Redução de fitofármacos pode gerar quebra anual de 330 ME no rendimento agrícola
A redução do uso de fitofármacos, prevista no âmbito da estratégia Farm to Fork da União Europeia, pode levar a uma quebra mínima anual de 330 milhões de euros no rendimento agrícola em Portugal, segundo um estudo da Associação Nacional da Indústria para a proteção das Plantas (ANIPLA).
No âmbito do Green Deal e da estratégia Farm to Fork, a União Europeia quer reduzir a utilização de fitofármacos em 50 por cento até 2030.
A AGRO.GES realizou o estudo sobre o impacto económico da retirada de um conjunto de mais de 80 substâncias ativas da proteção vegetal em Portugal, que foi apresentado pela ANIPLA numa sessão online.
“Considerando apenas a receita perdida nestas cinco fileiras [vinha para vinho, olival para azeite, pera rocha, milho grão e tomate para indústria], as estimativas apontam para uma perda anual de cerca de 332 milhões de euros”, lê-se no estudo ‘Impacto da Redução da Aplicação de Produtos Fitofarmacêuticos na Produção Vegetal’.
No entanto, conforme explicou o diretor executivo da ANIPLA, este valor pode ser muito mais elevado, tendo em conta que a análise abrangeu apenas um terço da produção vegetal nacional e o rendimento ligado à produtividade.
“Este é um valor base de produção […]. Não tem em conta todas as consequenciais a jusante. Por exemplo, o vinho é um produto transformado, o azeite, o tomate de indústria também. Há várias fábricas, vários postos de trabalho, toda uma componente que não está contabilizada”, precisou António Lopes Dias.
A partir da análise realizada aos resultados do estudo, a ANIPLA concluiu que “a agricultura portuguesa enfrenta uma séria ameaça à sua competitividade e, consequentemente, significativo impacto quer a nível económico quer a nível social, e até a nível ambiental pelo risco exponencial do abandono da actividade agrícola”.
O estudo realizado pela AGRO.GES apresenta um cenário “extremamente preocupante” sobre o futuro da agricultura portuguesa: sete por cento da totalidade da receita agrícola nacional em risco; poderá haver abandono das terras e mais de 900 postos de trabalho agrícola em risco; e ainda um aumento da dependência do exterior e maior insegurança alimentar.
Segundo o estudo, a produção de milho e tomate para indústria vão ser as mais afetadas pela redução do uso de fitofármacos, podendo ficar completamente comprometidas.
No caso das culturas de milho grão no Ribatejo, os produtos utilizados são retirados do mercado, “deixando alternativas incompletas”.
Por exemplo, deixa-se de poder utilizar o herbicida de pré-emergência, passando apenas a estar disponível os de pós-emergência, uma alternativa “mais arriscada”, uma vez que não é certo que tenha a mesma eficácia.
A confirmar-se o objetivo da União Europeia, segundo a mesma análise, o mercado vai deixar de oferecer alternativas de inseticidas para tratamento da rosca, estimando-se assim que a produtividade seja reduzida em cerca de metade.
Quebras no azeite até 40%
Também no Minho, a impossibilidade de combater a rosca pode levar a perdas superiores a 40 por cento.
Por sua vez, no caso da produção do tomate de indústria no Ribatejo “existem alterações significativas no protocolo fitossanitário da cultura, com a retirada de algumas substâncias ativas, nomeadamente, o metame de sódio e a metribuzina”.
A retirada do metame de sódio terá um “impacto muito elevado” nas explorações que precisem de fazer desinfeção do solo, uma vez que não existem alternativas, levando a quebras de produtividade entre os 20 por cento e 25 por cento.
“Esta alteração pode levar mesmo a que os produtores optem por não produzir a cultura. Quanto aos herbicidas (metribuzina), haverá um problema grave nesta cultura, pois as principais infestantes são as solanáceas, não existindo alternativas para o seu combate”, acrescentou.
A solução poderá ser a monda manual, o que, no entanto, acarreta “elevados custos”. Neste caso, as perdas de produtividade estimadas situam-se entre os 20 por cento e os 30 por cento.
Perante este impacto, António Lopes Dias alertou para um “conjunto de cenários a nível social, organização do território, económico e ambiental bastante preocupantes”.
O vinho para vinha, nomeadamente, vinhos verdes, do Douro, das Beiras, de Lisboa e Vale do Tejo e vinho do Alentejo, de uma forma geral, não vão registar grandes problemas com a retirada destas substâncias no mercado.
Contudo, vão sofrer, de Norte a Sul do país, um aumento dos custos face à necessidade de realizar tratamentos com “maior diversidade de produtos de forma a compensar aqueles que desaparecerão, nomeadamente os folpetes, fungicida de contacto, que não têm substitutos diretos”.
Já no que concerne ao olival tradicional no Alentejo, a substituição da deltametrina como forma de controlar a praga determinante (mosca) é feita com recurso à s.a. spinosade, o que vai levar à redução do período de ação de produto e ao aumento do risco de se produzir azeitona picada pela mosca.
Assim, a redução da produtividade será na ordem dos cinco por cento, a que se junta uma perda do valor comercial da azeitona, “por via da menor produção de azeite virgem extra em cerca de 40 por cento”.
No olival tradicional em Trás-os-Montes, tendo em conta que não são considerados tratamentos de inseticida no cenário base, não é perspetivada uma mudança na tecnologia de produção.
A análise concluiu ainda que, no caso do olival em copa e em sebe no Alentejo, “há uma alteração importante no protocolo fitossanitário”, passando a ser necessário recorrer a “alternativas menos testadas e mais caras” no combate a fungos, o que, consequentemente, levará a uma redução de cinco por cento de produtividade e de perda de qualidade do azeite produzido em cerca de 40 por cento.
Por último, no caso da pera-rocha do Oeste existem alternativas aos produtos que vão sair do mercado, nomeadamente para inseticidas e herbicidas.
“Quanto aos fungicidas, para o tratamento especialmente da estenfiliose e pedrado, apesar das alternativas, estas apresentam limitações no que diz respeito ao número de aplicações por ano, o que reduz o número de tratamentos fitossanitários que o produtor poderá realizar, em três unidades, e consequentemente redução de custos bem como de produtividade, no caso desta última em aproximadamente 20 por cento”, adiantou.
Menos exportação, menos emprego
A nível das exportações, de acordo com o estudo, a perda será de cerca de 200 milhões de euros só no caso do tomate para indústria, a que se juntam mais de 900 postos de trabalho agrícola, a tempo inteiro, em risco e o agravamento da dependência externa do país e de uma maior insegurança alimentar.
“Vamos ter menos produtividade a nível da Europa e ter menor disponibilidade de alimentos em quantidade e diversidade, perante isto vamos ter que importar mais fora do espaço europeu. Todas as análises que são feitas aos produtos produzidos no espaço europeu indicam que eles são de elevada segurança alimentar. Se vamos começar a importar mais, estamos a pôr em risco também essa parte”, vincou o diretor executivo da ANIPLA.
Para a associação, antes de cada Estado-membro aplicar esta redução, seria necessário fazer um estudo e incluir objetivos e metas locais mais adaptadas, garantindo que a agricultura continua a ser “um pilar” da economia e da produção territorial.
“Esta questão da redução de produtos fitofarmacêuticos tem sido sempre uma preocupação da indústria, sobretudo, no desenvolvimento de novas tecnologias mais eficientes […]. A questão é dotar toda a gente de formação suficiente para utilizar este tipo de produtos e aumentar este leque de soluções químicas ou não químicas e biológicas. O nosso papel é contribuir para que as que produções sejam protegidas, sobretudo quando estamos perante alterações climáticas, onde vão surgir novas pragas e doenças que nem se sabe como vão contornar”, concluiu António Lopes Dias.
Para a realização desta análise foram identificados um conjunto de fitofármacos em risco de saída e elaborados casos de estudo representativos de cada fileira.
Adicionalmente, foram considerados dados do Instituto Nacional de Estatística, do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pecas e do Instituto do Vinho e da Vinha.
O estudo pode ser consultado na íntegra aqui.
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