Em tempo de seca, importa olhar os recursos hídricos de forma integrada

  • 08 outubro 2021, sexta-feira
  • Água

Apesar de o ano hidrológico estar a começar com mais reservas, a situação de várias bacias hidrográficas não permite relaxar. Esta foi uma ideia que perpassou a sessão “A importância da gestão da água”, com a qual a Agência Portuguesa do Ambiente assinalou o início do ano hidrológico, a 1 de outubro.

A diretora de Recursos Hídricos da APA, Felisbina Quadrado, começou por fazer um enquadramento meteorológico do problema: o aumento da temperatura tem implicações nas disponibilidades hídricas, e as últimas duas décadas foram as mais secas. Este quadro conduziu a uma menor capacidade de armazenamento de águas superficiais e subterrâneas. Há desafios sobre os quais urge atuar, como os elevados consumos associados à agricultura e ao meio urbano, aumentando a eficiência nestes setores. Para satisfazer devidamente o ciclo urbano e agrícola, é fundamental que o ciclo urbano da água seja bem gerido, e essa gestão é feita através de planeamento e licenciamento. Neste domínio, a responsável esclareceu que 84 por cento dos pedidos de licenciamento que a APA recebe são para captações, o que significa que ainda não se conseguiu ultrapassar o “business as usual”, ou seja, fazer uma captação sempre que faz falta água. Contudo, nem todos os pedidos são licenciáveis e em 2017 foi inclusivamente necessário proibir novas captações em alguns aquíferos por estarem no limite mínimo da capacidade, ou seja, abaixo do percentil 20.

Felisbina Quadrado referiu ainda que o conhecimento relativo ao estado das massas de água registou um aprofundamento, e demonstra que estamos longe dos objetivos traçados para 2021, ainda que a informação atual ainda não reflita o impacto de algumas medidas recentes.

Não sendo possível continuar a licenciar como se fazia antigamente, Felisbina Quadrado realça a importância de uma abordagem combinada, que permita perceber onde se pode efetuar descargas, qual a capacidade existente e que tipo de intervenção é possível permitir, um exercício que pode ser feito não apenas pela APA mas também pelos utilizadores, previamente. Ainda no domínio da boa gestão, a responsável lembrou que é necessário ter critério ao construir barragens, ou seja, não vale a pena criar infraestruturas que acabem por não ter água quando houver seca. Importa, por isso, olhar para o território de forma integrada e construir reservatórios onde houver possibilidade de ter resiliência.

Coube à Chefe de Divisão de Avaliação e Disponibilidades da Água, Manuela Saramago, fazer o balanço do ano hidrológico do ponto de vista das águas superficiais. Ainda que este ano já se tenha registado alguma precipitação, ficou 70 por cento abaixo da média. A bacia hidrográfica do Douro também está longe dos níveis médios, bem como as ribeiras do Algarve e Guadiana; apenas o Vouga e o Mondego ficaram acima da média. No entanto, Manuela Saramago realçou que é necessário analisar a série histórica para se perceber se estamos ou não em seca.

Ao todo, foram avaliadas 15 bacias hidrográficas, sendo que 11 tinham armazenamento superior à média e quatro inferior. Merecem destaque os casos da Albufeira do Monte da Rocha e da Albufeira da Bravura, em estado crítico. Apesar de se antecipar uma situação mais favorável para 2021/2022, as previsões não são animadoras, salienta Manuela Saramago.

Durante a sessão foi ainda apresentada a Estratégia Nacional de Reabilitação de Rios e Ribeiras, com exemplos de intervenções no norte e no centro, e os Planos Regionais de Eficiência Hídrica (PREH) do Alentejo e do Algarve. Pela parte do Algarve, Pedro Coelho, diretor regional da respetiva ARH, explicou que a decisão de elaborar o plano foi tomada em 2019/2020, e o plano foi elaborado entre março e maio de 2021. Foram tidas em conta as disponibilidades, os consumos, os cenários e as medidas a adotar. O cenário de partida é de 50 por cento de armazenamento, numa região em que 82 por cento do consumo está afeto ao regadio privado. O consumo urbano também é significativo (e afetado pela sazonalidade), por causa do alojamento e demais atividades turísticas, como o golfe.

O PREH Algarve foi inscrito no Plano de Recuperação e Resiliência, o que, de acordo com Pedro Coelho, se deve à “solidez” do plano. As medidas a implementar, com uma dotação de 200 milhões de euros, privilegiam a redução de perdas no setor urbano, a redução de perdas e aumento da eficiência no setor agrícola, o reforço da governança dos recursos hídricos, a promoção da utilização de Água Residual Tratada, o aumento da capacidade e da resiliência de albufeiras/sistemas de adução em alta e a promoção da dessalinização da água do mar. Para Pedro Coelho, este investimento terá de servir para “mudar o paradigma” do ciclo urbano da água do que diz respeito à distribuição, passando de um sistema reativo para um sistema ativo de controlo de perdas. Pretende-se poupar dois milhões de metros cúbicos de água até 2026.

No caso do PREH Alentejo, a apresentação ficou a cargo do diretor regional André Matoso. Nesta região, a motivação para o desenvolvimento do plano prende-se sobretudo com o decréscimo da disponibilidade hídrica e o simultâneo aumento das necessidades na agricultura, pecuária e indústria. As principais tarefas englobadas no plano passam pela avaliação das disponibilidades hídricas atuais, dos volumes captados e consumidos por setores de atividade e pelo acompanhamento do caudal ecológico associado a infraestruturas hidráulicas. Para André Matoso, também aqui é uma mudança de paradigma que se impõe, a vários níveis, como o da atualização de estudos hidrológicos face aos novos cenários de alterações climáticas nas albufeiras ou o da introdução da gestão do risco nas práticas agrícolas, que pode passar pela opção por culturas permanentes e com menores necessidades hídricas.

Antes do final da sessão houve ainda oportunidade para abordar a gestão do litoral, com a diretora do Departamento do Litoral e Proteção Costeira, Teresa Álvares, a salientar o papel essencial da planeamento e ordenamento do território.

A sessão de encerramento ficou a cargo de Nuno Lacasta e João Pedro Matos Fernandes. O presidente da APA deu nota de um estudo, que se encontra a ser ultimado, sobre disponibilidades hídricas a nível nacional, que vai permitir identificar a quantidade de água disponível por bacia e sub-bacia e, a partir daí, tomar medidas.

O ministro do Ambiente reconheceu que o ano “correu bem”, se tivermos em conta que o país não foi tão fustigado por incêndios como em anos anteriores nem devastado por inundações do nível das ocorridas em algumas partes da Europa. Tal não mostra, contudo, que podemos estar descansados, mas que é necessário continuar a trabalhar e a gerir os recursos existentes.

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