Entrevista a marco Ricci

Marco Ricci, italiano, especialista em Gestão de Resíduos Urbanos, explica de que forma é feita a recolha seletiva de resíduos urbanos, nomeadamente resíduos alimentares, em Itália. Põe-nos a par dos custos suportados pelos cidadãos com a recolha e o tratamento dos resíduos e dos motivos para a divergência de valores no território nacional. Por último, explora o tópico da qualidade do composto e do mercado.

 As metas de prevenção da produção de resíduos, reciclagem e desvio de Resíduos Urbanos Biodegradáveis (RUB) de aterro para os próximos anos são muito ambiciosas: em 2020, a implementação de medidas de prevenção de produção de resíduos urbanos deve reduzir a produção de RU para 409 kg/hab.ano, a taxa de preparação para reutilização e reciclagem (TR) deve atingir 50 % e os RUB depositados em aterro devem ser 35% dos RUB produzidos em 1995. Portugal está perante um grande desafio. Dados de 2012 apontam para uma produção de RU de 453 kg/hab.ano, TR de 25 % e 62 % dos RUB ainda são encaminhados para aterro (com referência aos RUB produzidos em 1995). Qual é exatamente a situação de Itália?

Itália usa uma abordagem similar à de Portugal na definição de metas para a sustentabilidade dos RUB. De acordo com o Decreto Italiano sobre Gestão de Resíduos, publicado em 2006, cada município tinha de alcançar no mínimo, uma taxa de recolha seletiva (SCR) de 65 %, até 2012. Esta meta encontra-se em revisão e vai ser adiada. Não existe uma obrigatoriedade específica para a recolha de bio-resíduos, ainda que 20 anos de estudos sobre os modelos de gestão de resíduos em Itália mostrem claramente que sem separação de bio-resíduos na fonte (especialmente resíduos alimentares domésticos e de atividades comerciais) esta taxa (SCR) não possa ser alcançada.

Em 2014, a recolha seletiva de recicláveis (incluindo bio-resíduos, resíduos de embalagens, REEE e outros) alcançou 45,2 % do total de RU geridos em Itália (29,7 milhões de toneladas por ano), com uma produção total de resíduos muito estável. A produção média de RU por pessoa é de 488 kg/ano, mas a taxa de aumento da capitação é significativamente mais baixa nas Regiões onde a taxa de recolha seletiva é mais elevada. No norte de Itália, a taxa de recolha seletiva chega a 57 %, enquanto no sul se encontra limitada a 31 %, em média, dado que a prática da recolha seletiva não é tão alargada e especialmente porque os municípios não recolhem seletivamente os resíduos alimentares.

Em relação ao tratamento dos RU, 17 % são incinerados, 32 % são tratados biologicamente (incluindo Tratamento Mecânico e Biológico- TMB, compostagem e digestão anaeróbia) e 6 % são encaminhados diretamente para aterro. Grande quantidade de resíduos tratados nos TMB são encaminhados para aterro.

Em que medida a recolha seletiva de bio-resíduos influencia a recolha seletiva material e da fração Resto?

A recolha seletiva de resíduos alimentares e de resíduos verdes atingiu 5,7 milhões de toneladas em 2014. A Associação Italiana de Compostagem e Biogás (CIC) estima que a quantidade de resíduos alimentares chegue a 3,7 milhões de toneladas ou 60 kg/hab.ano e 2,7 milhões de toneladas de resíduos verdes ou 34 kg/hab.ano. A recolha seletiva de resíduos alimentares e resíduos verdes (bio-resíduos) representa, atualmente, cerca de 43 % dos RU recolhidos separadamente e enviados para reciclagem em Itália, tendo por isso um papel fundamental na estratégia de gestão dos RU contribuindo de forma decisiva para o alcance da meta de reciclagem.

Uma recolha eficiente de resíduos alimentares (a fração mais importante dos bio-resíduos) permite reduzir significativamente a frequência da recolha da fração Resto (resíduos indiferenciados encaminhados para TMB, incineração ou aterro). Nos municípios com recolha de resíduos alimentares, a fração Resto (ou resíduos indiferenciados) é recolhida uma vez por semana, sendo menos putrescível e “seca”. Ao mesmo tempo, esta situação permite uma separação mais fácil dos resíduos de embalagem da fração Resto (e até papel de escrita), com menor contaminação devido à escassez de resíduos alimentares.

Quais são as soluções de recolha seletiva implementadas em Itália?

Atualmente, em Itália aplica-se a recolha coletiva em contentores de grande capacidade estacionados na via pública e a recolha individual (porta-a-porta) destinada a um produtor ou conjunto de produtores (residência unifamiliar, prédio), que usam o saco para as frações compressíveis (i.e. fração Resto e plástico) e contentores para as frações de elevada densidade (i.e. resíduos alimentares e vidro). Este modelo é mais exigente em mão-de-obra. Nos últimos 20 anos tem-se verificado, em Itália, uma tendência para uma mudança da recolha coletiva para a recolha porta-a-porta, devido a um melhor desempenho global, do conjunto das recolhas das várias frações dos RU (e dos custos), e da qualidade dos recicláveis recolhidos.

Nos últimos 10 anos, soluções de recolha seletiva porta-a-porta em contentor, têm sido aplicadas com sucesso, inclusivamente em áreas de edifícios altos em cidades densamente como Milão[1] ou em centros históricos medievais como Rovereto ou Parma

Quais são as melhores soluções para se obter taxas mais elevadas de recolha seletiva (mais quantidade e melhor qualidade)?

É uma boa questão, e a resposta é conhecida em Itália desde a primeira investigação pioneira levada a cabo por mim e pelos colegas da Scuola Agraria del Parco di Monza, no final dos anos 90. As soluções de recolha porta-a-porta mostram, sistematicamente, melhores desempenhos: menor quantidade de resíduos indiferenciados recolhidos, mais material recolhido seletivamente (mais quantidade por habitante) e a qualidade dos recicláveis é significativamente melhor.

Em Itália, como está organizada a recolha das várias frações dos RU? Em Portugal os municípios recolhem os resíduos indiferenciados e as frações seletivas são recolhidas por outras entidades, sendo muito difícil esta articulação.

Em relação aos RU, a recolha da fração Resto, bio-resíduos e resíduos de embalagem é normalmente feita, em cada município, pela mesma empresa. Este modelo permite sinergias com o objetivo de aumentar a reciclagem. Por exemplo, a recolha seletiva dos bio-resíduos é feita através da maximização da recolha de resíduos alimentares (duas a três vezes por semana) e a redução da recolha de fração Resto para uma a duas vezes por semana (por norma, os resíduos indiferenciados eram recolhidos três a seis vezes por semana) e recolha semanal de papel e embalagens (plástico e metal).

Quanto custa a recolha e tratamento de RU em Itália?

Respondo à questão referindo o custo médio da gestão de RU em relação com o número de habitantes. Este parâmetro pode ser usado para comparar diferentes municípios e países (por exemplo, Itália e Portugal). O custo médio da gestão de RU em Itália, em 2014, era de 165,09 euros por habitante. Este custo inclui recolha, transporte e custos de tratamento, bem como o custo da limpeza pública. No entanto, é preciso ter em atenção que este indicador pode não mostrar a situação real como se pode observar através da figura XXX, onde se apresentam os custos totais da gestão dos RU por habitante em função da taxa de recolha seletiva. Os custos totais da gestão de RU são inferiores nas Regiões que conseguem atingir taxas de recolha seletiva maiores. Regiões com taxas de recolha seletiva acima de 50% têm geralmente recolha porta-a-porta, incluindo recolha de resíduos alimentares, enquanto Regiões com taxas de recolha seletiva abaixo de 50% usam normalmente soluções de recolha coletiva.

Um fator importante para se perceber o custo total da gestão de resíduos em Itália passa pelo conhecimento dos custos de tratamento - a taxa típica para compostagem varia no intervalo 65-85 euros por tonelada, enquanto o custo da deposição pode variar entre 80 a 105 euros por tonelada (excluem-se situações com acesso crítico a instalações de tratamento ou locais de deposição).

Qual é a qualidade do composto produzido em Itália? Caracterize o mercado do composto em Itália.

Em Itália, as instalações de compostagem e digestão anaeróbia tratam, essencialmente, resíduos alimentares e resíduos verdes provenientes da recolha seletiva mas aceitam outras frações de resíduos orgânicos como lamas provenientes do tratamento de águas residuais e outros resíduos orgânicos provenientes de agro-indústrias.

Em Itália, o composto só pode ser produzido com material proveniente da recolha seletiva de bio-resíduos e é classificado como corretivo de solo e por isso tem de cumprir os critérios do Regulamento Italiano sobre Matérias Fertilizantes para que possa ser usado e comercializado. Caso contrário, é considerado um resíduo e é encaminhado para aterro. De acordo com os estudos da CIC, Associação Italiana de Compostagem e Biogás, a produção de composto atingiu 1,55 milhões de toneladas, em 2014. Em Itália, não existem “classes de qualidade” como na legislação portuguesa mas o composto é dividido em três categorias de acordo com o tipo de matéria-prima: (1) composto produzido a partir de bio-resíduos, incluindo resíduos alimentares e resíduos verdes, (2) composto produzido apenas a partir de resíduos verdes e (3) composto que inclui lamas do tratamento de águas residuais (este último, não pode ser usado para agricultura biológica). Para melhorar a qualidade do composto, a CIC introduziu, em 2004, um sistema de qualificação voluntário. Hoje, 37 % do composto produzido em Itália tem o selo de qualidade “Compost di Qualità CIC”.

O mercado do composto em Itália está a crescer, uma vez que é usado como substituto de fertilizantes orgânicos tradicionais e corretivo do solo. Cerca de 60 % do composto é usado em agricultura, enquanto o restante é vendido para horticultura, suporte de culturas, paisagismo e jardinagem.

Marco Ricci-Jürgensen é consultor em Reciclagem e Gestão de Resíduos na Altereko sas, Itália. É Especialista Sénior na CIC – Associação Italiana de Compostagem e Biogás. É Presidente do Grupo de Trabalho da ISWA sobre Tratamento Biológico de Resíduos.

É especialista em resíduos e reciclagem, e para além dos aspetos técnicos, tem muita experiência nos aspetos institucionais e socioeconómicos e assuntos relacionados com produtores/consumidores. Conta com mais de 18 anos de experiência no planeamento da gestão de RU e com 15 anos de experiência no estrangeiro como consultor nesta área.

 

Newsletter Indústria e Ambiente

Receba quinzenalmente, de forma gratuita, todas as novidades e eventos sobre Engenharia e Gestão do Ambiente.


Ao subscrever a newsletter noticiosa, está também a aceitar receber um máximo de 6 newsletters publicitárias por ano. Esta é a forma de financiarmos este serviço.