Orla Costeira: um “PPR” para lidar com a imprevisibilidade
O Programa da Orla Costeira Caminha-Espinho (POC-CE), atualmente em discussão pública, foi apresentado na última sexta-feira no Porto. Pelo auditório da Ordem dos Engenheiros passaram técnicos da Agência Portuguesa do Ambiente, engenheiros, professores, concessionários de praias. As opiniões dividem-se entre a necessidade de acautelar o futuro e o receio do excesso de zelo.
Um “PPR” da Orla Costeira. A analogia financeira do vice-presidente da APA, José Pimenta Machado, encontra justificação na ideia de salvaguarda do futuro inerente ao POC. O acrónimo desdobra-se, no entanto, noutra ideia: Prevenção, Proteção e Recuo [planeado]. A controvérsia associada a esta última medida foi bem documentada pela comunicação social nas últimas semanas. Sexta-feira, foram os pressupostos para lá chegar a merecer as críticas dos especialistas.
O que está em causa?
O POC-CE resulta da revisão do Plano de Ordenamento da Orla Costeira Caminha-Espinho (POOC-CE). A Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, de Ordenamento do Território e de Urbanismo, de 2014, reconfigurou os planos especiais em programas.
Para a APA, a erosão costeira (20 por cento da costa está em erosão e se analisarmos apenas o litoral baixo e arenoso, a cifra sobe para 45 por cento) e os fenómenos climáticos extremos decorrentes das Alterações Climáticas exigem novas respostas em termos de políticas públicas. A estes fatores junta-se a pressão urbanística sobre as zonas costeiras.
Essas respostas organizam-se em cinco objetivos gerais: Prevenção e Redução dos Riscos Costeiros e da Vulnerabilidade às Alterações Climáticas, Proteção e Conservação dos Sistemas Biofísicos Costeiros e da Paisagem, Valorização Económica dos Recursos Costeiros, Valorização e Qualificação das Praias Marítimas e Monitorização e Avaliação das Dinâmicas Costeiras. Estes objetivos aplicam-se a um modelo territorial decomposto em Zona Marítima de Proteção, ou seja, as áreas marítimas com recursos e valores naturais que importa preservar, e Zona Terrestre de Proteção, ou seja, a área onde devem ser criados regimes de proteção baseados em critérios de salvaguarda de recursos e valores naturais e de segurança de pessoas e bens. Ambas as zonas têm componentes fundamentais e complementares. As componentes fundamentais têm ainda dois níveis de importância: Faixa de Proteção Costeira e Faixa de Proteção Complementar, que integram as áreas relevantes em termos de valores naturais, ou seja, marcadas pela presença de ecossistemas, habitats ou elementos biofísicos singulares. As componentes fundamentais incluem ainda Faixas de Salvaguarda aos riscos costeiros, como a erosão costeira e o galgamento e inundação costeira, para assegurar a salvaguarda de pessoas e bens. São também identificadas Áreas Estratégicas para a Gestão Sedimentar, que permitem a identificação de áreas nas quais ocorrem depósitos sedimentares submersos com potencial para constituir manchas de empréstimo para a alimentação artificial de praias e zonas dunares adjacentes.
Segundo explicou Celso Pinto, coordenador do Núcleo de Monitorização Costeira e Risco da APA, a metodologia para definir as componentes de recuo parte de extrapolações, como a taxa de evolução da linha de costa ou a erosão induzida por temporal extremo e por elevação secular do nível médio do mar.
São estes os critérios que, para Fernando Veloso Gomes, professor Catedrático da área de Hidráulica, Recursos Hídricos e Ambiente da FEUP, são passíveis de discussão. O docente questiona a tomada de decisões com base em projeções “muito dadas a incerteza” e os próprios cálculos que justificam essas decisões. Veloso Gomes vincou que a Fórmula de Bruun, usada para calcular o recuo do nível médio do mar, é válida apenas para costas inteiramente arenosas, o que levanta dúvidas sobre a sua aplicabilidade a este troço de costa. Para este especialista, seria preferível pegar no Plano de Ordenamento da Orla Costeira ainda em vigor e verificar o que se agravou.
No mesmo sentido vai José Luís Pinho, Professor de Hidráulica Marítima da Universidade do Minho, para quem os princípios técnico-científicos que serviram de base a este plano não foram os melhores. Segundo José Luís Pinho, as estimativas de recuo de erosão não vão verificar-se nas zonas não arenosas. Além disso, o docente considera insuficiente o investimento previsto em monitorização. Do seu ponto de vista, esta é uma componente essencial dado que o conhecimento que existe até ao momento é qualitativo. Em relação a este aspeto, José Pimenta Machado destacou o programa COSMO (Programa de Monitorização da Faixa Costeira de Portugal Continental), um software que, quando estiver em pleno funcionamento (dentro de um a dois meses), vai permitir a recolha de informação e eventos na costa que auxiliam quem tem a tarefa de monitorizar.
O vice-presidente da APA reconhece tratar-se de um plano ousado e ambicioso, e reconhece também a existência de aspetos que podem ser melhorados, mas assinala a necessidade de tomar decisões.
O POC-CE estará em discussão pública até 14 de dezembro, prevendo-se a implementação para abril de 2019.
Outros artigos que lhe podem interessar