Compostos Emergentes

“As pessoas que mais admiro são aquelas que nunca acabam”

Almada Negreiros

Se Shakespeare afirmou que “o curso do amor verdadeiro nunca flui suavemente” quem somos nós para duvidar?! Ele, só ele, escreveu “Romeu e Julieta”, a história do amor perfeito, impossível, em que se usam poções para, “enganando” o real, alcançar a felicidade. Já se sabe que os percalços do acaso fazem com que o sonho se transforme em tragédia. A poção, que é mágica pela promessa de vida que transporta, é anulada pelo veneno que também carrega e que a condena.

Vem tudo isto a propósito do tema de capa deste número, “Compostos Emergentes”, que me conduz para um universo que evoca a grande aventura dos alquimistas… Não fora o anacronismo da palavra “emergentes” neste contexto e ter-me-ia já debruçado num caldeirão fumegante sobre fogo porque, na verdade, muitos compostos hoje utilizados têm raízes naturais mas outros são fruto de profunda actividade antropogénica, resultando do desenvolvimento de tecnologias, investigação e avanços da ciência. Ou seja, o tema de capa remete-nos para a problemática da eterna luta entre o bem e o mal, representada e materializada ao longo dos séculos em múltiplas formas de arte (literatura, pintura, etc.) e estudada em diferentes áreas do saber.

Ninguém questionará a viragem histórica, a conquista para a humanidade, que aconteceu com a descoberta da penicilina, por Alexander Fleming; mas, à época, ninguém conseguiu antever os riscos e as perdas que o seu uso generalizado poderia provocar, por exemplo, para a biodiversidade. A fome é uma ameaça à dignidade humana e erradicá-la é um dos Objectivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). O desenvolvimento e uso de compostos químicos asseguram maior produtividade dos solos, logo contribuem para o ODS 2. E este é apenas um dos muitos exemplos que poderia aqui aditar começando pela lista de substâncias associadas à Diretiva das Substâncias Prioritárias. O entusiasmo das descobertas, e a celebração do bem, não permite (muitas vezes) antecipar a visão do perigo que também podem acarretar.

Disse Paracelso em 1538: Dosis sola facit venenum (só a dose faz o veneno) e a evolução tem confirmado a factualidade deste pensamento.

Lutámos, ansiámos… e continuamos expectantes por uma vacina que nos devolva uma vida normal de afectos e de proximidade, mas temos consciência de que a espera foi ditada pela necessidade de simular o futuro, de ensaiar, avaliar os efeitos para que a “poção mágica” não viesse a transformar-se em veneno.

O meu enorme e sincero agradecimento à Doutora Maria João Rosa que, com imensa sabedoria e generosidade, partilhou o seu conhecimento sobre este tema, alcançado em 30 anos de profícua vida científica, e sugeriu um conjunto de especialistas, a quem também agradeço, e que, com as suas participações neste número, contribuíram para a percepção e divulgação da amplitude de âmbitos aqui contemplados.


Volto ao início, a ‘Romeu e Julieta’, de William Shakespeare: “Toda despedida é dor... tão doce todavia, que eu te diria boa noite até que amanhecesse o dia.” E volto ao início porque recuso a dor de dizer adeus a Fernando Santana, meu professor, meu amigo. Uma pessoa Única que marcava com a sua presença, luz, pela visão sobre o futuro, pelo calor das conversas, com o fulgor da sua inteligência. A onda de consternação, o sentimento de profunda perda, a tristeza, geradas com a sua partida foi algo a que nunca tinha assistido. Marcou, com a sua intensidade e brilhantismo, gerações de alunos, de colegas e todos os que com ele tiveram o privilégio de privar.

Teve uma vida cheia de obra e significado, ao serviço do Ambiente, da Academia, dos Amigos, dos Alunos e, como é óbvio, last but not the least, da Família.

O professor Santana enriqueceu e tocou a vida de todos nós, a todos deixou uma dolorosa saudade mas a todos deixou, igualmente, a certeza de que continuará connosco até ao amanhecer (“boa noite, boa noite, boa noite, boa noite…”)

Obrigada, Santana. Ainda não é dia.

Editorial da Indústria e Ambiente nº126 jav/fev 2021

Leonor Amaral

Diretora da Indústria e Ambiente / Professora na FCT-UNL

Se quiser colocar alguma questão, envie-me um email para info@industriaeambiente.pt

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