A importância dos geotécnicos na remediação de terrenos contaminados

Apesar de o solo ser um recurso vital para a humanidade, foi menosprezado durante muito tempo. Não só por ser visto como uma prioridade secundária, como também por a sua degradação passar geralmente despercebida, dado ser um processo lento, que salvo raras exceções não tem efeitos drásticos imediatos. Pelas mesmas razões, admite-se, ainda não existe legislação nacional e europeia específica para a contaminação dos solos, contrariamente ao que se observa noutros domínios, como sejam os setores da água e dos resíduos.

Por se ter entendido que é muito importante e urgente a inversão da situação atual, e a adoção das ações necessárias à preservação das funções do solo, à prevenção das ameaças e à atenuação dos seus efeitos, bem como à recuperação dos solos degradados, as Nações Unidas tomaram a iniciativa de proclamar o ano de 2015 como o Ano Internacional dos Solos e o dia 5 de dezembro como o Dia Mundial do Solo, com o intuito de promoverem a sua proteção.

De entre os processos de degradação do solo, a contaminação é o que suscita mais preocupação quanto às consequências na saúde pública, dependendo os seus efeitos do tipo de contaminante, da exposição (intensidade, frequência e duração) e das características biológicas do indivíduo exposto.

A nível europeu, mais de 200 anos de industrialização tornaram a contaminação do solo num problema muito generalizado. De acordo com o inventário europeu sobre terrenos contaminados realizado pelo European Soil Data Centre em 2011-2012, ao qual foram associados 38 países, estimou-se o número de locais potencialmente contaminados em 1 470 000, e de locais contaminados em 160 000. O custo estimado para a remediação dos terrenos contaminados situa-se entre 2,4 e 17,3 biliões de euros. Com base nos dados que foram obtidos, estima-se que em Portugal existam cerca de 24 000 locais potencialmente contaminados e 2600 locais contaminados.

Face ao acima exposto, ou seja, ao grande número de locais contaminados e aos elevados custos da sua remediação, a participação dos geotécnicos na remediação dos terrenos contaminados deve contribuir em dois pontos fundamentais: a) redução dos impactes no ambiente, e b) redução dos custos. Para além disso, deve atender ao seguinte princípio: o custo da remediação não exceder os benefícios ambientais.

Alguns contributos relevantes que os geotécnicos podem dar para a redução dos custos da remediação, são: a) promover a utilização de técnicas existentes e o desenvolvimento de outras, com maior relação custo-benefício, b) reduzir o volume de terreno a ser tratado, c) aumentar o volume de terreno tratado a ser reutilizado ou reciclado, e d) promover o uso e o melhoramento das análises de risco.

A sustentabilidade só raramente tem sido considerada pelos projetos de remediação de terrenos contaminados,

com eventuais relevantes consequências ao nível dos impactes no ambiente. A abordagem clássica é reduzir as concentrações dos contaminantes até aos níveis prescritos pela regulamentação aplicável. Nesta abordagem, só os impactes e os fatores locais são considerados na seleção das tecnologias de remediação; impactos holísticos mais amplos são poucas vezes considerados ou são mesmo totalmente negligenciados. A sustentabilidade exige que se considere não só os requisitos necessários de eficácia, custo e tempo de remediação, mas também os impactes resultantes, como as emissões de gases com efeito de estufa, a poluição do ar, o uso de energia, o consumo de água e o esgotamento dos recursos naturais, durante todo o ciclo de vida do projeto de remediação.

Inicialmente, as técnicas de remediação mais aplicadas procediam à escavação-e-aterro, no caso dos solos, e à bombagem-e-tratamento, no caso das águas subterrâneas, ambas ex-situ. Contudo, nestes casos, os custos de transporte e o consumo de energia têm grande peso, e não são sustentáveis por causa dos impactes negativos e dos benefícios ambientais serem neutros ou negativos.

Atualmente há preferência pelas técnicas de remediação in-situ, não só pela sua evolução, mas também por serem mais sustentáveis. A seleção das tecnologias de remediação dos terrenos contaminados e o seu sucesso depende de vários fatores, nomeadamente: a) características do local, b) características do contaminante, c) uso do solo, d) tempo disponível, e) conhecimentos da equipa técnica, f) custos, e g) legislação aplicável.

Atendendo a que o sucesso da aplicação destas tecnologias depende do conhecimento exaustivo das características dos terrenos, onde se incluem as águas subterrâneas, a importância de envolver a geotecnia, em cooperação com outras áreas científicas, como a geologia, a química, a biologia e a engenharia do ambiente, nos processos de remediação dos terrenos contaminados, resulta dos seus conhecimentos sobre o comportamento e as técnicas de tratamento dos solos e a heterogeneidade e anisotropia do subsolo. Estes conhecimentos foram adquiridos nos projetos de engenharia geotécnica clássicos, onde se utilizam, e desde longa data, as ferramentas de campo necessárias à caracterização dos terrenos e à determinação do tipo e da extensão da área contaminada.

Por se entender que a intervenção da geotecnia na remediação dos terrenos contaminados é imprescindível e que as solicitações irão aumentar no futuro, serão numerosos os desafios técnicos e as oportunidades que se perspetivam para os geotécnicos para os próximos anos.

Artigo da autoria de António José Roque, Investigador do Laboratório de Engenharia Civil e Presidente da Comissão Portuguesa de Geotecnia Ambiental

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