Qualidade do Ar, pandemia e mobilidade

Acusada há muitos anos, em meio familiar, de reduzir a folhas de Excel o máximo de informação possível, informo que essa praxis me serviu para o esperado acerto de contas mas, também, para ensinar tabuada, para estudar gramática de português (hoje tão diferente, e não mais feliz da aprendida em criança), para fazer ver a lógica das terminações dos verbos franceses irregulares. Esta ligação íntima ao Excel é oportunista. É o meio mais prático que encontrei para, em simultâneo, sistematizar informação e poupar a memória.

E vem o Excel à baila a respeito do tema de capa deste número. Só uma das suas folhas me pode ajudar, separando por categorias os aspectos negativos da pandemia dos outros, onde seja possível vislumbrar algo de bom, positivo. Uma espécie de “deve” e “haver” procurando, para também procurar ânimo, potenciais benefícios que neutralizem os monstruosos prejuízos das penas pandémicas.

Não esquecemos quase quatro milhões de mortos e 180 milhões de casos, no mundo. Temos presente a crise económica que afecta todos mas, sobretudo, os países mais desfavorecidos e as populações em situação mais precária. Lembramos a perda da produção de alimentos, a maior produção de resíduos e os maiores consumos de água. Na coluna do “deve” temos o desemprego, as dificuldades económicas e financeiras sentidas por partes significativas da população, a perda de contacto com a natureza, a perda de condições para uma vida mais saudável. Refiro-me ainda ao drama do isolamento familiar, à escassez de vida social com os benefícios inerentes às dinâmicas de adaptação aos outros, ao respeito pela diversidade. Em resumo, elenquei tópicos dignos dum filme de terror e que, não sendo atalhados, potenciam o agravamento de situações de saúde mental e física, um tipo de futuro que tendo a rejeitar.

Preparo-me então para o elenco do que pode ser revertido em oportunidade, a começar pelo reconhecimento do grito de alerta da mãe natureza por mau comportamento humano no que toca às alterações climáticas. Faço coro nisto com David Attenborough ou Jane Morris Goodall. E na consciência de que, sendo nítida a diminuição da exposição humana à poluição ambiental, diminuir-se-ão também os problemas respiratórios relacionados. Estes tempos negros da peste têm sido positivos para a fauna silvestre, que também sofre com as elevadas concentrações de poluentes.

Não esqueço – seria impossível fazê-lo – de registar uma mudança significativa na qualidade do ar. Os níveis de NO2 e CO2 baixaram significativamente e explicam-no a considerável redução no tráfego de automóveis, no transporte aéreo e até no transporte marítimo, para além de alguma inatividade, ou redução de actividade, de algumas indústrias.

Pela primeira vez em 30 anos foi possível ver os Himalaias a 200 quilômetros de distância, acreditou-se que o céu tinha sido coroado com (mais) estrelas visíveis. Os canais de Veneza estão limpos e cristalinos como não eram vistos há 60 anos. Nova Iorque terá registado uma queda de mais de 50% dos níveis de CO2. Na China registou-se o mesmo, ainda que a diminuição fosse menor: 25% nas emissões de dióxido de carbono (CO2), o que equivale a uma redução global de 6%.

A coluna dos pontos negativos é desmesuradamente mais pesada do que a outra. Mas, se a nível individual e colectivo, conseguirmos aprender alguma coisa neste contexto que determine alterações positivas na defesa da Natureza e dos homens e das mulheres, talvez a Sustentabilidade possa sair vitoriosa. Deixo aqui o meu sentido agradecimento a todos os convidados, especialistas no tema da Qualidade do Ar, pandemia e mobilidade que, de forma tão generosa, contribuíram com a sua participação.

Editorial da Indústria e Ambiente nº128 mai/jun 2021, dedicado ao tema 'Qualidade do Ar, pandemia e mobilidade'

Leonor Amaral

Diretora da Indústria e Ambiente / Professora na FCT-UNL

Se quiser colocar alguma questão, envie-me um email para info@industriaeambiente.pt

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