Entrevista a José Manuel Viegas

Primeiro como professor, depois como consultor, José Manuel Viegas tem dedicado a carreira ao estudo de soluções de mobilidade. Algumas, com mais organização e menos burocracia, não parecem difíceis de implementar. Outras exigirão um arrojo proporcional à necessidade de retirar automóveis da via pública em favor da mobilidade suave. Não há uma panaceia, mas há opções que podem favorecer a qualidade de vida e o ambiente.
Entrevista por Cátia Vilaça | Fotografia: D. R.
Atendendo ao cenário de desertificação com que o interior se depara, temos hoje localidades com densidades populacionais muito baixas, que tornam a rentabilidade dos serviços de transporte difícil nesses locais. Como se pode criar uma resposta que não deixe de fora pessoas muitas vezes idosas e sem meios de locomoção próprios, para que possam ter acesso ao transporte de que necessitam?
Acho que a questão tem de ser formulada de forma um pouco diferente. As pessoas têm direito não ao transporte, mas ao acesso. Ao acesso a várias coisas: saúde, lazer, compras, encontros com amigos, passear na floresta, etc. Há coisas que hoje podem ser feitas de modo digital, o que pode facilitar, embora não substitua todas as deslocações, como é evidente.
Segundo, é preciso perceber que a baixa densidade de população, mas também de oferta dos serviços a que as pessoas querem ter acesso, deveria induzir algum esforço de concertação ou de coordenação desses serviços para que os acessos fossem mais eficientes.
Vou dar um exemplo de algo que sugeri há mais de 10 anos e vi, com agrado, que após uns cinco estava a ser aplicado, não sei se na sequência da minha sugestão ou se por alguém que teve a mesma inspiração. Imaginemos uma zona rural, com um hospital que serve umas 40 aldeias à volta. Seria relativamente simples, e foi essa a sugestão que, segundo me disseram, já está a ser aplicada: há um determinado número de vagas para consultas de ambulatório que estão reservadas para pessoas que vêm das aldeias, por exemplo, do quadrante nordeste. Essas pessoas sabem que, para as consultas não urgentes, têm, às segundas-feiras, transporte de ida, consulta e transporte de volta, em vez de ser toda a gente ao mesmo tempo e depois não haver carrinhas para toda a gente. Há mais um conjunto de serviços que seriam recrutados para dar prioridade aos clientes daquela zona geográfica que têm esse serviço de transporte organizado para eles à segunda-feira. À terça seria outro quadrante, etc.
Com esta opção, já se obtém um ganho considerável dos níveis de viabilidade económica deste transporte. Com certeza continuará a ter de se subsidiar, mas até em Lisboa e no Porto estamos a subsidiar. Não é justo que as pessoas, só por estarem na baixa densidade, possam levantar o dedo e dizer que querem um táxi sem pagar. Temos de ter bom senso de parte a parte que, em grande medida, passa pela organização dos serviços e dos transportadores. O transportador desse corredor sabe que à segunda-feira tem esse serviço prioritário, está contratado para fazer aquilo, e recebe, por exemplo no domingo à noite ou na segunda-feira até às 8h da manhã, a lista das pessoas e aldeias onde tem de ir fazer o serviço.
Depois, há as questões de urgência, que podem caber num segundo pacote. Cada pessoa, em função da sua idade e do seu estado clínico, poderá ter direito a três chamadas de emergência durante o ano. Mas se for um doente crónico que de vez em quando tem crises, tem cinco, por exemplo. Ou seja, acho que é possível, com um pouco de organização, garantir o acesso, mas não é quando queremos e para onde queremos. É de forma a não perdermos direitos, mas alinhada num esquema organizado do lado da oferta e do lado da procura.
Caso a caso, em função dos serviços e do que as pessoas querem, há outras soluções. No que diz respeito ao abastecimento alimentar, também existe a solução de as pessoas deixarem, na Junta de Freguesia ou na Casa do Povo, uma lista das compras que querem, e haver um serviço que vá às lojas para depois entregar. (...)
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