Reabilitar - notas soltas

Em Portugal, os níveis de atendimento em abastecimento de água e em drenagem e tratamento de águas residuais são, hoje, bastante elevados. Nos últimos 40 anos, percorreu-se um árduo caminho que permitiu colmatar as diferenças significativas que existiam nesta matéria entre o nosso país e a maioria dos mais avançados da Europa.

As consequências das alterações na distribuição populacional

A população portuguesa residente não tem aumentado, mas a sua distribuição espacial tem sofrido alterações significativas. Não fugindo às tendências verificadas à escala global - que estimam que, em 2050, 75% da população mundial viva nas zonas urbanas - em Portugal, o aumento populacional nas zonas urbanas é já um dado factual agudizado pelo facto de esse crescimento se verificar de forma ainda mais expressiva nas zonas do litoral.

Esta sobrecarga das zonas urbanas e litorais implica vários problemas e obriga a repensar as cidades à luz dos princípios da sustentabilidade nas suas componentes ambientais, sociais e económicas. Entre os diversos sistemas de redes urbanas, as infra-estruturas de abastecimento de água e de drenagem e tratamento de águas residuais urbanas e pluviais assumem aspectos verdadeiramente prioritários, pelas suas ligações às questões de saúde pública e de bem-estar das populações.

Com os actuais níveis de atendimento de serviços de abastecimento e drenagem e tratamento de águas residuais, não será de estranhar que muitas das infra-estruturas comecem a dar mostras de “envelhecimento”, evidenciando a necessidade de se proceder a reabilitações, acompanhada pela dificuldade na obtenção de financiamento para este tipo de intervenções.

Reabilitar

A palavra reabilitação é muito utilizada e em diversos campos: reabilitação urbana, reabilitação profissional, reabilitação ecológica, reabilitação de linhas de água, reabilitação psicomotora, reabilitação de dependências, reabilitação patrimonial, etc… Em qualquer destas utilizações, o que está em causa é o conceito generalizado de reparar, restituir capacidades e, na maioria delas, a sua visibilidade traz consigo uma valorização generalizada da mesma.

A reabilitação do património arquitectónico construído, por exemplo, tem efeitos visíveis e resultados imediatos e demonstráveis, sendo, por isso, a sua comunicação um acto “simples”. Mas, para a reabilitação das infra-estruturas associadas ao ciclo urbano da água, essa comunicação pode não ser de todo evidente, o que dificulta o diálogo entre os diversos agentes. Do ponto de vista do consumidor, as críticas fazem-se sentir sobretudo em matéria de preço e em questões de sabor, cor e em falhas na permanência do serviço, daí que é relativamente fácil mobilizar forças e vontades para quando é preciso construir o que não existe, mas muito difícil quando é preciso, e até urgente, reabilitar. Poderíamos até invocar o velho ditado “O que os olhos não vêem o coração não sente”.

Existe know-how e bibliografia nacional e internacional onde se congrega o esforço de levantamento e sistematização dos trabalhos de reabilitação de infra-estruturas de abastecimento de água e tratamento de águas residuais, onde se apresentam princípios, metodologias e ferramentas associadas a estas actividades, e que podem servir de guia orientador para as entidades gestoras, para os promotores, para os técnicos e para os profissionais do sector.

Reabilitar infra-estruturas da água pode ser determinado por questões de inadequação associada à quantidade, à qualidade, aos equipamentos, à tecnologia ou até ao planeamento e ordenamento do território.

A reabilitação será mais comum em infra-estruturas “envelhecidas” que, atingido ou ultrapassado o seu prazo de vida útil, necessitem de se reconfigurar para servir mais população, maiores caudais, ou para aumentar o nível de tratamento para responder a novas exigências impostas pelo Quadro Legal, pelos regulamentos de descarga, pelas autoridades competentes, ou simplesmente pelas mudanças de qualidade das massas de água decorrentes ou não das Alterações Climáticas.

Todos e quaisquer sistemas de abastecimento de água ou de drenagem e tratamento de águas residuais têm estado empenhados em reduzir os custos de funcionamento com energia, pelo que a temática da eficiência energética não é uma preocupação, mas antes uma vivência já interiorizada.

Reabilitação ?Optimização– Eficiência – Eficácia

A reabilitação deveria sempre fazer-se com eficácia, visando a eficiência e promovendo a optimização. A inovação é um dos aspetos-chave para alcançar estes objectivos. Inovação na investigação, nas tecnologias, nos métodos, na abordagem e na concepção dos novos sistemas. Necessária para implementar novas tecnologias e técnicas que permitam reduzir os custos de operação, manutenção e substituição das novas infra-estruturas criadas ou reabilitadas e capazes de incorporar os novos desafios que se colocam no ciclo urbano da água, tais como: uso e reutilização das águas, incluindo aproveitamento das águas pluviais; avaliando as virtudes e defeitos dos sistemas centralizados vs sistemas descentralizados; tratamento separado de águas pluviais; adaptação das tecnologias para remoção de compostos emergentes, tais como produtos fito farmacêuticos, disruptores endócrinos, entre outros; recuperação de nutrientes, nomeadamente fósforo (P), adoptando tecnologias que promovam a recuperação de recursos, incluindo sistemas que minimizem a produção de subprodutos.

Das muitas recordações dos tempos do INSAAR (Inventário Nacional de Sistemas de Abastecimento de Água e de Águas Residuais) retenho a de uma ETAR, que estando totalmente construída, nunca tinha recebido 1 m3 sequer de água residual porque a rede de drenagem não tinha tido financiamento e, por isso, não tinha sido construída. Este exemplo serve para evidenciar a necessidade de assegurar uma articulação efectiva, com objectivos comuns, entre os sistemas em Alta e em Baixa, para que a construção ou reabilitação das infra-estruturas evite situações, por exemplo, de tecnologias avançadas de tratamento sujeitas a afluências indevidas por ruptura dos sistemas de drenagem (em baixa) que lhe estão a montante.

A reabilitação dos sistemas deve ser diagnosticada e projectada por técnicos que tenham a visão integrada dos sistemas

Quando se fala de ciclo urbano da água, não é apenas uma ilustração. Efectivamente, se a ETA produzir água de baixa qualidade, e a rede de distribuição for excelente, o serviço prestado será mau. Se a rede for deficiente e a ETA produzir água de excelente qualidade, o resultado será igualmente indesejável. Se a rede de drenagem de águas residuais for óptima e a ETAR não garantir a capacidade ou a qualidade final, o ciclo está comprometido e se a rede estiver em más condições e a ETAR for um “Rolls Royce” em termos tecnológicos a qualidade final pode estar igualmente condenada. A reabilitação dos sistemas deve ser diagnosticada e projectada por técnicos que tenham a visão integrada dos sistemas.

A experiência acumulada ao longo destes últimos 40 anos mostra, claramente, que a estratégia a assumir relativamente à gestão das infra-estruturas do ciclo urbano da água terá de ser uma estratégia inovadora virada para o futuro, integrada, assente nos princípios e nas boas práticas das soluções ambientalmente mais correctas e com o objectivo de habilitar as gerações vindouras com infra-estruturas em que tenham sido aplicados todos os princípios da sustentabilidade.

Leonor Amaral

Diretora da Indústria e Ambiente / Professora na FCT-UNL

Se quiser colocar alguma questão, envie-me um email para info@industriaeambiente.pt

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