Entrevista a Francisco Ferreira

A neutralidade climática não pode ser uma utopia: é um objetivo com datas definidas e desafios a superar. O esforço será de planeamento e investimento mas também de alteração de hábitos. Ter um veículo movido a combustíveis fósseis ou instalar um eletrodoméstico poluente poderá não ser possível dentro de alguns anos, e os padrões de viagens também deverão mudar. Nesta entrevista, Francisco Ferreira mostra-nos que o tempo é agora.

Entrevista por Cátia Vilaça

Com a ajuda do Plano de Recuperação e Resiliência, podemos considerar exequível atingir a neutralidade carbónica em 2050, nomeadamente com o investimento previsto em transportes públicos e na renovação do edificado?

O PRR consiste em investimentos a concretizar no prazo de cinco, seis anos, e a neutralidade climática, como agora lhe chamamos, é uma maratona de longo prazo que se calhar, enquanto bloco de países desenvolvidos, ou seja, União Europeia, até vamos ter de antecipar. O PRR vai ter um conjunto de investimentos muito relevantes na área dos transportes. Não são propriamente investimentos adicionais, mas investimentos que estavam previstos e vão poder ser encaixados nestes cinco, seis anos. Infelizmente há alguns sinais contraditórios em relação àquilo que seria desejável, como a inclusão de algumas vias rodoviárias que em nosso entender contradizem o sentido principal do PRR. Agora, eu diria que o PRR é uma ajuda numa altura fulcral, que é a década que termina em 2030, mas ainda nos falta um conjunto de medidas estruturantes que vão muito para além do PRR. No setor dos transportes, nós precisamos de, ao mesmo tempo que garantimos o transporte público, ter medidas de forte contenção do transporte individual - a transição para os veículos elétricos é sem dúvida importante mas a questão não fica por aí. Nós queremos cidades com melhor qualidade de vida e isso significa menor tráfego rodoviário, e claro que se esse menor tráfego for conseguido com veículos elétricos teremos grandes vantagens do ponto de vista da qualidade do ar e da redução das emissões. O setor da energia e o setor dos transportes são os dois principais responsáveis pelas emissões de gases com efeito de estufa, por um lado, e também pelas emissões de outros poluentes atmosféricos, mas nós precisamos de ir mais longe e de uma abordagem mais abrangente e proativa no sentido de chegarmos às metas. Concretizando um pouco melhor: nós deveremos pensar, tão rapidamente quanto possível, em medidas que nos podem parecer demasiado radicais mas são muito importantes porque dizem respeito a equipamentos que vão durar nos próximos anos. Por exemplo, não instalarmos esquentadores a gás nas nossas casas a partir de 2025. Um esquentador é um equipamento capaz de durar 20, 25 anos, portanto se eu quero descarbonizar tenho de fazer aqui uma transição para a eletricidade renovável no que diz respeito aos equipamentos desta natureza, de aquecimento e de arrefecimento, nomeadamente no caso das águas, e isso significa recorrer a água quente solar ou usar bombas de calor. Nos veículos, a Comissão Europeia vai, em princípio, apresentar, dentro de pouco tempo, uma data para parar a comercialização de automóveis que não tenham emissões zero. Há aqui muitas medidas na parte do incentivo mas há também muitas medidas na parte regulatória que devem ter lugar à escala europeia e à escala nacional.

Além da aquisição de autocarros e de material circulante para a ferrovia, também é necessário que os transportes respondam às necessidades e dinâmicas das pessoas para que haja uma efetiva redução da circulação automóvel. Não precisamos de nos afastar muito dos grandes centros para que essa oferta deixe, por vezes, de ser tão adequada. De que forma é que os municípios e o governo central podem trabalhar esta oferta para a tornar mais adequada às necessidades das pessoas?

Para já, há uma questão que se coloca até do ponto de vista da estrutura do consumo e dos objetivos de mobilidade, que é começarmos a questionar-nos sobre a necessidade da propriedade do veículo, ou seja, esta ideia de que nós precisamos de possuir um automóvel. O principal objetivo é garantir a mobilidade das pessoas e não propriamente que cada um de nós tenha o seu próprio automóvel. Se tivermos uma oferta de mobilidade que responda às necessidades das pessoas não precisamos, possivelmente, de ter carro e é esse tipo de aposta que é necessário fazer nos diferentes territórios, com economias de escala e com tipologias diferentes. Isso passa por serviços como o caso do TVDE - esse tipo de serviços, feito por viaturas 100 por cento elétricas, faz parte de uma mobilidade partilhada que pode garantir muita dessa oferta complementar ao uso do transporte público coletivo. Dito de outra forma, o que nós verdadeiramente precisamos para garantir uma mobilidade mais sustentável é de otimizar as diferentes formas de mobilidade, desde a trotinete, bicicleta ou circulação a pé, ao transporte público, à mobilidade partilhada de que falámos e ao meu próprio automóvel se também o tiver, e garantir a menor pegada carbónica de cada uma destas componentes. Posso perguntar se isso é possível para todo o território. É, mas de forma diferenciada. Devo ter um racional económico nessa decisão. Nós temos como objetivo, anunciado no âmbito do Plano Ferroviário Nacional, ligar todas as capitais de distrito por comboio. Também devemos verificar se há procura suficiente para garantir que em todos os trajetos isso tem sentido. Se calhar tem, e esperemos que tenha, e que as pessoas consigam utilizar esse meio de transporte, que do ponto de vista ambiental é dos preferíveis. Devemos raciocinar em função das nossas necessidades de mobilidade e não em função da posse do carro e da preferência de um ou de outro modo de transporte, podendo utilizar a sequência e o tipo ou o modo de transporte que for mais conveniente para mim e para o ambiente. (...)

Leia a entrevista completa na Indústria e Ambiente nº128 mai/jun 2021, dedicado ao tema 'Qualidade do Ar, pandemia e mobilidade'

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