Ainda é possível travar o recuo dos glaciares?

FOTO JDUBYA59/ PIXABAY
No evento de lançamento do Ano Internacional da Preservação dos Glaciares, os alarmes soaram: num cenário em que o recuo dos glaciares é generalizado, urge estabilizar a temperatura para preservar pelo menos parte destes sistemas que albergam 70 % da água potável a nível mundial
Estabelecido por uma Resolução das Nações Unidas de dezembro de 2022 e liderado pela UNESCO e pela Organização Meteorológica Mundial, este Ano Internacional (que marca também o início da proclamação do dia 21 de março como Dia Mundial dos Glaciares) é um alerta de ação urgente. Os 275 mil glaciares existentes no mundo experimentam um recuo sem precedentes, e as consequências serão devastadoras: inundações, perda de grande parte da reserva mundial de água potável e perda de biodiversidade.
Num evento online, os cientistas responderam às questões dos jornalistas sobre os efeitos desta perda e as soluções para a mitigar
Uma das questões a suscitar mais interesse foi a potencial libertação de microrganismos contidos no gelo, com John Pomeroy, da Universidade de Saskatchewan-USask, no Canadá, a realçar o desconhecimento que ainda persiste relativamente a esta matéria. O investigador em recursos hídricos e alterações climáticas precisou que este não é um assunto estudado de forma generalizada, apenas em alguns estudos específicos, tendo já havido relatos, na China, de vírus desconhecidos detetados na água originada pelo gelo derretido. O especialista confirma a tendência relatada num recente artigo publicado na Nature, que aponta para a possibilidade de degelo total do Ártico nos próximos anos, com consequências a vários níveis: deslocamento forçado de populações que circulam e caçam na região e ameaça para os ursos polares que também subsistem ali. A isto é preciso juntar o escurecimento do Ártico: sem a brancura do gelo para refletir a radiação solar, os níveis de absorção vão aumentar, influenciando também o aquecimento global. E os danos são irreversíveis. Stefan Uhlenbrook, da Organização Meteorológica Mundial, admite que ao longo das décadas, as alterações na atividade solar ou nas erupções vulcânicas podem induzir um desagravamento ou pausa no derretimento, mas estes serão efeitos temporários, pelo que a prioridade é estabilizar o clima.
Outra das questões a suscitar interesse foram as soluções de geoengenharia, com a criação de glaciares artificiais, mas os especialistas atribuem baixo potencial a estas respostas, por serem dispendiosas, muito localizadas (sem hipótese de dar uma resposta sistémica) e levantarem questões éticas, como a possibilidade de interferência no sistema climático.
A Resolução das Nações Unidas convida todos os estados-membros e organizações da sociedade civil a usar a efeméride para lançar o alerta sobre a importância dos glaciares, da neve e do gelo no sistema climático e no ciclo hidrológico. Outro dos objetivos é apoiar a investigação científica e as iniciativas de monitorização, e criar um sistema de informação integrado da criosfera global. Além disso, de 29 de maio a 1 de junho, o Tajiquistão irá receber uma conferência internacional dedicada ao tema.
Os autores da iniciativa esperam que, com uma melhor monitorização, consciencialização e envolvimento dos atores públicos, seja possível integrar a preservação dos glaciares nas agendas nacionais e internacionais, incluindo-se aqui estratégias de adaptação às alterações climáticas, de gestão da água e de redução do risco de catástrofes.
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