PAPERSU 2030: desafio técnico ou social?

Foto Aleksandra Suzi/ Shutterstock

O Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos (PERSU 2030), aprovado pela RCM nº 30/2023, de 24 de março, pretende estabelecer uma estratégia da gestão de resíduos até 2030, definindo metas e ações a implementar, procurando desde logo, estar alinhado com a estratégia europeia, concretizando uma política de resíduos urbanos em Portugal para aumentar a preparação para reutilização para reciclagem, reduzindo consumo de matérias-primas primárias e evitando o envio de resíduos para aterros.

Efetivamente o Plano apresenta grandes ambições no que diz respeito às metas de:

  • Deposição de resíduos em aterro;
  • Preparação para reciclagem e reutilização de resíduos urbanos;
  • Redução e reciclagem de plástico, sobretudo o descartável;
  • Obrigatoriedade de recolha seletiva de fluxos, por exemplo: biorresíduos, têxteis, pequenos resíduos perigosos;
  • Combater o desperdício alimentar.

No entanto, parece consensual afirmar que, de todos estes objetivos, o prioritário será o acelerar da recolha seletiva de biorresíduos e a expansão da recolha seletiva multilateral, garantindo o desvio de resíduos de aterro.

Ora, também neste campo, este Plano é inovador, pois prevê a distribuição equitativa da responsabilidade pelo cumprimento de metas entre os Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos (SGRU) e os municípios, no que diz respeito à fração multimaterial e aos biorresíduos recolhidos seletivamente e tratados na origem, respetivamente.

Tal foi concretizado no Regime Geral de Gestão de Resíduos (RGGR), o qual determina que os planos municipais, intermunicipais e multimunicipais de ação (PAPERSU) são elaborados pelas entidades gestoras dos sistemas municipais e multimunicipais, em articulação com os planos de gestão de resíduos de nível nacional (PERSU 2030), com vista a concretizar as ações a desenvolver no sentido do cumprimento da estratégia nacional para a respetiva área geográfica.

Complementarmente, a publicação do PERSU 2030 determinou um prazo de 8 meses, após publicação do mesmo, para apresentação dos PAPERSU, tanto dos Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos (SGRU) como dos municípios, sendo que ambas as estratégias devem ser devidamente alinhadas entre si, por forma a identificar de forma clara o caminho para cumprimento das metas comunitárias.

De facto, este alinhamento agora mandatário entre a “alta” e a “baixa” sempre pareceu óbvio para o setor, embora nunca tenha sido explícito como agora o é e, salvo melhor opinião, mais do que responsabilizar cada uma das partes, tem o dom de elucidar, de uma vez por todas, que nenhuma das partes consegue atingir metas sem uma direta e honesta cooperação.

É verdade que os desafios são grandes para todas as partes, mas não são diferentes, são complementares. E os maiores desafios que se apresentam não são técnicos, nem tecnológicos, nem tão pouco financeiros, embora também estes existam.

Os verdadeiros desafios são os sociais, associados ao sector que necessita de evidenciar, sensibilizar e convencer a população da importância da gestão dos resíduos na vida das pessoas. Um serviço que apesar de ser um serviço público, tal como o abastecimento de água e o tratamento de águas residuais, nenhum dos vários atores do setor conseguiu ou investiu o suficiente nesta missão nacional de mostrar que o tratamento e valorização dos resíduos tem um valor acrescentado para o indivíduo, para a comunidade, para o país e em última análise, para o planeta.

A gestão integrada dos resíduos urbanos deve ter um valor claro e evidenciável, pago pelos seus utilizadores na direta proporção em que o usam, ou seja, ponderando a quantidade que produzem, com a qualidade do que produzem (o grau de separação dos diferentes fluxos).

O sistema de recolhas seletivas não pode estar dependente do voluntarismo de alguns, para o custo ser equitativamente dividido por todos, independentemente de serem mais ou menos crentes ou voluntaristas nos assuntos ambientais. Aqueles que não foram sensíveis aos argumentos da sensibilização e comunicação ambiental, já não se vão converter. Certamente que esses serão aqueles que menos concordarão com as mudanças necessárias ao nível da aplicação do princípio do poluidor-pagador.

No entanto, e tomando como comparação o serviço de abastecimento da energia elétrica, é impensável dizer hoje às pessoas que a sua fatura será determinada através da média dos consumos do município, ou seja, o total do consumo do município a dividir pelo número de habitações.

Claro que todos nós concordamos que cada um deve pagar aquilo que consome. Mas quando falamos de resíduos, essa mesma lógica já não existe, ou pelo menos (ainda) não é consensual.

Assim, a primeira conclusão que podemos retirar desta reflexão é que os sistemas de faturação da água e energia elétrica já são baseados no efetivo consumo do cliente porque efetivamente é mais fácil de o fazer, comparativamente aos resíduos.

A segunda conclusão é que, embora não sendo tão fácil, é possível aplicar o mesmo princípio aos resíduos.

A terceira é que nem é preciso inventar novos métodos para aplicar o princípio do poluidor-pagador, pois inúmeros países na europa já têm implementados sistemas deste tipo. A forma de os implementar são diversas e podem (e devem) ser adaptadas à nossa realidade. No entanto, é sempre mais fácil adaptar uma solução que funciona do que inventar uma solução de raiz.

A quarta é que estes países são comprovadamente aqueles onde as taxas de reciclagem são as mais elevadas da Europa.

Em suma, o grande desafio dos PAPERSU é um desafio social e à escala nacional. Nenhuma solução técnica de recolha funciona sem o comportamento adequado por parte das pessoas. Por tal, o foco tem de estar na variável principal: o comportamento humano.

Se conseguirmos transmitir o valor que uma adequada gestão de resíduos tem para a população, para o concelho, para a região, para o país e para o planeta, a mudança do comportamento das pessoas será muito mais fácil de conseguir.

Todos temos de fazer a nossa parte.

Miguel Baptista Nunes, Responsável Área Técnica e I&D da ALGAR, S.A.

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