Entrevista a Aires Pereira, Presidente da Direção do Smart Waste Portugal

Em fase de arranque, o cluster Smart Waste Portugal pretende afirmar-se enquanto dinamizador de conhecimento no setor dos resíduos, colocando o foco na criação de pontes com os diversos atores do setor. Aires Pereira, Presidente da Direção em representação do associado Lipor, fala à Indústria e Ambiente sobre os objetivos da associação.

Que oportunidades e desafios a Economia Circular antecipa para uma associação como o Smart Waste Portugal?

Para uma jovem associação como o Smart Waste Portugal os desafios são mais do que muitos, mas é na mesma proporção de oportunidade que eles são encarados.

A Economia Circular é o princípio máximo norteador da atividade do Smart Waste, que se antecipa numa atualização constante de conteúdos e linhas orientadoras da União Europeia. É muito estimulante podermos ter a oportunidade de ser a interface das preocupações e necessidades das empresas do setor que representamos, promovendo sinergias entre estas e novas oportunidades de negócio.

Que iniciativas e projetos estão na esfera de interesse do Smart Waste Portugal?

As temáticas de eleição para o Smart Waste só podem ser as que conjugam as Novas Tendências e a Gestão de Resíduos. Os novos modelos de negócio baseados na desmaterialização, partilha, reutilização e reciclagem, o eco-design dos produtos e as simbioses industriais são algumas das áreas que se pretende desenvolver ao abrigo do Smart Waste, em colaboração com os seus associados.

Pela especificidade da sua natureza de governança, temos de adotar dois tipos de dinâmicas: por um lado, é prioritário estabelecer “pontes” com as demais organizações da nossa sociedade civil, como as Autoridades Nacionais e a Academia, e por outro lado é essencial transpor esse mesmo conhecimento ao instrumento do nosso setor de atividade, numa ótica de conjugação de criação de valor.

A recente Conferência “Portugal Upcycling: desafios e oportunidades para um país mais sustentável, competitivo e inovador”, na qual foi apresentado o resultado do Estudo sobre a Relevância e Impacto do Setor dos Resíduos em Portugal na Perspetiva de uma Economia Circular, levado a cabo pela consultora Augusto Mateus & Associados, realizada em fevereiro, é um sinal claro do contributo que o Smart Waste já está a dar ao país, tendo sido identificados setores específicos de atuação.

Quais as boas práticas que gostaria de destacar?

O papel da Fundação Ellen MacArthur deve ser destacado no panorama internacional, incentivando a transição para uma economia circular nas grandes multinacionais. No contexto nacional estão a aparecer iniciativas muito interessantes, sendo que destacaria as iniciativas que estão a ser levadas a cabo pelo Ministério do Ambiente, tal como o portal Eco.nomia e o Plano de Ação para a Economia Circular, bem como projetos bandeira que já estão a ser desenvolvidos e comunicados pelas empresas. Não nos podemos esquecer que a restante sociedade civil deverá assumir um papel, que lhe é muito relevante.

Portanto, embora se constate que Portugal tenha entrado na rota da circularidade, ainda há muito trabalho a fazer.

Na sua opinião, o que é que pode estar a faltar para alicerçar o tema?

Diria que ainda falta criar uma visão holística e sistémica em torno da Economia Circular.

É necessário haver políticas legislativas mais ambiciosas e estimulantes, a montante, mas também mais práticas interventivas e globalizantes, a jusante.

Do ponto de vista das empresas, não nos podemos esquecer que este é um trabalho que não pode fazer-se sozinho, é um caminho que só pode ser traçado em parceria, e neste caso as parcerias a estabelecer com a Academia e com os Centros de Investigação não só são necessárias como são imprescindíveis.

Neste campo, considero que a formação das novas gerações, bem como dos quadros atuais das empresas, é essencial para que a os conceitos em torno da economia circular sejam cada vez mais bem assimilados.

Não posso também deixar de referir a possibilidade de financiamentos que já estão na nossa praça e que, para o tecido empresarial português, constituído maioritariamente por pequenas e médias empresas, é fundamental e necessário.

E o que mais poderá o SWP fazer?

O SWP deverá estar na “linha da frente”, posicionar-se face às atualizações da União Europeia e das medidas que a Comissão está a desenhar, desconstruí-las de forma a dar-lhes mais sentido e realçar a sua real importância.

O SWP deverá atuar em toda a cadeia de valor, através de uma estratégia colaborativa entre os seus Associados e stakeholders relevantes, promovendo inovação, investigação, desenvolvimento e implementação de soluções que ajudem na transição para uma economia circular. Tendo em consideração os interesses dos diferentes Associados, o SWP prevê a promoção de novos Grupos de Trabalho, fóruns de discussão, ações de formação, promoção de candidaturas, tentando ainda ser um interlocutor ativo junto das tutelas.

E é nesta lógica de conhecer e dar a conhecer que iremos, a muito breve tempo, percorrer o país para promover pontes, com o objetivo de ver estabelecidas as sinergias necessárias para a implementação de estratégias locais de economia circular.

Quais as preocupações/dúvidas que as empresas associadas do SWP têm transmitido relativamente à transição para a Economia Circular?

As empresas, em especial as PME, solicitam muito o apoio em termos de capacitação, de instrumentos que favoreçam a definição de novos modelos de negócio, e ainda os incentivos aos novos investimentos.

O que tem sido feito da parte do SWP para sensibilizar as empresas para a transição para este novo paradigma?

Especificamente, já promovemos sessões de esclarecimento e estamos a preparar um Road Show, que percorrerá as capitais de distrito, em que ampliaremos esta mensagem.

A opção primordial pelo Tratamento Mecânico e Biológico, em Portugal, não concomitante com a prioridade atribuída pela UE à recolha seletiva e tratamento biológico, pode ser um entrave à transição para a Economia Circular? O que pode o SWP fazer?

É óbvio que sim. Eu diria que o “pecado” da nossa política nacional para a gestão dos resíduos urbanos foi essa opção pelos TMB, funcionando com resíduos indiferenciados. Há que arrepiar caminho e urgentemente, e para isso deveríamos aproveitar a “revisitação” do PERSU 2020 já anunciada pelo Governo.

O SWP tem aproveitado as suas próprias iniciativas e até as de outras entidades, como a APESB, para apelar a que a recolha seletiva, se possível até porta a porta, seja rapidamente incrementada. Por outro lado, temos sugerido, também, para uma “revisitação” do PERSU, que se encare o incremento da valorização energética da fração RESTO. Neste propósito estamos, inclusive, a promover um importante estudo sobre Caracterização da Produção da Fração Resto em Portugal e Avaliação do Potencial de Valorização.

Como vai ser garantida, por um lado, a qualidade e a segurança, e por outro, o respeito pelos preceitos da Economia Circular dos resíduos transformados em matérias-primas? O SWP prepara algum selo de qualidade que possa dissuadir eventuais dúvidas dos consumidores?

Esta é uma excelente questão que é importante ser muito acautelada. É uma grande preocupação ao nível das instituições comunitárias. Temos nota que em Espanha as Entidades Gestoras de certificação, como é o caso da AENOR, têm já imenso trabalho feito. O SWP vai convocar, muito brevemente, as principais empresas de certificação para discutir esta matéria, sendo, em nosso entender, a figura do SELO algo que poderá transmitir ao Consumidor a garantia que este precisa para confiar no produto.

Segundo o Estudo sobre a Relevância do Setor dos Resíduos em Portugal na Perspetiva de uma Economia Circular, a construção é o setor com maior contributo potencial para a circularidade em Portugal. Que tipo de aproximação o SWP está a fazer às empresas deste ramo?

O setor da construção teve um forte abalo nos últimos anos, tendo desparecido a grande maioria das empresas de referência que tínhamos em Portugal. O setor, com o incremento do Turismo, mostra, agora, alguma retoma. O SWP vai priorizar, no seu plano de ação, o relacionamento com as associações empresariais, passando depois para as empresas.

O SWP tem em vista protocolos com entidades oficiais (Agência Portuguesa do Ambiente, por exemplo)? Se sim, de que natureza?

O SWP pretende, no intuito de colocar na agenda e ordem do dia a temática da Economia Circular, desenvolver parcerias, iniciativas e acordos que envolvam entidades públicas e privadas e os atores principais desta temática, por um lado o consumidor e por outro lado as empresas. Daí que a minha resposta é que seguramente sim, teremos propostas a fazer à APA, como Autoridade Nacional de Resíduos.

Que mensagem gostaria de deixar aos seus associados?

Não só dirigida aos nossos associados, a mensagem que gostaria de estender a todos aqueles que apoiam a nossa associação é a firme certeza de que não queremos nem podemos esmorecer, perante o risco de perdermos uma grande oportunidade, talvez a maior ou, diria até, a mais completa oportunidade, de vivificarmos Portugal, de reconstruirmos a indústria, de inovarmos nos nossos processos e produtos e de criarmos cidadãos mais conscientes.

Aires Pereira preside à Câmara Municipal da Póvoa de Varzim desde 2013. É também Presidente do Conselho de Administração da Lipor desde o mesmo ano. Representa a Associação Nacional de Municípios Portugueses no Conselho Consultivo da ERSAR.

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