Mar português: entre o mito e a realidade

Este é um tema aparentemente fácil de abordar, todos estamos de acordo no essencial. Em Portugal e um pouco por todo o mundo abundam estudos sobre os muitos recursos do mar, estimativas sobre o valor dos seus ecossistemas e perspectivas sobre o que ainda poderemos aproveitar em múltiplos domínios. Não faltam, também, avisos sérios à “navegação”: a questão da sobre-exploração de recursos, destruição de habitats, contaminações e riscos preocupantes com outras externalidades associadas à nossa sociedade linear, pouco circular. A literatura positiva sobre o mar é muito significativa, mas as preocupações também o são.

Na vida real, foi o soberbo estudo coordenado pelo Prof. Ernâni Lopes e editado em 2009 que pôs o dedo na ferida e acabou com o mito. Mostrou-nos ele que, na prática, pouco fazíamos para valer o mar como um ativo no quadro da competitividade de Portugal (antes pelo contrário, em parte destruímo-lo injustificadamente, como hoje bem sabemos). A par, reinventou um conceito mobilizador (hypercluster do mar) e definiu um conjunto de objectivos a atingir em 2025. Disse Ernâni Lopes, segundo os órgãos de comunicação da época, verdades cruas de forma desassombrada que podemos recordar, mesmo neste atual período, um pouco melhor que o costume. “... A economia portuguesa está numa situação estrutural de debilidade e anemia, não cria riqueza, diverge da média da União Europeia (desde há cerca de oito anos) e, acima de tudo, perfila-se como tendo entrado numa zona de descontinuidade”. “É possível um cenário diferente, de afirmação estratégica que deverá ser abordado em termos sistémicos. Temos de utilizar com critérios de inteligência pragmática os recursos que, embora sempre limitados, estão disponíveis e, muitas vezes, quase sempre, têm sido subaproveitados”. Disse ainda que “não faz sentido gastar dinheiro em segmentos do hypercluster do Mar”, "...mais do mesmo não da´!". E ainda afirmou que Portugal tem vindo a perder-se neste domínio: "[a] cultura marítima bebe-se como o leite materno e perde-se, consistentemente, pelo desuso". Dava como exemplos os ingleses e os holandeses que "andaram a aprender na borda de água com os portugueses".  

"Em termos de ações concretas, o que está realmente feito e que esteja a gerar valor acrescentado ou a aumentar exportações?"

A partir desse estudo, todos os governos foram apresentando iniciativas legislativas e sucessivos programas de medidas, mais ou menos ambiciosos. É verdade, o Estado tem procurado regular melhor, desburocratizar o acessório e criar incentivos financeiros, mas a execução exige um maior investimento empresarial, provavelmente de cariz internacional. Em termos de ações concretas, o que está realmente feito e que esteja a gerar valor acrescentado ou a aumentar exportações? Há pouco ainda, para além do reconhecimento das pescas e dos portos, incluindo turismo náutico, sem menosprezar alguns esforços, ainda pontuais, nas áreas da energia e da aquacultura. A realidade mostra que a economia do mar não exibirá resultados extraordinários rapidamente. É preciso persistir no esforço, portanto.

Temos o nosso mar, conhecimento, algumas tecnologias (não em todas as áreas), alguns programas de incentivo e, sobretudo, nada temos a perder. Há quase uma década previu-se que daqui a 15 anos a economia do mar poderia atingir por via direta e indireta cerca de 12% do PIB português, ou seja, cerca de 20 mil milhões de euros (a preços de 2009). Hoje estamos quase a meio dessa estimativa. Por isso, este número da IA carrega a convicção que o mar é a porta que pode permitir a Portugal ir mais longe e mais além.

António Guerreiro de Brito

Membro do Conselho Editorial / Presidente do Instituto Superior de Agronomia

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