Entrevista a Helena Alegre

Helena Alegre manifesta-se otimista em relação ao futuro da eficiência hídrica em Portugal. A investigadora assinala o caminho positivo feito pelo país nas últimas décadas, sem deixar de reconhecer a necessidade de melhorar em alguns aspetos e mudar a forma de encarar outros, como a reutilização da água, uma matéria que, para a investigadora, deve merecer uma abordagem menos restritiva.

Está em vista al­guma revisão do Plano Nacional para o Uso Eficiente da Água (PNUEA), sobretudo tendo em conta este último ano de seca?

O LNEC elaborou a primeira edição do PNUEA e colaborou ativamente na sua revisão, mas não temos conhecimento de novos desenvolvimentos. Assim, neste momento não sei qual é o ponto de situação exato relativamente ao PNUEA. Sei apenas aquilo que é de domí­nio público. O LNEC tem feito muito trabalho neste domínio da conservação e do uso mais eficiente da água, encarando o uso eficiente da água no contexto do nexus água-energia, e não apenas no contexto da água e da energia separadamente. Este trabalho tem sido feito de várias formas: temos promovido e executado projetos colaborativos com Entidades Gestoras nacio­nais; em particular, já tivemos duas edições do projeto iPERDAS, vocacionado para a gestão eficiente da água e da energia em sistemas públicos de abastecimento. Temos também feito trabalho em uso eficiente da água em grandes consumidores, com muitos usos e redes internas longas e complexas, como por exemplo os hotéis, e aguardamos decisão sobre uma proposta submetida para portos e aeroportos.

Ainda haverá mais edições do projeto iPERDAS?

Sim, haverá, embora em moldes dife­rentes. Nós queremos aumentar o número de beneficiários. Por isso, vamos dividir o projeto em módulos, a pensar nas Entida­des Gestoras mais pequenas, para lhes dar a possibilidade de escolher os temas que mais lhes interessam, ou de completarem o projeto de modo temporalmente mais escalonado. No fundo, trata-se de con­ferir mais de flexibilidade e leveza a pensar nas entidades com recursos humanos mais limitados, que não conseguem afetar uma equipa de três pessoas a este assunto durante mais de um ano, consecutivamente.  

Em complemento, a pensar no acompanhamento continuado das entidades que participaram em anteriores projetos colaborativos do LNEC, tanto em gestão patrimonial de infraestruturas como em gestão eficiente de água e energia, criámos a rede de partilha Água e Energia na Cidade. A articulação com a capacitação modular referida será sempre garantida.

Temos também em curso um projeto semelhante ao iPERDAS para o setor agrícola. É motivado pelo facto de os sistemas de rega terem, em termos genéricos, elevado potencial de melhoria de eficiência hídrica e energética.

O objetivo é dar formação aos proprietá­rios?

É uma iniciativa liderada pela Federação Nacional de Regantes de Portugal (FENAREG), com um grupo de regantes, o LNEC, a Univer­sidade de Évora e a Escola Superior de Tecnologia do Barreiro. Estamos basear-nos no conhecimento e na ex­periência que adquirimos no âmbito do pro­jeto iPERDAS e nos trabalhos de investigação associados que temos desenvolvido nestas matérias para os sistemas em pressão e aplicá-los na área agrícola. Para aumentar a aplicabilidade, estamos a expandir a abordagem para os sistemas em superfície livre (rega em canal). O projeto está a ser muito interessante. Os resultados incluem o diagnóstico e a identificação de medidas de melhoria para as associações de regantes estudadas, uma abordagem sistematizada que permitirá um uso posterior alargado por outros regantes, e materiais de apoio à formação e implementação. Os principais beneficiários serão os regantes.

Para além deste projeto, submetemos recentemente uma proposta a um fundo de apoio à inova­ção no contexto da gestão eficiente da energia. Estamos con­fiantes que venha a ser aprovada. Embora o enfoque deste projeto seja a eficiência energética, este novo projeto no âmbito dos sistemas urbanos de água assenta na noção de que nestes sistemas não é possível ser energeticamente eficiente se não se for eficiente no uso da água. São dois aspetos que não se podem dissociar. Quanto mais água entrar nos sistemas, mais energia será utilizada. Este projeto tem como objetivo desenvolver uma aborda­gem integrada dos vários componentes dos sistemas urbanos de água – abastecimento, águas residuais e águas pluviais – para per­mitir, de uma forma simples e muito gráfica, perceber onde estão os problemas e qual a sua importância relativa. No fundo, com alguns indi­cadores, que começam por ser simples e baseados dados tão fáceis de obter quanto possível, pretende-se ter uma ideia da dimensão do problema. A ideia é tentar perceber onde ocorrem os maiores consumos energéticos e se correspondem a eficiências baixas, medianas ou elevadas, para definir prioridades e formas de atuação. No fundo, vai ser estabelecida uma abordagem inte­grada, destinada a apoiar o estabelecimento de um diagnóstico e permita chegar às medidas de mitigação e de melhoria a implementar, num processo de decisão fundamentado, transparente e reprodutível. Embora com uma componente de investigação associada, pretende-se que o projeto seja o mais prático e aplicado possí­vel, e que leve as entidades a perceber melhor onde atuar e por que atuar.

Tem-se falado muito do nexus água-energia mas o que se vê nesta área dos sistemas urbanos de água? Vemos tipicamente quatro vetores: eficiência dos equipamentos, individualmente; uso de energias renováveis, com instalação de geradores eólicos ou de energia solar; uso de energia associada à digestão de lamas / produção de biogás; modo de exploração, para tirar partido das menores tarifas noturnas. Todos estes aspetos são importantes, mas não exploram suficientemente o nexus água-energia. Nós verificamos que uma parte muito significativa das ineficiências tem a ver com a configuração dos sistemas, que foram planeados para um determinado tipo de situação, foram crescendo ao longo do tempo e a realidade foi mu­dando. À época, os pressupostos e os objetivos globais eram dife­rentes. A ges­tão de energia, há 20 ou 30 anos, não era um pressuposto tão importante como na atualidade. Hoje está amplamente reconhecido que uma das formas eficazes de reduzir as perdas reais de água nos sistemas de distribuição é gerin­do pressões. Isso faz-se, muitas vezes, pondo uma válvula de perda de carga para reduzir a pressão. Em vez disso, seria frequentemente possível fazê-lo com pequenas alterações de configuração e de forma de abastecimento daquela zona, com melhoria de eficiência energética.  

E é possível fazer essas alterações sem intervenções muito significativas na infraes­trutura?

Muitas vezes (obviamente que não se trata de uma receita única), com este tipo de abor­dagem mais abrangente, usando indicadores que fomos desenvolvendo aqui ao longo dos anos, conseguimos que as entidades gesto­ras detetem subsistemas em que as ineficiências energéticas são muito elevadas. Estes resultados constituem uma forte chamada de atenção. Quando se vai avaliar a causa, verifica-se por vezes tratar-se de uma explicação óbvia, mas que não tinha sido detetada antes. Em sistemas complexos, é fácil não se detetarem facilmente deficiências que até são simples de resolver. O problema até pode residir na ine­ficiência do equipamento, com certeza, mas muitas vezes é com pequenas alterações de operação ou de configuração que se resolve o problema. Às vezes são coisas simples, que permitem ganhos rápidos sem intervenções de grande monta. Essas são áreas em que temos vindo a trabalhar bas­tante.

Outra área com intenso trabalho é a reutili­zação. Quando falamos em uso eficiente da água, obviamente temos de falar em reutiliza­ção e em recuperação de recursos.

Qual é o estado-da-arte da reutilização e que barreiras existem (se é que existem) a essa prática?

Existem com certeza barreiras e exis­tem muitas oportunidades. Quando se fala em reutilização tem de se falar em questões de necessidade, em questões económicas, em questões culturais, técnicas, científicas e le­gais. Portanto, estamos a falar em questões plurifacetadas, muito transdisciplinares. Nós temos procurado abordá-las na sua integralidade, incluindo a vertente de regulamentação e normalização. Quando pensamos em reutilização, uma das questões fundamentais é perceber que uso vai ser dado à água e que requisitos tem esse uso. Pode tratar-se de utilizações pouco exigentes em termos de qualidade da água e de continuidade de disponibilidade de fornecimento, ou podem ser mais restritivas. Pode bastar assegurar uma qualidade média, ou ser necessário garantir uma qualidade mínima. Temos de assegurar, no fundo, que a oferta se adequa às necessidades, com custos económicos e ambientais aceitáveis. Muito do trabalho que temos vindo a fazer tem a ver com estas questões da qua­lidade e da segurança dessa qualidade, das barreiras múltiplas que se podem vir a criar. Naturalmente que quanto maior for a segurança e a qualidade da água que queremos produzir, mais elevado, em termos médios, é o custo, e essa hipótese torna-se menos competitiva. No entanto, também tendemos a fingir esquecer que quando temos uma ETAR a rejeitar a água tratada e depois adiante temos uma captação, estamos a reutilizar, embora possamos estar a fazê-lo sem controlo, o que é mais grave. É necessário ter o bom senso de ver as necessidades e ter uma solução equilibrada, que até reduza os riscos que neste momento existem. Há que ser realista e adequar as soluções às necessidades. Faz sentido olhar para as instalações que temos hoje e começar por identificar as oportunidades de reutilização existentes, para não estar a forçar esse processo quando não se justifica, quando há outras fontes disponíveis, eventualmente de melhor qualidade, e a menos custo económico e ambiental - é importante termos em conta que um tratamento acima da necessidade também consome desnecessariamente recursos ambientais.

Aqui no LNEC, em termos técnico-científicos, temos vindo a trabalhar bastante com o uso de membranas cerâmicas associadas a carvões ativados para produção de água para usos urbanos sem restrições, e tem-se vindo a estudar vários tipos de carvões, até produzidos localmente, recorrendo a produtos naturais na sua produção. Com estes produtos, é possível fazer um tratamento específico, e.g. com as ditas membranas, ou associá-los a etapas de tratamento já existentes para, por exemplo, melhoria do controlo de fármacos em ETAR urbanas, como estamos a demonstrar num projeto do programa LIFE. Poderemos obter uma instalação de tratamento que produz uma determinada água com características aplicáveis a um conjunto alargado de fins e pode até haver, por exemplo, condutas de abastecimento de água não potável com essa água, que podem abastecer diretamente os usos compatíveis com essa qualidade, mas não os utilizadores com maiores exigências. Assim sendo, é possível ter uma produção de uma água com uma determinada qualidade numa ETAR, ter um transporte para outras zonas e depois refinar o processo mais junto aos utilizadores, a um utilizador específico ou a um conjunto de utilizadores com exigências semelhantes. Esse tipo de tratamento usando membranas associadas a carvões ativados tem dado muito bons re­sultados, e foi objeto de alguns projetos finan­ciados pela UE através dos programas FP7 e LIFE, projetos de demonstração no âmbito dos quais foram realizadas várias iniciativas, workshops e sessões com partes interessadas de muitos tipos, para se per­ceber onde estão as barreiras, para quebrar alguns mitos, como o mito de que o uso de membranas é caríssimo ou envolve consumos energéticos muito elevados. Na verdade, depende da membrana – se for uma membrana cerâ­mica de microfiltração o consumo de energia é baixo e, portanto, não faz sentido achar-se que o uso de membranas é uma opção muito cara; não tem de ser. Há que tentar perceber onde estão os mitos e as barreiras para, pouco a pouco, vir­mos a construir a possibilidade de usar mais este tipo de solução, muito fiável e segura. Esse é um aspeto cien­tífico que nós no LNEC temos vindo a traba­lhar, em cooperação com outras instituições, como aliás acontece em outros locais do mundo.  

Em suma, se continuarmos a sermos demasiado restritivos no licenciamento de soluções de reutilização, estamos a incentivar a continuação do uso de uma reutilização não con­trolada. Pode-nos parecer que estamos a ser muito exigentes e não estamos. Estamos a funcionar ao contrário.

A propósito disso, gostaria ainda de fazer uma referência à normalização. Existe normaliza­ção internacional (ISO) desenvolvida por um grupo de trabalho que Portugal tem seguido desde a sua formação, de uma forma muito ativa e construtiva. Já foi publicado um conjunto de normas ISO relativas à utilização para fins agrícolas de água re­sidual tratada (não estamos a falar do uso da água da chuva, estamos a falar do uso da água residual tratada, embora para vários fins). Portugal deverá tirar partido destas recomendações tão valiosas. 

A União Europeia, mais recentemente, começou a desenvolver também trabalho e houve ini­cialmente um movimento que a nós, Portugal, preocupava bastante, por ir no sentido desse tal posicionamento muito restritivo, baseado em avaliações do risco para a Saúde Pública não suportadas pelas evidências atuais. Isso não é viável, porque exige tratamentos tão avançados que são despropositados ao risco, ambientalmente não fazem sentido e são financeiramente incomportáveis. Felizmente, a última notícia que tive através da delegada portuguesa foi que houve uma alteração e agora já há uma aceitação de seguir o caminho das ISO, que é um caminho muito mais equilibrado.

Voltando à questão da reutilização, é importante pensar esta prática num contexto de economia circular. Quando fala­mos em uso eficiente da água e energia, faz sentido pensarmos também num contexto de economia circular. Para isso, mais uma vez os trabalhos que eu já referi de reutilização, de se pensar no conjunto dos sistemas e não apenas nos seus componentes individuais, de se ter uma visão racional, que procure fazer mais com menos recursos, é fundamental. Quando estamos a falar em economia circular em sistemas urbanos de água, naturalmente que a eficiência hídrica e energética e a recuperação de recursos (nutrientes das águas residuais, energia dos escoamentos e da digestão de lamas) têm um peso muito grande. Cada vez mais há uma preocupação maior em deixar de usar o termo “águas residuais”, reconhecimento de que se trata de uma matéria-prima e não de um resíduo sem valor. Tal como os resíduos urbanos hoje já são muito mais entendi­dos culturalmente como um recurso, e até um recurso financeiro com um valor que ninguém questiona, nas águas residuais caminhamos também no sentido de constituírem um recur­so com fósforo, que é valioso por si e é valioso num contexto ambiental e financeiro.

Neste momento, tanto no sistema público como nos sistemas prediais, existem bloqueios regulamentares e legais para que se possam pôr em prática algumas soluções. O Regulamento Geral dos Sistemas Públicos e Prediais de Distribuição de Água e de Drenagem de Águas Residuais está a ser revisto, e nesta revisão já se teve em conta a possibilidade, nomeadamente do lado do abastecimento de água, de coexistirem sistemas de água não potável, algo que a versão anterior não permitia. A revisão foi feita a pensar na possibilidade de coexistência no espaço público de sistemas de distribuição de água com características e usos diferentes. No fundo se já abre a porta para se poder ter um uso mais eficiente da água, que é uma questão importante. Esta abertura tem, no entanto, que assegurar a necessária proteção da saúde pública e acautelar a viabilidade técnica e económica destas soluções. 

Que ações estão previstas para breve no âmbito do LIS-WATER e o que se espera desta estrutura?

Eu começaria por fazer a ligação entre as duas coisas: quando falamos em uso eficiente da água, muitas vezes as barreiras que têm a ver com o uso mais eficiente da água não são técnico-científicas nem sequer económicas. São barreiras que têm a ver com políticas públicas de uma forma mais alargada, com aspetos de legislação e de governança, de informação e de ética. Portanto, o uso eficiente da água é, para mim, um bom exemplo da necessidade de ter abordagens que não sejam estritamente técnicas ou estritamente financeiras. Obviamente que necessitam dessa componente técnica, científica e financeira, mas se essas componentes não forem complementadas com as outras, nunca vamos sair do incipiente ou do exercício académico, do caso de estudo, do protótipo. Se queremos escalar, se queremos mudar, tem de ser através da adoção de abordagens interdisciplinares e integradas.

Naturalmente, temos de ter políticas públicas muito consolidadas, muito equilibradas, e isso não acontece. Nós temos deficiências em Portugal, apesar de um percurso muito positivo que houve nos últimos 30 anos. De facto, o nosso percurso foi fabuloso, reconhecido internacionalmente, mas temos ainda naturalmente muitas necessidades de evoluir. Não é um problema só português, só dos países em desenvolvimento, ou só dos países desenvolvidos, é um problema do mundo, e essa foi a grande motivação da criação deste centro – o LIS-WATER. O LIS-WATER tem como âmbito as políticas públicas, regulação e gestão dos serviços de água e dos recursos hídricos associados. Contempla atividades de investigação e inovação, de aconselhamento estratégico, de educação, formação e capacitação, de empreendedorismo e de envolvimento social. Ainda está a ser criado e instalado, mas ao mesmo tempo já estamos a ter algumas atividades. Na vertente de investigação e inovação, pretende ser um centro de conhecimento que saiba quem no mundo faz melhor sobre cada matéria, não para repetirmos, mas para podermos associar-nos sempre que for necessário, e também ter a capacidade de de­senvolver conhecimento no próprio LIS-WA­TER nas áreas que forem consideradas áreas de lacuna. Na vertente de aconselhamento estratégico, é um centro de conhecimento que quer dar uma boa resposta aos decisores de alto nível, podendo proporcionar também oportunidades de “think-tank”. Esta vertente de atividade já está em curso neste momento. É um serviço que nós queremos alargar, indo buscar os melhores das várias áreas para poder ajudar os vários países a resolver as suas dificuldades em ter­mos de implementação de uma política públi­ca equilibrada, de um sistema regulatório ou um sistema de gestão, se estivermos numa organização em concreto.

Para as Entidades Gestoras e os restantes profissionais da água, o centro vai oferecer educação pós-graduada, formação e capacitação. Um dos aspetos em vista é o desenvolvimento de um progra­ma de pós-graduação para poder melhorar a educação neste tipo de matérias. A formação visa profissionais em atividade, a capacitação visa as or­ganizações. As organizações precisam de ter pessoas formadas, mas também têm de in­ternalizar esse conhecimento e têm de estar capacitadas para poder mudar a sua atitude, para poder evoluir na forma como atuam. O centro tem um âmbito geográfico internacional. Contudo, nesta fase, por solicitação do Ministério do Ambiente com o Fundo Ambiental e com as três associações que reúnem os principais profissionais deste setor – a APRH, a APESB e a APDA, em con­junto com o LNEC, foi montado e vai ser im­plementado, em princípio ainda este ano, um programa de formação para dirigentes e quadros superiores das entidades gestoras de serviços de águas, em particular de pequena e média dimensão. Qualquer pessoa com capacidade de decisão dentro de uma Entidade Gestora deve ter uma visão alargada dos vários aspetos dos serviços de águas, e portan­to esta formação vem responder a essa necessidade. Vamos por isso começar por um programa de formação básica, bastante abrangente, cobrindo to­dos os aspetos que consideramos relevantes. Com esta formação pretende-se conferir competências genéricas aos formandos, para que não haja um jurista numa Entidade Gestora que não saiba o que é uma captação ou uma instalação elevatória, ou não haja um engenheiro que não tenha noção do enquadramento legal ou do que são os desígnios ou os aspetos de comunicação com o cliente. Vai ser uma formação com 48 módulos de uma hora e meia cada um, que vai cobrir as matérias mais diversas que são relevantes no âmbito da gestão dos sistemas urbanos de água.

Vai ser dada uma resposta à indús­tria, através de uma série de mecanismos, in­cluindo apoio direto a startups no domínio do LIS-WATER, que podem ser mais tecnológicas ou atuar na base das “soft-skills”, no sentido de consultoria e de métodos, e dando-lhes a possibilidade de virem a sediar-se quer no LNEC quer fora, através de protocolos. Pretende-se que tenham apoio, acesso a ca­sos de estudo e a laboratórios para poderem ensaiar os seus produtos e soluções, que tenham acesso aos profissionais. No fundo é um ecossistema que as pode ajudar a trazer a inovação para um nível que não temos neste momento.

Um outro pilar do LIS-WATER tem a ver com o compromisso social. O objetivo é trabalhar em mecanismos que ajudem a envolver a socie­dade nestas matérias, formando, mas tam­bém envolvendo com compromisso. Estão já em curso algumas iniciativas e estão previstas outras, direcionadas por exemplo para juízes, para assegurar que venham a ter formação de base nestas matérias. Já foi também estabelecido um acordo com o Cine’Eco – Festival Internacional de Cinema Ambiental da Serra da Estrela, que permitiu que pela primeira vez em 2017 tenha sido estabelecido o tema “Água” no festival, com a atribuição de um prémio.  As melhores curtas metragens na área da Água serão divulgadas numa plataforma web que o LIS-WATER está a criar, para que sirvam de repositório que virá a ser de acesso público.

O contrato que temos com a União Europeia tem como objetivo a preparação do plano de negócios para o centro até agosto. Não temos a obrigação de estar já em atividade, mas para nós isso é importante, sendo também um bom argumento para continuarmos a ter apoio da União nesta matéria. O processo é competitivo, mas teremos boas hipóteses, e estamos a procurar outras formas de finan­ciamento, com muitos contactos e uma rece­tividade que tem sido fabulosa, tanto nacional como internacionalmente. No fundo, o que nós queremos é que haja lugar para todos, desde que se encontrem oportunidades de win-win. Quem entra tem de ter a possibilidade de ga­nhar alguma coisa e o próprio centro tem de ganhar alguma coisa, mas estamos abertos a parcerias. Desde que haja possibilidade e inte­resse mútuo queremos ser o mais inclusivos possível.

Qual foi a evolução nos últimos quatro anos em termos de controlo de perdas em redes públicas, a nível tecnológico e de re­sultados? Nessa altura, o então ministro do Ambiente deu uns dados bastante alarman­tes acerca da percentagem de perdas – 80 por cento em alguns sistemas.

Os dados mais fiáveis que o país tem são os recolhidos pela ERSAR. Há um proble­ma que reside naquilo que nós chamamos de perdas: se é água não contabilizada, se são mesmo perdas, e, nesse caso, se são perdas reais ou aparentes. São mesmo coisas diferentes. A maior parte das vezes, quando as pessoas falam de percentagem de perdas estão a falar de percentagem de água não faturada, por ser objetivamente o mais fácil de calcular (percentagem de água que é captada ou adquirida e não é faturada). Não significa que tudo sejam perdas. Pode haver uma parte não desprezável dessa água não faturada constituída por usos autorizados. Pode ser água usada para consumos próprios das entidades, ou outros usos, tais como, eventualmente, regas de jardins,  lavagem de ruas, combate a incêndios, ou outros .  Assumindo que estamos a falar de água não faturada, os números que a ERSAR tem não são tão drásticos quanto refere, até porque a concentração da po­pulação se faz muito no litoral e nos grandes centros, onde temos empresas com maior capacidade em termos de controlo de perdas. Se fizermos os cálculos não em termos de volume de água, mas em número de Entidades Gestoras, o panorama piora porque as pequenas entidades gestoras são as que têm em geral menos recursos humanos e financeiros, e consequentemente uma situação menos controlada. Por essa via podemos ter um número mais assustador. Se me pergun­ta se, na minha opinião, a situação é boa, eu penso que não é ainda, e que ainda temos muito para caminhar. Tem havido iniciativas de muitas origens, nomeadamente o próprio PENSAAR, que reconheceu a importância das perdas e da gestão. Há um conjunto de fato­res financeiros, de sensibilização, de capacita­ção das entidades que tem contribuído para haver uma evolução positiva nessa matéria. A própria ERSAR, ao expor publicamente os indicadores de qualidade de serviço, ao ter proporcionado cursos, ao ter guias técnicos, tem desempenhado um papel muito importante nessa matéria. No LNEC já se trabalha em perdas de água já há muitos anos, e foi elaborado com a ERSAR o guia de per­das já há uma década. Trabalhamos com um número relativamente alargado de entidades, obviamente uma minoria relativamente às que existem no país, mas esse trabalho per­mitiu-nos produzir abordagens consolidadas, permitiu produzir software e metodologias, conhecer, sensibilizar, por as pessoas que par­ticiparam a partilhar a sua experiência com outros e a dizer que isto não são só ideias pe­regrinas de cientistas.

Estes assuntos têm de ser vistos, mais uma vez, de uma forma muito integrada. Acho muito importante, por exemplo, que o acesso a financia­mentos públicos para obra tenham sido associados à existência de um cadastro, na lógica de cada Entidade Gestora saber o que tem antes de pedir dinheiro para determinada intervenção, e de conceder financiamento para criar o ca­dastro quando este não existe. Se não sou­bermos o que temos como podemos controlar as perdas?

Como perspetiva o futuro da eficiência hí­drica em Portugal?

Estou otimista. O otimismo não significa que ache o processo simples nem significa que esteja tudo feito e que agora seja só usufruir dos rendimentos. Temos todos uma gran­de responsabilidade. O LNEC e o LIS-WATER, seguramente. Mas também vocês, enquanto meio de divulgação e de sen­sibilização, têm um papel muito importante a desempenhar se o objetivo é conseguir evo­luir. Não vai ser um caminho fácil, mas é um caminho possível, viável e que eu acho que vai ser feito. Não temos outra solução, e temos os meios e capacidade para avançar passo a passo. Por vezes o caminho crítico – eu uso muitas vezes este termo – está entre as nos­sas orelhas. Se nós pararmos para pensar as soluções vêm. O caminho crítico não é finan­ceiro, contrariamente àquilo que muitas vezes se diz.

Helena Alegre é licenciada em Engenharia Civil, ramo de Hidráulica, e especialista em Engenharia Sanitária pela Ordem dos Engenheiros. Integra o Conselho Estratégico da International Water Association, tendo já desempenhado o cargo de vice-presidente sénior daquela entidade.
É Presidente da Comissão Técnica Nacional de Normalização CT 204 – “Gestão de ativos” e delegada nacional na congénere internacional ISO/TC 251 – “Asset management”. Presidiu durante cerca de uma década à CT 90 – Sistemas de Saneamento Básico e da Subcomissão SC1 – Sistemas de abastecimento de água.
Dirige o Departamento de Hidráulica e Ambiente do LNEC desde 2016, e é membro da equipa nuclear do LIS-Water

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