsabilidade Alargada do Produtor. Apesar de ter de ser feita a adaptação a esta nova fileira, Mafalda Mota, da Agência Portuguesa do Ambiente, lembrou que o Regime Geral de Gestão de Resíduos já define o que é a Responsabilidade Alargada do Produtor, que, para além da responsabilidade financeira pela gestão de fim de ciclo de vida, prevê também que o produtor seja “incentivado a promover alterações na sua conceção de forma a dar origem a menos resíduos na sua produção e posterior utilização”, permita “a reutilização e reciclagem dos produtos” e garanta que “o tratamento dos resíduos resultantes se realize em conformidade com os princípios da proteção da saúde humana e do ambiente e da hierarquia dos resíduos”. Já o Regime Unificado dos Fluxos Específicos de Resíduos, vulgarmente conhecido como Unilex, prevê que os respetivos resíduos através de um sistema individual ou de um sistema integrado. Mas enquanto a diretiva não for transposta, o regime de Responsabilidade Alargada do Produtor não pode avançar, pelo que a recolha pode ser feita apenas através de ecocentros e ecocentros móveis.

Para além desta incorporação de têxteis pós-consumo, o be@t também está a dinamizar processos inovadores, como o recurso ao ozono na higienização das peças.

O problema do ultra fast fashion

Num painel que reuniu representantes da indústria, apelou-se à regulação das plataformas online asiáticas que vendem produtos têxteis na Europa sem qualquer tipo de intermediação – diretamente do fabricante para o consumidor – e por isso sem controlo da qualidade e da segurança. Ana Paula Dinis, da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal, classificou este mercado como um mercado que não se conhece e “não se consegue controlar”, na ausência de entidades europeias que se encarreguem da intermediação. Filipe Carneiro, da Lipor, deu conta do crescimento deste mercado, impulsionado pela pandemia e que este ano deve chegar a 10 mil milhões de pacotes colocados na Europa.

Recorde-se que já em 2024 a Comissão Europeia tinha designado a Temu, que conta com uma média mensal de 45 milhões de utilizadores na Europa, como plataforma em linha de muito grande dimensão (VLOP) ao abrigo do Regulamento dos Serviços Digitais (RSD), após queixas de organizações de defesa dos consumidores, incluindo a DECO. Essa classificação implica o cumprimento de regras mais rigorosas, como a obrigação de avaliar e atenuar devidamente quaisquer riscos sistémicos decorrentes dos seus serviços, incluindo a listagem e venda de mercadorias de contrafação, produtos não seguros ou ilegais e artigos que violem os direitos de propriedade intelectual. Só que já em julho deste ano, a Comissão considerou que a plataforma estava a violar o regulamento, e que existia “um elevado risco de os consumidores da UE se depararem com produtos ilegais na plataforma”.

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