Tecnologia do hidrogénio verde é já “viável e madura” mas é preciso trabalhar os custos

A guerra na Ucrânia e a ameaça de corte no abastecimento de gás à Europa provocou um ‘boom’ de projetos de hidrogénio verde, cuja tecnologia é já “viável e madura”, faltando agora o salto para ser também economicamente viável.

Quem o afirma é o diretor do Centro Nacional do Hidrogénio de Espanha, país cujo governo garante ser o destino de 20 por cento de todos os projetos de hidrogénio verde conhecidos atualmente no mundo e que, com Portugal, quer transformar a Península Ibérica num exportador deste gás produzido com energias renováveis, consideradas limpas (eólica ou solar, sem emissões poluentes).

O hidrogénio verde precisa de eletricidade, proveniente da energia solar ou eólica, e água para ser produzido, num processo que se designa eletrólise e no qual, recorrendo a correntes elétricas, há uma separação dos componentes da água (H2O) – hidrogénio (H2) para um lado e oxigénio (O2) para outro. Para isso, é usado um eletrolisador, no interior do qual se dá a decomposição da água e de onde saem os dois componentes separados, por tubos diferentes.

Ao ser usada eletricidade gerada por energias limpas, não há emissões de dióxido de carbono (CO2) e daí o qualificativo de “verde”.

O hidrogénio é essencial em setores industriais como refinarias, fertilizantes ou transportes pesados, que estão a usar o designado hidrogénio cinzento, em que a energia necessária para o gerar é produzida, essencialmente, com gás natural e por isso fonte de grandes emissões poluentes (aproximadamente dez quilogramas de dióxido de carbono por cada quilo de hidrogénio).

“A tendência para o hidrogénio realmente ser uma solução de futuro passa por que ajude à descarbonização”, sublinhou Miguel Ángel Fernández, diretor do Centro Nacional do Hidrogénio de Espanha, reconhecendo, porém, que são os problemas do último ano que explicam o ‘boom’ atual.

“Antes, preocupava-nos o meio ambiente, agora, aquilo que preocupa muitos agentes é a garantia de abastecimento, a segurança. E isso, sim, garante o hidrogénio renovável face ao hidrogénio produzido pelo gás natural”, afirma.

A guerra na Ucrânia e o problema da autonomia energética da Europa foram assim mais um empurrão para indústria e Estados “apanharem o comboio” do hidrogénio verde e “o setor reforçou-se ainda mais”.

O Centro Nacional do Hidrogénio de Espanha foi criado em 2007 pelo Governo espanhol e instalado em Puertollano, uma cidade a cerca de 240 quilómetros a sul de Madrid ligada, no passado, à exploração de minas de carvão e onde hoje estão refinarias e fábricas de fertilizantes, entre outras indústrias.

Este centro faz a ponte entre a investigação científica “pura e dura” e as empresas, facilitando a aplicação efetiva de conhecimento na indústria, com trabalhos de “maturação tecnológica” e outros relacionados com burocracias ou candidaturas e concretização de projetos.

“Tentamos também ter um conhecimento o mais amplo possível da ciência, do básico, a nível nacional e internacional, e de como está o setor, o que cada vez é mais difícil, porque a verdade é que surgem tantas iniciativas que atualmente é impossível ter uma imagem de todos os projetos de hidrogénio que estão a ser anunciadas”, garante Miguel Ángel Fernández.

“A situação do setor é que alcançámos uma viabilidade tecnológica notável, não há problemas com os equipamentos. A situação tecnológica é absolutamente madura e viável e é preciso trabalhar um pouco os custos para alcançar as economias de escalas”, segundo Miguel Ángel Fernández.

Um “salto que já implica muitos mais agentes, mais além do que é a pura tecnologia”, sendo que “as previsões são boas”, dada a aposta de empresas e autoridades públicas, entre Estados e a própria União Europeia, considera.

Produzir hoje hidrogénio verde é duas a três vezes mais caro do que produzir hidrogénio com gás natural, segundo as empresas do setor, que dizem que só com ajudas públicas é atualmente possível avançar com um projeto.

Neste momento, segundo Miguel Ángel Fernández, o setor enfrenta problemas para comprar novos equipamentos e componentes, dadas as dificuldades nas cadeias de abastecimento mundiais, a par de lacunas na regulação.

“A regulamentação anda um pouco a reboque dos projetos e isso dá lugar a atrasos porque a própria administração não estabeleceu as regras do jogo [do hidrogénio verde]”, explica Miguel Ángel Fernández, que identifica ainda uma “terceira barreira” neste momento, as “lacunas tremendas” de profissionais e pessoal qualificado.

Há também incógnitas, como qual a melhor forma para transportar hidrogénio verde, se por gasodutos, se por barcos.

Segundo Miguel Ángel Fernández, a tecnologia atual já permite gasodutos para transporte cem por cento de hidrogénio, mas terão de ser instaladas tubagens totalmente novas porque as atuais, do gás natural, não servem.

Considera, por isso, que só terá sentido investir em gasodutos novos, para o hidrogénio (como aquele acordado entre Portugal, Espanha, França e Holanda, para 2030), se houver consumo contínuo da produção.

“O que temos claro é que entre a produção de hidrogénio e o consumo há um caminho. Neste momento as iniciativas empresariais e o apoio político parecem que estão muito virados para a parte da produção e o grande êxito dos projetos é ter um consumidor garantido e produzir hidrogénio ao lado do consumidor”, afirma.

É o caso da maior unidade de produção de hidrogénio verde já instalada e a funcionar, embora ainda como projeto-piloto, na Europa, que está em Puertollano.

O projeto é da elétrica Iberdrola, que instalou a unidade dentro das instalações da empresa de fertilizantes Fertiberia, com quem assinou um contrato e a quem fornece toda a produção, necessitando de poucos metros de tubagens para o transporte.

A eletricidade para produzir o hidrogénio vem de 250 mil painéis solares instalados também pela Iberdrola a dez quilómetros de distância.

Outra das dúvidas associada ao hidrogénio verde é a quantidade e qualidade de água necessária para a produção.

O hidrogénio verde precisa de quatro vezes menos água do que o hidrogénio gerado com gás natural, mas o previsível aumento da procura vai também fazer disparar as quantidades necessárias de água, que tem de ser limpa.

A tecnologia está por isso, agora, a focar-se na possibilidade de utilização de água do mar dessalinizada ou menos limpa, e na maior reutilização possível.

É isso que acontece na fábrica da Iberdrola, onde estão instalados 16 eletrolisadores com capacidade para produzir três mil toneladas de hidrogénio verde por ano e que inclui um circuito de reutilização da água.

As três mil toneladas de hidrogénio verde anuais aqui produzidas são dez por cento das necessidades totais da empresa que está a comprar a produção.

Nesta unidade há ainda 11 tanques que permitem armazenar perto de seis toneladas de hidrogénio verde.

A Iberdrola investiu 80 milhões de euros na unidade de fotovoltaica e 150 milhões na fábrica de produção e armazenamento de hidrogénio verde de Puertollano, esperando recuperar entre cinco e 15 por cento do investimento inicial com fundos europeus.

Esta é a primeira fase do projeto que, se conseguir condições, pretende desenvolver com a Fertiberia até 2027, num investimento total de 1 800 milhões de euros para produzir 40 mil toneladas de hidrogénio por ano, 20 por cento do objetivo que Espanha tem para o país todo até 2030.

“O aumento da escala de produção, a descida do custo dos eletrolisadores e da eletricidade renovável fará com que no final da década o hidrogénio verde seja o mais competitivo”, lê-se num dossiê de imprensa da Iberdrola, que vê este investimento em Puertollano, para já, segundo um porta-voz, como uma possibilidade “de aprendizagem” e de ganhar conhecimento competitivo em relação a uma tecnologia ainda em desenvolvimento.

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