Entrevista a António Chambel

António Chambel fala-nos das dificuldades de gestão das águas subterrâneas e das suas interligações com as águas superficiais que, para o hidrogeólogo, devem ser vistas com maior atenção. Fica também um alerta para a sub-utilização deste recurso em contextos em que o seu aproveitamento seria vantajoso.

Entrevista por Cátia Vilaça | Fotografia D.R.

O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) nº 6 estabelece a meta de alcançar, até 2030, o acesso universal e equitativo à água potável e segura para todos, e também prevê a gestão integrada dos recursos hídricos a todos os níveis, incluindo no que toca à cooperação transfronteiriça. Faltam apenas oito anos. O que nos pode dizer acerca destas metas e do seu realismo?

Essas metas são, quanto a mim, completamente irrealistas. Os países andam a diversas velocidades - mesmo na Europa temos países a diversas velocidades mas quando vamos pelo mundo fora vemos que muita coisa está ainda por fazer e há países que, provavelmente, pouco estarão a fazer neste sentido. A primeira coisa que surge quando se fala com responsáveis de outros países é a questão da gestão, que aqui em Portugal esteve sob a responsabilidade de regiões administrativas até há uns anos. Depois passou-se à gestão por bacia hidrográfica, que é de facto a forma de fazer as coisas. As águas subterrâneas ficaram, no início, um pouco esquecidas. Depois teve de se andar a ver como é que se fazia porque estas águas atravessam, às vezes, mais de uma bacia hidrográfica, mas quando se chega aos outros países, a confusão é por vezes total. Eu estive num país da América Central em que a gestão da água era feita por quatro ministérios diferentes. Não era por bacia, e eram quatro ministérios.

O Ministério da Agricultura autorizava, por exemplo, as captações para fins agrícolas, a indústria para fins industriais, e havia outros ministérios que tratavam das questões do abastecimento público. Sem uma gestão coordenada, que é aquilo que os ODS dizem, é um pouco difícil gerir o recurso. Quanto à repartição do recurso a nível internacional, nos rios da Europa estamos mais ou menos entendidos. A nível dos outros países as coisas já não são assim. Há países que impõem, praticamente pela força, a execução de uma barragem junto à fronteira e cortam o acesso à água aos outros, dizendo depois que esses países não têm capacidade para a reter e fazendo o que entendem.

Encontramos muitas situações dessas, e se formos para as águas subterrâneas, pior ainda. Quando se começou a falar nesta questão dos aquíferos transfronteiriços, o primeiro acordo demorou mais de quatro ou cinco anos para ser assinado, e neste momento temos muito poucos acordos assinados a nível das águas subterrâneas. Está-se praticamente a dar os primeiros passos no sentido de saber como se vão fazer as explorações das águas subterrâneas entre países.

O último relatório da APA acerca da poluição por nitratos de origem agrícola aponta para uma estabilização das massas de água subterrânea no que toca a este parâmetro, mas também são identificadas situações de aumento da concentração, e até situações em que não foi possível fazer a monitorização. Neste momento, quais são as principais ameaças à conservação das águas subterrâneas. A agricultura?

A agricultura é talvez o principal fator, mas também nas regiões urbanas. A maior concentração de contaminação com nitratos situa-se claramente debaixo das cidades. É uma coisa de que não se fala muito, mas com as fraturas nos sistemas de esgotos, vamos tendo contaminações elevadíssimas dentro de algumas cidades. De uma forma mais generalizada e global, em Portugal é a agricultura que provoca essas questões. A situação de estabilização não me surpreende tendo em vista a evolução que houve no país, principalmente aqui no Sul, com a utilização de água do Alqueva, que é uma água com poucos nitratos.

Quando, antigamente, se retirava água dos aquíferos já com nitratos e depois se acrescentavam nitratos para a agricultura, claro que a água que sobrava da rega e voltava aos aquíferos ia cada vez mais carregada de nitratos. Neste momento já não é assim porque temos uma água com poucos nitratos, e mesmo que se acrescentem alguns nitratos, já chega ao aquífero menos contaminada. Portanto, não me admira nada que [a contaminação] tenha até reduzido - acho que nalguns aquíferos chegou a reduzir - e que noutros se tenha mantido. Há outras situações em que, se continuarmos a usar as águas subterrâneas, as coisas vão piorar.

Os nitratos têm um problema: o tratamento é muito complicado. Existem soluções, como a injeção de açúcares. Laboratorialmente já se provou que, colocando um poluente, como resíduos de petróleo, dentro do aquífero, consegue-se reduzir os nitratos, mas ninguém vai fazer uma coisa destas. Os poluentes, juntos, neutralizam-se - em laboratório está provado que se consegue fazer isto. As soluções não são fáceis. Pode recorrer-se à introdução de carbono no aquífero para tentar reduzir [a poluição] mas isto implicava uma bateria de furos, injeções permanentes, etc. São soluções caras, que não são muito eficazes, e no fundo é a prevenção que poderia resolver o problema, mas nunca com o objetivo de 2030, porque os nitratos têm um grau de degradação na natureza muito lento. Vai durar dezenas de anos ainda, mesmo que não coloquemos lá mais nitratos, até que os que lá estão vão, a pouco e pouco, desaparecendo, saindo para as nascentes, saindo para os rios, onde depois se degradam facilmente em contacto com matéria orgânica. (...)

Leia a entrevista completa na Indústria e Ambiente nº134 mai/jun 2022, dedicada ao tema 'Gestão de águas subterrâneas'

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