Das atitudes às práticas: A complexidade social da relação das pessoas com os resíduos urbanos
Imagem: Bluewater Sweden/ Unspash
Longe vão os tempos em que falar de Redução, Reutilização e Reciclagem (3R) era uma novidade. Quem nasceu antes da década de 80 recorda a introdução dos vidrões no espaço público e as primeiras campanhas de apelo à separação das embalagens. Acompanhou o início da educação ambiental nas escolas, familiarizando crianças e jovens com princípios de proteção do ambiente.
Recentemente surgiu a separação de biorresíduos e o problema dos aterros, no limite da capacidade. Por fim, foi notícia este ano o processo de infração aberto pela Comissão Europeia contra todos os Estados- membros por incumprimento das metas de recolha e reciclagem de resíduos urbanos. Ao longo de quatro décadas têm-se implementado políticas públicas em função de diretivas europeias que reforçam os mecanismos de responsabilidade alargada do produtor e a tecnologização de materiais, produtos e processos que têm contribuído para a modernização do setor.
Assim, é legítimo questionar, com todos os © BLUEWATER SWEDEN / UNSPLASH investimentos educativos, tecnológicos e logísticos feitos, o porquê da ausência de resultados significativos no setor dos resíduos urbanos, em particular nas metas de separação de embalagens para reciclagem.
Partimos da convicção mais abstrata, mas que nos parece encapsular a não-linearidade do tema: o setor enquadra inúmeras componentes tecnológicas, operacionais e logísticas complexas, até pela interdependência entre elas ao longo da cadeia de valor, mas enquadra também uma dimensão muito menos tecnológica, mas tão ou mais complexa que outras componentes – as Pessoas.
Em Portugal, as políticas públicas na área dos resíduos urbanos (e, portanto, das embalagens) ancoram-se amplamente na adesão voluntária das pessoas. Ou seja, o cumprimento da visão de redução da fração de lixo indiferenciado e o concomitante aumento da separação dos resíduos valorizáveis depende da motivação e da disponibilidade das pessoas para essas práticas no quotidiano.
As políticas públicas na sua narrativa expressam a aposta na implementação de infraestruturas acessíveis, criando condições que favoreçam a participação dos cidadãos. Apostam também na educação ambiental, na expectativa de um comportamento linear- -lógico-racional, i.e., pressupondo que mais informação conduz linearmente a mais separação de resíduos. No entanto, este fator – a adesão das Pessoas – raramente é abordado na conceção e na implementação daquelas políticas, sendo que a boa vontade subjacente ao pressuposto da adesão voluntária é instável e volátil, em função de constrangimentos do quotidiano de todos. (...)
Por Susana Valente
Socióloga, PhD pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa
e Teresa Amor
Socióloga, ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa
Investigadoras e Consultoras
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