Sedimentos dragados

  • 02 maio 2018, quarta-feira
  • Solos

Em Portugal, a abordagem da gestão de resíduos no âmbito da contaminação dos solos ou da água pouco tem reflectido sobre os sedimentos fluviais ou marinhos que, periodicamente, são objecto de operações de dragagem. Aqueles materiais são constituídos por uma fracção mineral associada a uma outra orgânica e, frequentemente, materiais artificiais, os resíduos adicionados pelas actividades antrópicas. Num território com vários portos, comerciais, de pesca e recreativos, bem como algumas linhas de água, em regra internacionais, parcialmente navegáveis, os problemas de assoreamentos implicam a realização periódica de dragagens naqueles locais. Estas consistem nas operações de remoção de sedimentos para garantir as batimetrias para:

(i) a navegação de canais interiores ou marítimos (dragagens de manutenção);

(ii) a ampliação ou aprofundamento de canais / bacias portuárias (dragagens de primeiro estabelecimento);

(iii) a exploração de materiais para alimentação artificial de praias (dragagens de empréstimo); (iv) a remoção de sedimentos contaminados (dragagens de saneamento).

As dragagens são frequentes e implicam sempre a caracterização da zona a intervencionar, quer geotécnica – espessura, ripabilidade, densidade, granulometria (percentagens de areia, silte e argila), mineralogia, percentagem total de sólidos e teor em matéria orgânica; quer ambiental – carbono orgânico total na fracção inferior a 2 mm e tipo e teores máximos em contaminantes de metais (arsénio, cádmio, chumbo, cobre, crómio, mercúrio, níquel, zinco) e outros orgânicos (hexaclorobenzenos - HCB, hidrocarbonetos aromáticos policíclicos - HAP, bifenilpoliclorados - PCB).

As análises devem ser representativas da coluna de sedimentos a dragar, ou seja, desde a superfície até à cota de dragagem, excepto no caso de material com granulometria superior a 2 mm, que deve ser excluído. Os valores das análises físicas, químicas e orgânicas devido às fontes de poluição pontuais e difusas presentes definem a sua potencial reutilização. De acordo com a Tabela 2, Anexo III, da Portaria nº 1450 /2007 de 12 de Novembro, o objectivo é zonar a área a dragar em função das cinco classes de contaminação de sedimentos - Classe 1, para material limpo, até à Classe 5, para o material com contaminação máxima, e em seguida circunscrever a respectiva cota e a extensão da dragagem a fim de obter o volume total a extrair, enquanto se estabelece o destino final dos dragados. Em consonância com esta legislação, o mar continua a ser o destino final de materiais dragados em função da forma em que se apresentem para a imersão, isto é, no estado sólido, em lamas ou líquido. Na recarga de praias e assoreamentos artificiais com vista à utilização balnear, só podem usar-se materiais que se insiram na classe de qualidade 1, enquanto os materiais das classes 4 e 5, respectivamente contaminados e muito contaminados, têm a sua imersão proibida e, em última análise, têm de ser guardados em terra, encapsulados, ou ser encaminhados para tratamento prévio com posterior deposição em aterro de resíduos autorizado.

Em zonas que apresentem contaminação importante definida e após o seu saneamento, devem ser efectuados estudos periódicos dos sedimentos para acompanhar a evolução da respectiva contaminação, identificar outras fontes possíveis e promover, subsequentemente, a sua mitigação, assegurando a diminuição dos custos financeiros de futuras operações de dragagem e promovendo uma melhoria na qualidade ambiental. É possível seguir um caminho onde a maior parte do volume de sedimentos a dragar será, em cada nova operação, cada vez menos contaminado até que possam ser reutilizados na alimentação artificial, uso preferencial uma vez que algumas partes da costa portuguesa estão sujeitas a taxas de erosão elevadas. Assim a eliminação ou redução das fontes de contaminação pode aumentar o uso ambiental benéfico dos dragados.

Falta ainda abordar dois aspectos relevantes da nossa legislação. Ao contrário de outros países europeus, entre os quais a Espanha, com quem compartilhamos o transporte de muitos sedimentos fluviais ou marinhos, em Portugal os sedimentos dragados da Classe 2 (materiais com contaminação vestigial), não podem ser usados em recargas artificiais. Por sua vez para os materiais da Classe 5, que idealmente não se deveriam dragar pois a sua carga de contaminação pode ser disseminada no meio aquático durante a remoção, deveria ser equacionado um tratamento local, evitando o seu transporte para tratamento e ulterior deposição em aterros de resíduos adequados. De facto, existe no nosso país experiência com materiais de Classe 5 que foram guardados em local impermeabilizado num porto do Norte e que, ao fim de um par de anos em evolução anaeróbica, regrediram a sua contaminação para a Classe 3, fazendo assim antever a hipótese de evitar o seu transporte, dispendioso e não isento de riscos tecnológicos, para outros locais mais distantes.

Paula F. da Silva escreve de acordo com a antiga ortografia

Paula F. da Silva

Professora Auxiliar e Investigadora do GeoBioTec

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