Portugal possui o domínio de tecnologias oceânicas necessárias à conquista da Atlântida

Densificar é preciso
Se houve império fundado num conceito dinâmico de oceano, esse império foi o português. Não era importante dominar o território: era vital possuir o mar, controlar a interface oceano/terra e comandar assim o processo de relações entre povos e interesses. Fenícios, gregos, romanos, árabes, venezianos, muitos se aventuraram no mar para comerciar. Mas se houve povo que criou a primeira cadeia logística transoceânica, ancorada nos espalhados portos, esse povo foi o português.
A obra não aconteceu, fez-se: inovando e ousando. Muitos falam da epopeia, da gesta, da coragem de homens e mulheres, de um povo minúsculo que ergueu um império maior. Mas esse discurso, virado à emoção, oculta um dos fatores instrumentais para o sucesso, que de impossível passou a improvável e depois a invejado e cobiçado: a superioridade tecnológica.
Ah, sim, dirão, a Escola de Sagres. Conceito equivocado, olhado hoje com ceticismo pelos historiadores. Como seria fácil a explicação: uma academia a ensinar os marinheiros melhor que os outros... Esta hipótese naïve não resiste ao embate de uma boa análise.
A superioridade tecnológica não se resume a uma arte ou um aparelho, é um conjunto complexo e articulado de saberes e poderes. O conhecimento não é bastante, porque é preciso fazer, construir, usar. Tomemos de exemplo a construção naval: a da época exige madeiras, ferramentas especializadas, processos logísticos, técnicas, experiência, conhecimentos de hidráulica, física, resistências de materiais, processos de corrosão, conservação, ferramentas para fazer ferramentas e ainda modos de transmissão de saberes de artesão para artesão e geração para geração. Para isto tudo ocorrer, uma complexíssima cadeia social e de produção tinha que estar não só organizada como preparada para se reforçar e densificar.
Esta é a lição que deveremos retirar. A exploração do oceano ocorrerá se formos hábeis na convergência de processos de complexificação de múltiplas cadeias do conhecimento e da produção, e adicionarmos a isto um vetor de interesse – económico ou outro.
Não se foge a um destino marítimo
Sem tecnologias, sem indústria, sem interesse comercial, sem densificação social vertendo no mar, só com conhecimento, o que faremos será disponibilizá-lo para que outros venham e, com as suas tecnologias e indústrias, se apropriem da nossa riqueza, pagando uma esmola de terceiro mundo e ficando com o valor acrescentado do que o nosso mar puder dispor. (...)
Artigo publicado na Edição nº 107
Vladimiro Miranda, Administrador do INESC TEC, Professor Catedrático, Universidade do Porto
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