O papel das infraestruturas verdes na resiliência das cidades face às alterações climáticas

As alterações climáticas têm sido tema de discussão frequente um pouco por todo o mundo, principalmente nos países que se localizam em zonas mais vulneráveis, tais como zonas costeiras e zonas caracterizadas por climas mais quentes e secos. Têm-se manifestado de várias formas, nomeadamente através de eventos de precipitação intensa ou períodos de seca extrema (ondas de calor), com consequências visivelmente negativas para as populações.

O sul da Europa, mais especificamente a zona mediterrânica, apresenta-se vulnerável a estes fenómenos e, infelizmente, em Portugal, as alterações verificadas ao nível do clima são já uma triste realidade, fazendo-se sentir com maior frequência a cada ano que passa, e com mais intensidade.

É nas zonas urbanas altamente impermeáveis, e com superfícies acumuladoras de calor, que se verificam de forma mais acentuada estas variações do clima, através da ocorrência de (1) eventos extremos de precipitação com as consequentes inundações e cheias no tecido urbano, que se opõem às (2) ondas de calor e períodos de seca extrema, que originam escassez de água.

Em Portugal, entre 1976 e 2006, a temperatura subiu, por década, cerca de 0.5ºC. As secas, que antes aconteciam de dez em dez anos ou mais, estão a tornar-se a nova normalidade e serão cada vez mais severas e frequentes [1]. De uma maneira geral, por todo o país, as crescentes temperaturas têm originado mais períodos de seca e mais longos, verões cada vez mais quentes, que se contrapõem a invernos mais amenos com diminuição dos dias de precipitação. Isto coloca Portugal num risco elevado de severa escassez de água — e é provável que o aquecimento global torne o país ainda mais quente e seco [1].

Portugal está atualmente (desde fevereiro de 2022) a enfrentar um claro período de seca severa e extrema, já considerada a mais grave dos últimos 60 anos, com as bacias hidrográficas em mínimos, aumentando o risco e vulnerabilidade das cidades a este fenómeno, e colocando em causa a disponibilidade hídrica para a população e as diversas atividades associadas. Entre os meses de fevereiro e junho de 2022, nomeadamente no interior norte e no centro/sul de Portugal, verificou-se claramente o aumento das zonas do território continental com diminuição da percentagem de água no solo (Figura 1).

Portugal ocupa a 41.ª posição na lista mundial de países em stress hídrico, utilizando mais de 40% da água que tem disponível, um valor superior àquele que está estabelecido como margem de segurança para gerir variáveis como secas e aumento da procura [1]. Estima-se que até ao fim do século, Lisboa poderá ter menos 35 dias de precipitação e algumas áreas de Portugal podem tornar-se desérticas [1], com as ondas de calor a tornarem-se mais severas e as secas mais frequentes e intensas. 

Figura 1- Percentagem de água no solo (média 0-100 cm de profundidade), em relação à capacidade de água utilizável pelas plantas (ECMWF) a 28 fevereiro 2022 e a 30 junho 2022 [2].

Dados do IPMA (Instituto Português do Mar e da Atmosfera), e de acordo com o índice de seca (PSDI), indicam que no final de junho 2022 a situação de seca meteorológica manteve-se em todo o território, com 3.7 % em seca moderada, 67.9 % em seca severa e 28.4 % em seca extrema [2]. Esta situação é particularmente preocupante, uma vez que afeta diretamente a disponibilidade de água, um recurso vital, escasso, estratégico e estruturante, sendo por isso fundamental que a sua utilização seja norteada por princípios de sustentabilidade e eficiência.  Atualmente, a pegada hídrica portuguesa (indicador que expressa o volume total de água doce utilizado para produzir os bens e serviços consumidos por uma pessoa, comunidade, País ou humanidade) foi estimada em mais de dois mil metros cúbicos/pessoa/ano [3], demonstrando a necessidade urgente de adotar soluções de aproveitamento dos recursos hídricos e de racionalização do uso.

De entre as diversas estratégias de promoção do uso eficiente da água em meio urbano, destacam-se, por um lado, as que constituem uma alternativa às captações tradicionais,  

nomeadamente (1) a utilização das escorrências pluviais de escorrência, (2) a reutilização das águas residuais (após tratamento) e (3) a dessalinização (caso a cidade se situe junto ao mar), cuja implementação deverá ser avaliada caso a caso, em termos ambientais, económicos e sociais, de forma a sustentar decisões políticas duradouras. Esta última acarreta custos energéticos bastante avultados, com as respetivas emissões associadas, sendo, portanto, muitas vezes encarada como uma solução de último recurso. Existem, por outro lado, soluções de engenharia com base tecnológica baseadas na natureza (NbS – Nature based Solutions), também designadas de infraestruturas verdes urbanas, que têm sido implementadas para minimizar os efeitos negativos das alterações climáticas nas cidades, aumentando a sua resiliência, tanto nos períodos de seca como nos eventos de precipitação intensa, garantindo o bem-estar humano, e contribuindo para a gestão sustentável dos ecossistemas.

São bons exemplos de NbS, já aplicados em diversas cidades, as coberturas ajardinadas (Figura 2, esquerda) e os jardins verticais (Figura 2, direita), cujos benefícios incluem: melhoria da qualidade do ar, diminuição do efeito ilha de calor, criação de zonas de biodiversidade e ecossistemas, entre outros.

Figura 2 – Cobertura ajardinada de um parque de estacionamento em Guimarães (esquerda) e Jardim vertical em Milão (direita).

Particularmente relevante, no contexto das alterações climáticas, é a contribuição das NbS para a gestão sustentável das águas pluviais em eventos de precipitação intensa, através da retenção de parte da água da chuva nas suas camadas constituintes e também através dos processos intrínsecos ao desenvolvimento da vegetação (evapotranspiração), ajudando a diminuir a frequência e a intensidade dos eventos de cheia e inundações. Além disso, a associação de reservatórios de retenção de águas pluviais a estas NbS permite armazenar e reter um maior volume das águas pluviais, que posteriormente poderá ser utilizado para fins não potáveis (ex. descarga de autoclismos, irrigação de jardins, lavagem de equipamentos e estradas), contribuindo, desta forma, para a diminuição do consumo de água potável para fins em que não é necessária água de elevada qualidade.

Para além disso, a devolução da vegetação às cidades através da introdução de NbS minimiza a elevada área de superfícies construtivas que retêm calor, contribuindo, assim, para aumentar a resiliência das zonas urbanas às alterações climáticas, através da criação de zonas e parques verdes, criando áreas de lazer amenas, fundamentais para o bem-estar da população.

Em síntese, é imperativo pensar a longo prazo, implementar políticas e incentivos e, acima de tudo, despertar a consciência da população, mobilizando-a para uma mudança urgente que garanta a sobrevivência das gerações atuais e das vindouras. As alterações climáticas estão a contribuir para cenários de seca e escassez que alternam com cenários de cheias e inundações, sendo por isso necessário agir hoje para assegurar também a disponibilidade de água no futuro, que cumpra parâmetros de qualidade. As NbS ou infraestruturas verdes em ambiente urbano apresentam-se, assim, como uma alternativa fundamental para potenciar a resiliência das cidades face às alterações climáticas e à escassez dos recursos.

Agradecimentos

Cristina M. Monteiro agradece à Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) no âmbito do projeto UIDB/50016/2020.

Referências

[1] https://www.natgeo.pt/meio-ambiente/como-se-pode-prevenir-crise-da-agua-em-portugal, consultado em 12 julho 2022.

[2] https://www.ipma.pt/resources.www/docs/im.publicacoes/edicoes.online/20220706/BStuqJKrnGLgfritWQFW/cli_20220601_20220630_pcl_mm_co_pt.pdf, consultado em 12 julho 2022.

[3] https://conselhonacionaldaagua.weebly.com/aacutegua-em-portugal.html, consultado em 12 julho 2022.

Por Cristina M. Monteiro1, Cristina Santos2,3, Ana Briga-Sá4,5 Cristina Matos3,5

1Universidade Católica Portuguesa, CBQF - Centro de Biotecnologia e Química Fina – Laboratório Associado, Escola Superior de Biotecnologia; cmonteiro@ucp.pt

2 Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto

3CIIMAR – Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental

4UTAD – Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

5CQ-VR- Centro de Química de Vila Real

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