Upcycling: os resíduos de hoje são os melhores recursos de amanhã

O crescimento populacional, a expansão urbana e os novos padrões de vida impulsionaram um tremendo aumento no consumo nas últimas décadas. Nesse quadro, a produção anual de resíduos sólidos urbanos atinge quase 1,5 mil milhões de toneladas(1), mas poderá ser dez vezes superior, ou mais, se for considerada toda a panóplia de resíduos industriais desde a extração até ao processo produtivo em si mesmo. A fugaz relação com o que consumimos e a forma como o fazemos é uma parte significativa do problema: de tudo aquilo que compramos hoje, qual será a parte que será “lixo” no prazo de um ano? Mais de 95 por cento? É provável...mas todos temos noção desta problemática. No ano passado, David Attemborough, na sua popular série na BBC, veio chamar a atenção para a presença de plástico nos oceanos, um tema agora evidente em larga escala.

Em contracorrente, o que também verificamos são ideias em catadupa, inúmeras e vindas dos mais variados locais do planeta, para extrair o máximo de valor ao longo de toda a cadeia de produção-distribuição-consumo. Assim, conceitos inovadores e uma aplicação intrínseca de eco-design estão a ser aliados de peso para todas as iniciativas direcionadas para recuperar resíduos ou para os aplicar em novos usos, eventualmente com maior valor. Upcycling ainda não tem tradução em português, mas é o que alguém com imaginação procurou fazer com partes de um Airbus A320, ou o que está a fazer a Samsung para reconfigurar um telemóvel num medidor de pH, ou que a Garbags faz em Lisboa.

Existem autores que consideram que os custos da reciclagem podem ser muito superiores ao custos da produção direta com novas matérias-primas e traduzir um custo social significativo, pelo menos em alguns países(2). É verdade que os resíduos não são todos igualmente valiosos. Do ponto de vista financeiro, a reutilização de latas de alumínio é, certamente, muito mais atrativa que a reciclagem de plástico. As metas de reciclagem podem ter custos mais elevados que o antecipado? É possível. Mas não é mesmo essa a questão. O desafio é usar os resíduos para fazer melhor que uma reciclagem como “downcycling”. Até porque não faltam ideias novas. Entre elas, é promissora a possibilidade de recompensar o esforço de recuperação - atribuindo vales de compras, bitcoins ou algo do género - ou de monitorizar a responsabilidade social com mecanismos digitais criptográficos (blockchain) para assegurar a rastreabilidade do produto e manter o produtor associado ao destino final dos resíduos. A isto devemos juntar o aumento da separação na fonte, o uso avançado das tecnologia de informação e as novas ofertas no retalho, com as  empresas a aproveitarem o interesse dos consumidores por este movimento. Na verdade, a internet está literalmente inundada de blogs sobre sustentabilidade, valorização ambiental e estilos de vida  saudáveis. Esse interesse mostra que o mundo está atento e que a realidade nos desafia.

(1) http://www.worldbank.org/en/topic/urbandevelopment/brief/solid-waste-management

(2) Kinnaman T. C.,  Shinkuma T.,  Yamamoto M. (2014). The socially optimal recycling rate: Evidence from Japan.  Journal of Environmental Economics and Management, 68 (1).

António Guerreiro de Brito

Membro do Conselho Editorial / Presidente do Instituto Superior de Agronomia

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