Águas residuais: fonte de microplásticos para os meios aquáticos?
A produção mundial de produtos plásticos registou um crescimento acentuado a partir da década de 1950, e desde então a utilização de plásticos nas mais diversas aplicações tem crescido significativamente. As consequências ambientais associadas a este produto ganharam relevância com a descoberta de elevados níveis de poluição por produtos plásticos em meios marinhos, dos quais as ilhas de plástico no Oceano Pacífico constituem um exemplo ainda hoje referenciado.
Na última década, para além do aumento da consciencialização relativa à poluição por produtos plásticos, tem vindo a ganhar expressão a contaminação dos ambientes aquáticos por microplásticos, que representam plásticos com dimensões inferiores a 5mm. Estas pequenas partículas têm o potencial de adsorver contaminantes orgânicos persistentes, microrganismos patogénicos e metais presentes no ambiente circundante, apresentando assim um risco de toxicidade em organismos marinhos. Diversos estudos reportaram a presença de microplásticos em plankton, peixes, aves e até mamíferos, apresentando o potencial de bioacumulação nas cadeias tróficas aquáticas. A análise da presença de microplásticos em seres humanos é ainda muito incipiente, mas alguns estudos já reportaram a presença de microplásticos em diversas marcas de água engarrafada, indiciando que a sua ingestão, ainda que em concentrações muito reduzidas, pode ser um fenómeno corrente.
Os microplásticos são geralmente classificados de primários quando são intencionalmente produzidos com uma dimensão reduzida, ou classificados como secundários, quando resultam da fragmentação de plásticos de maiores dimensões, por ação da radiação UV ou por ação de desgaste mecânico. Exemplos de microplásticos primários incluem produtos de cuidado pessoal, como esfoliantes e pastas de dentes ou pellets utilizadas como matéria prima de indústrias produtoras de diversos produtos plásticos. As microfibras resultantes da indústria de vestuário e da lavagem de produtos têxteis, assim como resíduos de pneus e tintas constituem exemplos de microplásticos secundários.
Apesar da presença de microplásticos ter sido já detetada numa variedade de ambientes aquáticos, incluindo águas oceânicas, rios, lagos e até nas regiões polares, as diferentes fontes de entrada no meio aquático carecem ainda de uma caracterização mais aprofundada. Especial ênfase têm merecido os efluentes das Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETAR), uma vez que são veículos de passagem e retenção de alguns dos microplásticos secundários enunciados. A título de exemplo, uma única lavagem de têxteis com uma carga típica de 5 kg pode libertar até 6 milhões de microfibras de poliéster. Estas micropartículas ficam eventualmente diluídas em resultado das restantes utilizações de água em habitações e serviços, mas estudos realizados na Austrália, Reino Unido e Europa revelaram que a concentração nos afluentes a ETAR pode ascender a 15 microplásticos/L. Apesar de as eficiências de retenção em ETAR serem superiores a 95% na maioria dos casos, mesmo em situações onde a concentração na descarga seja inferior a 0,2 microplástico/L, o elevado volume de águas residuais tratado globalmente conduz a que um número significativo destas partículas seja libertado no meio aquático.
A retenção de microplásticos em ETAR é realizada sobretudo durante o tratamento primário e secundário, por retenção em processos de sedimentação. Estas partículas ficam acumuladas sobretudo nas lamas geradas em ETAR, colocando em questão o potencial de aplicação de lamas como fertilizadores agrícolas, sob risco de contaminação de solos.
Apesar de o conhecimento atual permitir identificar as ETAR como fontes potencialmente significativas de introdução de microplásticos em meios aquáticos, as eficiências de remoção reportadas apontam para a necessidade de redução destas partículas na sua origem. Neste sentido, existem já dispositivos de retenção de microfibras disponíveis comercialmente associados a máquinas de lavar roupa. O recente apoio, em setembro de 2018, por parte do Parlamento Europeu, no sentido da eliminação de microplásticos em cosméticos e produtos de higiene pessoal até 2020 constitui uma forte medida no sentido do controlo na fonte destas partículas. Diversos países europeus como a França, Reino Unido e Irlanda do Norte proibiram recentemente a venda, produção ou importação de produtos de higiene pessoal contendo microplásticos, e o Parlamento português aprovou já em 2019 propostas para a criação de programas de redução dos microplásticos em cosméticos e produtos de higiene.
Para além das emissões em ETAR, importa ainda referir a necessidade de caracterização mais aprofundada de outras fontes de microplásticos para os meios recetores. As partículas provenientes do desgaste de pneus constituem um destes componentes, tendo sido revelado, num estudo norueguês, que as emissões resultantes do desgaste de pneus ascendem a 54% do total de microplásticos emitidos naquele país. A realização de estudos também em águas pluviais e escorrências superficiais constitui, assim, uma necessidade urgente, para que a total dimensão do problema seja conhecida.
Dada a elevada presença de plásticos na sociedade atual, e a diversidade de potenciais fontes de microplásticos, torna-se imperativo aumentar o conhecimento relativamente a este poluente, por forma a delinear estratégias de controlo deste fenómeno que se apresenta como um problema ambiental global de futuro.
Artigo publicado na Coluna ÁGUA na Indústria e Ambiente nº 114
Professora Auxiliar no IST
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