Entrevista a Rui Ferreira dos Santos

  • 01 setembro 2021, quarta-feira
  • Gestão

Rui Ferreira dos Santos fala-nos da pertinência de apostar na remuneração de serviços de ecossistemas e nos benefícios de longo prazo desta aposta, se estivermos dispostos a dissociar o conceito de benefício do valor de mercado. O coordenador do estudo “Nova Política para a Remuneração de Serviços dos Ecossistemas em Espaços Rurais em Portugal”, apresentado ao Ministério do Ambiente, falou-nos do projeto-piloto aqui concretizado e do alargamento deste tipo de política.

Entrevista por Cátia Vilaça

O que podemos designar por serviços de ecossistemas e qual o papel que estes serviços podem desempenhar no contexto em que nos encontramos agora, com uma economia debilitada pela crise pandémica e face à necessidade de combater com urgência as alterações climáticas?

O conceito de serviços de ecossistemas foi introduzido com o objetivo de tornar mais evidentes os benefícios para o bem-estar humano oferecidos pelos ecossistemas e sobretudo tornar evidente que se trata de benefícios de natureza completamente diferente. Por essa razão, existem tipologias de classificação dos serviços de ecossistemas, que vão de serviços dificilmente percetíveis para o cidadão comum – regulação do ciclo de carbono, regulação hidrológica ou serviços relacionados com o próprio funcionamento dos sistemas naturais – até benefícios muito evidentes para todos nós, como seja a produção de alimentos. Estão também incluídos benefícios culturais, que também são evidentes para nós, embora alguns sejam menos evidentes do que outros. Se há casos em que percebemos perfeitamente o benefício – o recreio, por exemplo – há outros aspetos, como a identidade cultural, que já não são tão evidentes. A vantagem dos serviços de ecossistemas é que, independentemente da tipologia, são sempre tornados evidentes benefícios de diferente natureza que são oferecidos pelos ecossistemas em prol do bem-estar humano. Torna-se também evidente que quando tomamos decisões, seja de investimento, de consumo, de produção, ou decisões pessoais, como escolhas de locais de férias, tudo isto impacta esses serviços porque impacta os ecossistemas, e necessariamente há trade-offs: quando nós tomamos uma decisão num sentido, podemos melhorar a condição dos ecossistemas para a provisão de um determinado tipo de serviço mas, simultaneamente, estamos a piorar a condição do ecossistema para a provisão de outro tipo de serviço. É um conceito que torna evidentes estes trade-offs e que nos ajuda a ter não só uma linguagem científica, mas também uma linguagem de comunicação para a sociedade. No fundo, é um conceito que acaba por ser muito completo, e por essa razão foi adotado. Também é complexo, porque tem todas estas valências, mas se bem utilizado pode servir não só um objetivo de comunicação entre cientistas e de aprofundamento da ciência, mas também de comunicação com a sociedade.

No contexto em que nos encontramos agora, faz especial sentido apostarmos nos serviços de ecossistemas?

Faz, porque ao longo das últimas décadas temos vindo a assistir à degradação acentuada de diversos tipos de ecossistemas, e isso deve-se ao facto de muitos dos benefícios desses ecossistemas não serem percetíveis para a sociedade nem terem valor de mercado, ou seja, não lhes é atribuído um valor na linguagem habitual de atribuição de valor, que consiste em utilizar o dinheiro como referência, como valor de troca. Não sendo atribuído um valor monetário, tendem a ser esquecidos, ignorados, a não serem devidamente valorizados. O conceito de serviços de ecossistemas tem essa vantagem de nos chamar a atenção para a necessidade de também valorizarmos serviços que, não sendo utilizados no mercado, não deixam de ter valor. Nessa perspetiva, obviamente que é importante que na situação atual seja utilizado o conceito, não só para tornar evidente esse aspeto, como para permitir inclusivamente a própria recuperação, nalguns casos, do funcionamento de sistemas socioeconómicos que dependem da saúde dos ecossistemas. Se nós dermos o devido valor a um conjunto de serviços, se fizermos as transformações necessárias para a recuperação desses ecossistemas, estamos também a criar condições para o desenvolvimento de um conjunto de atividades económicas que deles dependem e que já estão a sofrer as consequências do descuido que houve durante muitos anos.

O Millenium Ecosystem Assessment definiu categorias de serviços de ecossistemas e é um sistema com uma disseminação ampla. Entretanto surgiram outras abordagens, como a do Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services (IPBES), entre outros exemplos. De entre os sistemas existentes, considera algum mais adequado do que outro, ou mais apropriado à nossa realidade?

Em cada um dos sistemas posso gostar mais de um aspeto e menos de outro, mas não é possível dizer que há uma classificação claramente superior a outra. Há vantagens e inconvenientes em todas elas. O importante é que de cada vez que se faça qualquer tipo de trabalho, se desenvolva um estudo, uma investigação, seja o que for, que seja claro qual é a definição do conceito que estamos a utilizar e qual é a tipologia que estamos a utilizar. Obviamente que isso é importante porque as diferenças podem também ter implicações na comunicação. A título de exemplo, a classificação adotada pela União Europeia, o CICES [Common International Classification o Ecosystem Services], que a Europa tentou que fosse adotada em todo o mundo, é particularmente complexa nalguns aspetos, e não me parece fazer total sentido. Mas cabe a cada um, de acordo com o objetivo com que está a utilizar o conceito, decidir qual das classificações é melhor. Não tenho nenhuma preferência declarada nem posso considerar que uma classificação é claramente melhor do que a outra. (...)

Leia a entrevista completa na Indústria e Ambiente nº129 jul/ago 2021, dedicado ao tema 'Ambiente e recuperação económica: serviços de ecossistemas'

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