O mundo em transição

O mundo em transição

Este número da Indústria e Ambiente (IA) é distribuído por ocasião do ENEG 2017, como sempre organizado pela Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Água (APDA). A APDA tem-nos habituado a um conjunto de atividades do maior interesse e assim continua, esforço tão mais necessário quanto sabemos que a leitura internacional da gestão da água e resíduos revela que as entidades com responsabilidades na matéria enfrentam desafios extraordinariamente complexos.

A estratégia de gestão da água apoia-se, em muito, no pressuposto que o caudal dos rios será suficiente para dele extrairmos uma parte para consumo humano e para uso agrícola e, se assim não for, teremos a captação de águas subterrâneas. Por isso, como sabemos de engenharia e temos recursos financeiros, constroem-se estruturas de armazenamento e captação de água, executam-se redes de centenas de quilómetros para a transportar para as cidades e para irrigação e, para a podermos beber nas nossas casas, concebemos um sistema de tratamento e distribuição de acordo com elevados padrões sanitários. Após esta primeira fase, recolhe-se essa água (então classificada como residual) construindo redes ao longo de mais quilómetros e, antes da sua devolução à natureza, elimina-se a matéria orgânica oxidável, passando-a da fase líquida para uma sólida (por vezes criando um outro problema). Sempre que possível, também procuramos recolher a chuva que está a cair na nossa cidade e transportamo-la durante muitos quilómetros, até um ponto a jusante. Em termos gerais, tudo parece bem e, em termos financeiros, investimos uma fortuna nas décadas passadas, designadamente em todos esses quilómetros de infraestruturas.

Bom...confessemos que se perdeu entre 20 a 50% do recurso água ao longo do transporte e drenagem, que cerca de 50% da água captada para consumo doméstico foi utilizada em usos pouco exigentes (sanitários, lavagens e rega), que se usou 2 a 4% do total de energia que consumimos e, por fim, despejamos nos rios e no mar contaminantes que, temos a certeza, serão um problema para os ecossistemas e para nós próprios. Adicionalmente, drenamos o potencial de alguns produtos químicos úteis (e.g.: fósforo, azoto, papel, bioplásticos). Acresce que a água continua a ser um bem escasso. Quando ocorre uma seca estamos perante um problema muito sério, nomeadamente na agricultura (dependemos muito da bondade dos nossos vizinhos de Espanha se ocorrer uma seca extrema) e, em contrapartida, se chove muito é também uma dificuldade para nos desembaraçarmos dela rapidamente.

Poderia ter sido diferente com o mesmo dinheiro, poderíamos hoje pagar menos na exploração, poderemos poupar nos próximos investimentos em tubagens e poderia a estratégia ser mais sustentável do ponto de vista ambiental? Acredito muito que sim, mas é sempre mais fácil dar palpites depois do jogo. Temos, no entanto, uma atenuante circunstancial. Simplesmente, não nos tinham ensinado, nem estávamos mentalmente preparados para abordagens potencialmente inovadoras e resilientes, na água e nos resíduos. Mas se assim foi o século 20, iremos fazer o mesmo no século 21? Creio que não. Os investimentos efetuados ao longo dos últimos 30 anos vão exigir reforço e essa é uma oportunidade para uma reflexão. A globalização e as alterações nos estilos de vida, bem como a vulnerabilidade climática e a segurança regional, vão impulsionar a inovação. A gestão de ativos não pode ser business as usual: há muitas soluções, outras ainda estão para chegar. A APDA é um bom parceiro para discutir esta problemática.

Gostaria de deixar uma nota em memória da nossa amiga Laudemira Ramos que, inesperadamente, nos deixou. Aquela a quem alguns chamavam, com carinho, a “madrinha das ARH”, mas que foi muito mais que isso ao longo de toda a sua rica vida profissional, partiu. Estamos tristes, mas agradecidos por termos privado com ela e com alguns dos seus sonhos. Teremos saudades do seu ar sereno, daquele olhar generoso, calmo e firme. 

António Guerreiro de Brito

Membro do Conselho Editorial / Presidente do Instituto Superior de Agronomia

Se quiser colocar alguma questão, envie-me um email para info@industriaeambiente.pt

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