Entrevista a Manuel Duarte Pinheiro

Com um longo percurso na Gestão Ambiental, Manuel Duarte Pinheiro enquadra a evolução da gestão ambiental na Europa e a forma como as normas ISO e o sistema EMAS se têm adaptado aos crescentes desafios e metas ambientais. Com abordagens mais prescritivas ou disruptivas, há vários instrumentos para potenciar melhores práticas.

Entrevista por Cátia Vilaça

A adesão a sistemas de gestão ambiental é uma prática que podemos considerar disseminada. Quando é que estes processos começaram a ganhar importância, ou quando é que as empresas começaram a reconhecer a importância destes processos?

Talvez faça sentido fazermos um enquadramento. Do meu ponto de vista, a política de ambiente teve três grandes vertentes, e vamos entrar agora na quarta. Até à década de 70 havia políticas de ambiente mas de forma avulsa. Desde a Idade Média que antes de descarregar os efluentes tínhamos de dizer “água vai”. A seguir à II Guerra Mundial e até aos anos 60, fomos começando a perceber que havia problemas de poluição e que a estratégia anterior de aproveitar o meio de diluição, que era um pouco solution to pollution is dilution, não era significativa. Isso aconteceu com as chuvas ácidas na Europa, com o DDT e outros produtos, através do livro Silent Spring da Rachel Carson [editado em 1962, expõe os riscos daquele pesticida], e isso dá origem a dizer que a capacidade do meio não chega e vamos ter de estabelecer requisitos legais. A primeira dimensão, a que eu chamarei reativa ou corretiva, dá origem a um conjunto de regulamentação sobre valores limite de emissão. Com os valores limite de emissão aparece toda uma área tecnológica de sistemas de tratamento de fim de linha: os despoeiramentos, os sistemas de tratamento de gases, as ETAR, os aterros, e assim sucessivamente. Com essa componente, em alguns países, como nos EUA, começa a haver responsabilização das empresas. Passado alguns anos, a Câmara de Comércio e Indústria vai começar a abrir a porta para a necessidade de as empresas integrarem o ambiente, embora de forma tímida. Muito rapidamente, sobretudo na Europa da década de 80, aparece a segunda dimensão, que assenta na ideia de, antes de fazermos as coisas, termos em consideração os seus efeitos, ou seja, a dimensão preventiva. Aí surge a Avaliação de Impacte Ambiental, nomeadamente com a Diretiva Comunitária 337/85. Aparece também a área da conservação da natureza, com o intuito de proteger, e a parte dos riscos, através da Autoridade Técnica de Riscos Industriais Graves. E com estas duas grandes dimensões, muitas das empresas são abrangidas por uma centena ou até duas centenas de peças de legislação, e por isso tinham a necessidade não só da responsabilidade, não só de começar a controlar, mas de ter auditorias, de avaliar. E porquê? As empresas já faziam as auditorias das contas e passam a fazer as auditorias da área de ambiente também, para informar a organização ou a administração acerca das responsabilidades e do que deveriam fazer. O período entre os anos 80 e os anos 90 foi absolutamente explosivo na área do ambiente. Em 1987 é publicado, a nível internacional, O Nosso Futuro Comum (Relatório Brundtland), e entretanto é publicado também o Quinto Programa de Ação em matéria de ambiente. Anteriormente, a Câmara de Comércio recomendara as auditorias como instrumento e em 1987 é também publicada, com o [então Ministro do Ambiente] Carlos Pimenta, a Lei de Bases. O que é que mudou neste Quinto Programa de Ação em matéria de ambiente? Em vez de ser muito vocacionado para os setores ambientais, metade do programa passa a ser destinado à área agrícola, à energia, à indústria, ao turismo, etc., ou seja, foca-se nos setores, e aí é que começa verdadeiramente a gestão ambiental, porque antes já existia mas de forma tímida, informal. Nesse programa surgem duas opções: uma virada para os produtos, e percebe-se que as pessoas começavam a dizer que havia detergentes mais amigos do ambiente ou havia sprays mais amigos da camada do ozono. Não estou a dizer que seja legítimo ou ilegítimo mas isso levou a União Europeia a criar o sistema do rótulo ecológico. Também se percebeu que as empresas podiam começar por fazer auditorias mas se calhar tinham de ir um pouco mais além, e em 1993 surgem as eco-auditorias e sistemas de gestão ambiental, que viriam a ser designadas por EMAS [Sistema Comunitário de Ecogestão e Auditoria]. A partir daí deixa de funcionar tudo na base do comando e controlo, e as empresas passam a poder organizar-se internamente de uma determinada forma, e nós temos de dizer como isso é feito. A Cátia escreve com a mão esquerda ou a direita?

Direita.

Imagine que alguém diz que agora, para termos igualdade entre todos, vamos passar a escrever com a mão esquerda. A primeira pergunta que se faz é se você consegue escrever de forma legível, ou seja, se é eficaz. A segunda é se consegue escrever num espaço de tempo eficiente, e a terceira é se isto se pode manter. Eu escrevo assim porque me ditou essa regra mas no dia em que voltar costas deixo de o fazer. Significa isto que eu tinha de pôr um polícia à porta de cada indústria, de cada organização. Chegou-se à conclusão de que isto não podia ser obrigatório. Então criaram-se mecanismos voluntários, como o rótulo ecológico, o EMAS e a ISO. Em 1993, [a ISO] abre uma nova série, que é a 14000. Em três anos é publicada a primeira norma, a 14001, e aparece uma dimensão proativa. Essa dimensão proativa vai desafiando sucessivamente as empresas a caminhar nesse sentido, começando pela área industrial e alargando-se. Na Alemanha domina o EMAS, e nos outros países é mais dominante a 14001, que vai ser mais ou menos ser exclusiva, e hoje temos à volta de 312.580 certificados. A ISO 14001 está a crescer a 2 por cento ao ano e a 9001 [Qualidade] a 0,5 por cento. Em Portugal não chegamos a 1000 certificações. (...)

Leia a entrevista completa na Indústria e Ambiente nº127 mar/abr 2021, dedicado ao tema 'Sistemas de gestão ambiental, certificação e auditoria'

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