Especialista defende sistema mundial que premeie quem retire CO2 da atmosfera

O jurista Paulo Magalhães luta pelo reconhecimento jurídico do clima estável como um bem comum e defende um “modelo territorial” que promova uma “economia regenerativa” e compense as emissões de gases poluentes.

“A maior falha da História é esta – os serviços que suportam a vida, que mantêm um clima estável, desaparecem juridicamente do global. Não há nenhum bem jurídico global, só aquilo que está nas fronteiras”, afirmou, em entrevista à Lusa.

Paulo Magalhães é fundador e presidente da Casa Comum da Humanidade, conselheiro do Conselho Nacional para o Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CNADS) e do Conselho para o Futuro Humano, e tem-se batido pelo reconhecimento do clima estável como Património Comum Intangível da Humanidade.

Para o especialista, o “mercado de emissões é uma tentativa de resposta, mas que só trabalha nesta lógica de neutralizar”.

“Neste momento, os mercados não têm nenhuma solução económica para retirar CO2 [dióxido de carbono] da atmosfera, isto é, fazer bem a todos. Quem é que paga?”, questionou.

Paulo Magalhães detalhou que, “se se plantar uma floresta e não houver uma emissão disposta a ser compensada, isto é, alguém emitir para pagar a outro que vai absorver, não há valor. O valor está na neutralização da emissão, e não em limpar o que é de todos”.

Como recordou, “os últimos dois relatórios do IPCC [Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, na sigla inglesa] dizem claramente que, não só precisamos de uma redução drástica de emissões, como para atingir os objetivos de Paris precisamos de remover em larga escala CO2 da atmosfera”, mas “não há suporte jurídico para isto, para se fazer a limpeza da atmosfera”.

É por isso que defende a criação de um “novo conceito de valor que possa alterar profundamente o jogo das emissões” em que “o que passa a valer é limpar e não sujar”.

“Enquanto o valor estiver em sujar, é um jogo perverso”, considerou, referindo que “Elon Musk [diretor executivo da Tesla] ganhou mais dinheiro a vender créditos de carbono às indústrias europeias do que a vender automóveis”, enquanto “quem tem florestas, ganha zero com isso. Ganha quem faz menos mal, não ganha quem faz algo positivo para todos”.

Num sistema global, as cidades e a sua atuação a nível local têm “um papel fundamental”.

“As próprias cidades têm de reconhecer, como aglomerados urbanos, que muitas delas, muito provavelmente, até atingindo a neutralidade ou [um contributo] positivo, vão sempre precisar dos serviços ambientais que são prestados por outras partes do território. Isto obriga a novas políticas territoriais que tenham em conta, dentro de um mesmo país, a pegada e o capital natural que cada região põe”.

Sugeriu, por isso, a contabilização do “contributo de cada município para a biocapacidade nacional” e que “isto deve entrar nas contas entre todos, para criar novos critérios de distribuição de recursos, tendo em conta o desempenho ambiental”.

“É evidente que cidades têm grande papel não só na mitigação, mas potencialmente também nas próprias áreas verdes, com esquemas de compensações fora do seu território, que permitam um saldo pelo menos neutral da própria cidade”.

Esse é um raciocínio seguido pelo Porto, por exemplo, que “já começou a plantar árvores fora do município”, por reconhecer que o clima da cidade “não depende unicamente do Porto – depende de uma escala global, mas também regional”.

“Há muito a fazer em termos de tecnologias amigas do ambiente, que cooperem com o sistema. Tudo é sistema terrestre e tudo o que fazemos tem impacto nele. É importante existir essa contabilidade, é a única forma de termos justiça, entre regiões, entre gerações, e entre países”, considerou.

Para o especialista, “este modelo territorial é fundamental para construir esta economia regenerativa, em que o que tem valor não é só produzir telemóveis, mas estes serviços, que é do que mais vamos precisar”.

Um sistema de compensações regional “permite olhar para o território de nova forma, criar mais justiça e equidade dentro do país”.

“Muda a forma como olhamos o interior e as cidades. É esta relação, isto é, repensar as cidades hoje é também repensar o território e as relações que as cidades têm com todo o território”, rematou.

Newsletter Indústria e Ambiente

Receba quinzenalmente, de forma gratuita, todas as novidades e eventos sobre Engenharia e Gestão do Ambiente.


Ao subscrever a newsletter noticiosa, está também a aceitar receber um máximo de 6 newsletters publicitárias por ano. Esta é a forma de financiarmos este serviço.