Entrevista a Manuel Tanger

Em que consiste o ecossistema de inovação da beta-i? Além da ponte entre programas de inovação e os interessados em concorrer a esses programas, existe também a parte de transferência de conhecimento entre universidade e mercado?

O ecossistema de inovação, para nós, deve ser um ecossistema que envolva várias partes. Não nos limitamos a estas, mas as partes com as quais trabalhamos mais afincadamente são empresas, desde as médias às muito grandes, e inovadores, que podem ser desde start-ups a PMEs. Assim tocamos inovações que vão desde o protótipo funcional até produtos e serviços acabados e já com o mercado estabelecido, com equipas formadas e lançadas no mundo. Ligamos quem nas empresas está envolvido com estas inovações, start-ups e consumidores finais. Tudo gira sempre à volta de pessoas, quer seja em aglomerados, quer seja de forma individual. Desenvolvemos este ecossistema muito através de programas de inovação aberta, em que pomos as diferentes partes a pensar e trabalhar juntas – fazemos isso nos seguros com a Fidelidade e a Fosun, fazemos no setor bancário com a SIBS e a H&A (banco alemão), na indústria da saúde, com a Novartis e Luz Saúde, na Energia com a EDP e mais 10 utilities energéticas Globais, nas “smart cities” com a Câmara de Lisboa e muitos mais parceiros, na Economia do mar.

Os programas que desenvolvemos com universidades são tipicamente de capacitação dos universitários para desenhar e gerar o seu negócio. Colaboramos com a Associação Nacional de Inovação, através de um programa chamado Born From Knowledge, cuja ideia é ter uma pool de investigadores e apoiá-los no lançamento para o mercado. Nós temos investigadores espetaculares e temos I&D incrível nas universidades portuguesas. O que eu acho é que esses investigadores não têm necessariamente que ser os empreendedores. Temos de arranjar maneiras, e acho que isso ainda não está completamente oleado, de passar esse I&D para empreendedores que saibam lançar a inovação no mercado e deixar os investigadores fazer o que gostam e são excelentes a fazer: investigar. Empreendedores são perfis diferentes, complementares.

Mas há uma discrepância entre a investigação desenvolvida e as necessidades do mercado?

Não. Existe é sempre um longo caminho entre descoberta e lançamento no mercado com um modelo de negócio promissor. Por exemplo, no âmbito da saúde o I3S tem uma equipa que desenvolveu um marcador biológico que, através do sangue, determina o grau de depressão de um paciente. Ora, isto é um enorme avanço porque hoje em dia o diagnóstico é feito por questionário. É uma análise objetiva para uma doença que está na ordem do dia. Esta inovação está em laboratório mas funciona. Pegar na ideia e lançá-la para o mercado é o próximo passo, mas as pessoas envolvidas são investigadoras, gostam de investigação e são excelentes a fazê-lo. Eu também percebo que estar a forçá-los a criar uma empresa não está obrigatoriamente na sua génese e por isso não faça sentido.

No caso das empresas, qual é a vossa intervenção? Ou seja, quando as empresas já estão habituadas a estes processos de lançamentos para o mercado, qual a necessidade de recorrerem a vocês?

As grandes empresas sofrem um mal que é o de serem grandes. A certa altura a organização torna-se necessariamente muito focada na eficiência, na ideia de fazer mais com menos: menos pessoas, menos dinheiro, menos tempo, mas sempre focadas no negócio delas, e quando querem lançar coisas novas às vezes perdem agilidade em nome dessa eficiência. O que as start-ups trazem são novos conceitos, novos produtos, que as grandes empresas conseguem integrar para depois lançar. No fundo ajudam as grandes empresas a fazer o que elas já não conseguem tão facilmente. Para as start-ups é ótimo porque conseguem um grande cliente. Imagine-se começar a trabalhar com um banco grande em Portugal ou com uma farmacêutica ou retalhista global. Isso proporciona às start-ups um acesso que dificilmente teriam se não fosse ao abrigo destes programas. O que nós temos aqui é uma forma rápida, relativamente barata e com muito menos riscos de fazer inovação. Um dos grandes problemas da inovação é o risco percebido. Dito isto, é muito mais arriscado não inovar!

Na área ambiental os desafios são muitos e há muitas áreas em que é preciso melhorar para cumprir metas globais, que são muito exigentes. Resíduos, mar, mobilidade, ordenamento do território estão na ordem do dia, e tudo isto requer gestão, monitorização e cada vez mais incremento de tecnologia. Quais são as áreas que estão a beneficiar mais ou aquelas em que há mais margem para a tecnologia entrar?

A área da economia circular é um mini-universo, e toca exatamente essas áreas, e até toca mais, o que a torna fascinante. Dá-nos uma sensação real daquilo que acontece no mundo, do facto de tudo estar ligado. As coisas, quando são criadas, fabricadas e pensadas têm de ter o seu fim em mente, e muitas vezes o fim é voltar ao início, o que hoje em dia ainda não acontece muito. O fim de vida dos produtos passa pela triagem, pela separação, pela reciclagem e pela reutilização mas não é suficiente. A tecnologia tem dado um salto exponencial, e nós trazemos exatamente isso: qual é a evolução da tecnologia, a rapidez com que se integra e com que se desenvolve, de que forma as pessoas a usam, como cresce – os dados, a computação, os sensores, robótica, os drones, etc.

O que é que tudo isto implica em termos de monitorização e de informação? Uma das questões centrais é a quantidade e qualidade dos sensores. Há poucos anos existiam alguns sensores, poucos, e de baixa resolução, e hoje em dia consegue-se ter, de forma muito barata, muitos sensores e de alta resolução. O potencial (e o desafio) é que isto gera uma quantidade de informação gigante. É preciso fazer um upgrade às ferramentas de análise estatística. Temos sensores ótimos, que estão espalhados e começam a captar dados quer a nível industrial, quer de gestão da cidade e das nossas próprias casas. (...)

Manuel Tânger é co-fundador da beta-i. Mestre em Física, trabalhou em design, planeamento estratégico e marketing orientado para o desenvolvimento do conhecimento. Lidera a equipa de inovação e aceleração corporativa da beta-i, estando focado em Design Thinking e Lean Start-up.

Entrevista completa publicada na edição nº117 da Indústria e Ambiente

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