Entrevista a Luís Ferreira da Costa

  • 27 fevereiro 2017, segunda-feira
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Luís Ferreira da Costa fala sobre o crescimento da importância da monitorização de emissões em Portugal, desde que começou a ser feita, há cerca de 20 anos, e das preocupações ambientais que a alavancaram. A partir da situação atual, levanta também o véu sobre o que poderá vir a ser a partilha de dados sobre a monitorização de emissões no futuro.

Qual foi a génese da monitorização de emissões em Portugal?

A monitorização de emissões em Portugal começou nos anos 90. As primeiras Unidades Industriais a ter monitorização de emissões em contínuo foram as fábricas de produção de Pasta e Papel, dado que os grandes fornecedores de tecnologia das soluções industriais de produção deste setor, uma vez que nestes países as preocupações com o impacte ambiental eram já um tema bastante importante. Portugal, com a adesão ao mercado comum, começa a ser obrigado a implementar uma política ambiental a sério. Saem, então, as primeiras peças legislativas, as primeiras diretivas e aconselhamentos. Verifica-se que, além da legislação nacional, há uma setorial. Portugal entrou nesta lógica mais tarde do que certos países da comunidade mas entrou da maneira correta. Nos anos 90, bastava dizer-se que um fabricante era bom para que o equipamento gozasse de aceitação. Portugal seguiu o caminho da Europa Central em termos legislativos. Não se olhou para Itália, por exemplo, que começou praticamente ao mesmo tempo que nós, mas sim para mercados mais maduros, como o alemão.  

Espanha e Itália seguiram caminhos próximos ao de Portugal?

No fim, a legislação europeia é uma só, embora em Espanha a legislação por comunidades por vezes ultrapasse ou minimize a legislação internacional.

Em Portugal, assistiu-se a um boom, talvez há 23 anos, de monitorização de emissões, por tipo de indústria: primeiro as centrais a carvão, depois as refinarias, as químicas, a pasta e papel, etc. Na pasta e papel, muitas empresas reformularam soluções antigas ou completaram-nas.

O que mudou desde essa altura em termos de monitorização de emissões?

Hoje em dia já há setores muito pequenos da indústria a fazer monitorização de emissões em contínuo. Por exemplo, há o caso da indústria cerâmica, um setor que muitas vezes carece de recursos financeiros e que começou a monitorizar as suas emissões desde que substituiu, o seu combustível, o gás natural, que era demasiado caro, por petcoke. Hoje em dia existem 30 a 40 unidades com monitorização em contínuo. Só é preciso monitorizar o SO2 e o caudal das emissões para ter a massa de poluente emitida. A monitorização de emissões em contínuo começou a reboque das orientações das autoridades ambientais portuguesas, pelas quais eu tenho, aliás, muita consideração. Não atuam como juízes ou legisladores, mas começam por ser aconselhadores. Na minha opinião, esta política foi a correta, principalmente quando se pede a uma indústria um forte investimento na monitorização ambiental, sem que haja um aumento da produção ou uma rentabilização decorrente desse investimento. Trata-se, portanto, de algo que retira valor financeiro à indústria mas, por outro lado, traz retorno ao nível da consciência ambiental. Eu acho que a consciência ambiental em Portugal tem sido cada vez mais reforçada. Hoje em dia uma unidade, para começar a operar, tem de ter uma licença ambiental. Portanto, não chega só fazer a fábrica, é preciso saber o que se vai emitir para a atmosfera e dotar a instalação de meios com os quais se possa reduzir as emissões. Hoje em dia, continuo a substituir sistemas que forneci há 20 anos.

O futuro deste negócio, a 10 anos, passa então pela manutenção/substituição?

Passa pela substituição e novos projetos, o que quer dizer que o trabalho de campo na área comercial continua a ser necessário. Para fazer a manutenção do equipamento instalado é necessário conhecimento e capacidade de prestar assistência técnica especializada e, por outro lado, comprar equipamento novo custa dinheiro. Apesar de se verificar que na indústria portuguesa há pouco investimento, para a área do ambiente é preciso investir, e as imposições legais são maiores ao dia de hoje.

Claro que o mercado de monitorização de emissões em contínuo nunca voltará a ser o boom do início porque no início não havia nada. Quase toda a gente teve de comprar equipamentos. No entanto, ainda se constroem unidades novas. Há pouco tempo foram construídas duas novas unidades de incineração de resíduos hospitalares, o que obrigou à instalação de dois novos sistemas. Por outro lado, a própria reclassificação de determinadas unidades de combustão, com queima de resíduos, fundamentalmente, independentemente de serem urbanos, hospitalares ou industriais, ainda faz movimentar o negócio.

A legislação ambiental diz que tem de haver um autocontrolo, que é feito por institutos certificados. Com base nos valores medidos das emissões, em concentração ou em massa de poluente emitido, verifica-se se tem de ser implementada a monitorização em contínuo.

Eu conheço bem a indústria, e sei do enfoque que as direções industriais dão aos seus departamentos de ambiente e aos seus departamentos de produção para que todos os processos fabris sejam conduzidos abaixo dos valores-limite de emissão (VLE’s). Daí que se vejam investimentos grandes para mitigar as emissões. Há, ainda, muitos clientes que se preocupam em avanço, querendo reduzir ainda mais as emissões, apesar de já estarem abaixo dos VLE’s. Tudo isso faz levantar uma correia de alavancamento do negócio. Resultado: há sempre propostas para novas unidades.

Portanto, unidades fabris acima dos VLE’s já não é um cenário que se coloque…

Hoje em dia, praticamente não… Eu diria que em Portugal, há muito poucas fontes que ultrapassem os VLE’s. Acho que estamos no muito bom caminho, e que a consciencialização e a preocupação da indústria são grandes. Além disso, a forma de integração de dados para a monitorização de emissões em contínuo também deve ser realçada.

Apesar de a qualidade do equipamento alemão ser reconhecida, outros países começaram a reivindicar a qualidade dos seus produtos. A partir daí, a comunidade europeia sentiu-se na necessidade de se preocupar com a qualidade da medida antes de chegar aos dados. Foi então lançada a norma EN 14181, que funciona como um “chapéu-de-chuva” para os países constituintes da União. Os fabricantes tiveram de certificar os seus equipamentos ou as suas soluções de acordo com este standard. É um standard apertado, que obriga a ter o máximo de tempo possível entre intervenções programadas de manutenção, de forma a aumentar a disponibilidade do equipamento. Há que ter em conta que, normalmente, as indústrias operam 24 sobre 24 horas e podem fazer uma ou duas paragens anuais ou se calhar uma paragem de dois em dois anos.

Todos os fabricantes, de todas as proveniências, que queiram vender na União Europeia são obrigados a ter esta certificação. Já o utilizador sabe que tem de comprar equipamento com esta certificação, sob pena de a sua própria licença ambiental perder validade.

A EN 14181 está dividida em quatro partes: QAL 1 – Qualidade dos Equipamentos; QAL 2 – verificação da qualidade dos equipamentos por um instituto certificado e independente; QAL 3 – verificação da qualidade da performance do analisador; e Ensaio de Verificação Anual, para atestar que o equipamento está dentro dos requisitos definidos em QAL 2. É necessário transmitir à indústria que, se comprar equipamentos com esta certificação, as autoridades quase podem garantir que os sistemas de monitorização de emissões em contínuo estão em linha, a trabalhar bem e a fornecer dados com qualidade de acordo com a sua própria certificação. Os ingleses, além de aceitarem a EN 14181, criaram a certificação MCERTS, que é semelhante. Isto obrigou a que os fabricantes, se estiverem interessados em vender neste mercado, tenham de obedecer à norma. No entanto, o standard de qualidade europeu serve para muitos países não pertencentes à UE.

Portanto, as empresas portuguesas que internacionalizam os seus negócios têm interesse em manter esta norma…

E mesmo outras empresas que não as nossas. Em Marrocos, na Tunísia ou na África do Sul é importante o equipamento ter esta certificação. Se uma empresa se deslocalizar para os EUA, América do Sul e algumas partes da Ásia, também vai querer ter esta certificação, além das suas. Constata-se que o mundo está dividido em duas partes: as certificações de acordo com os standards europeus e as certificações segundo os standards americanos – EPA. A América do Sul está muito influenciada pelas normas EPA, e algumas zonas da Ásia e do Médio Oriente também. Os grandes construtores, as refinarias e as químicas muitas vezes levam os seus próprios standards.

Se as medidas obtidas tiverem qualidade, vamos começar a criar arquivos destas medidas. Temos medidas minuto a minuto e a seguir criamos uma primeira base de dados horária ou semi-horária dependendo do processo Industrial.

Estas bases de dados têm de ter, pelo menos, 75 por cento de disponibilidade. Se pensarmos que os analisadores, para terem certificação QAL 1, têm de ter pelo menos 95 por cento de disponibilidade, 75 por cento ainda é um valor baixo relativamente à performance que o equipamento tem possibilidade de fazer e para o qual foi certificado.

Estamos a falar de bases de dados acessíveis à indústria e às autoridades?

Não. A indústria tem de criar as bases de dados. A indústria tem a sua chaminé, o seu armário de análise e produz dados – medida de SO2, de NOx ou outro poluente que tenha de ser medido. Podemos olhar para o indicador do analisador e concluir que se o limite é 100 e o aparelho marca 80 está bem. Mas isto não chega. É preciso provar às autoridades que as emissões estão abaixo dos VLE. Há sistemas de aquisição, tratamento, validação, arquivo e report. No fim da cadeia, é produzido um relatório que a indústria envia às autoridades a dizer quantos dias trabalhou, que poluentes foram medidos, quais os valores medidos e quantas vezes essa medida esteve acima dos VLE. Depois são feitas médias diárias, mensais e anuais, dependendo do tipo de indústria e da licença ambiental, fábrica a fábrica.

Se houver um sistema de autocontrolo implementado, é preciso fazer duas campanhas pontuais, de seis em seis meses. Se ao cabo de algumas campanhas se verificar nunca ter havido ultrapassagens do limite de emissões, possivelmente poderá ser aumentada para dois anos a periodicidade de realização de campanhas.

A própria indústria pode gerir essa periodicidade?

Não. O processo é coordenado pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e depois transferido para as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), e serão as CCDR a falar diretamente com a indústria. Estes dados obtêm-se minuto a minuto. Ao minuto 60 temos 60 valores, e desses 45 têm de ser bons, o que significa que não pode haver alarmes nem distúrbios. Se a média horária está abaixo do VLE, tudo bem. Depois passa-se para a segunda hora, para a terceira hora, e à 24ª hora cria-se a média diária.

Isto faz-se com recurso a uma ferramenta de aquisição de dados, uma workstation e um pacote de software, que faz a aquisição, a validação perante a presença de alarmes, a normalização dos valores à humidade, à pressão, à temperatura e ao teor de oxigénio. Esse sistema pode ser feito por qualquer software house.

A preocupação começou na confiança nos nossos sistemas de análise e nos nossos analisadores.

Agora temos de ir para a parte de cima da cadeia: temos de confiar nos sistemas que vão tratar estes dados – temos de ter a certeza que não são manipuláveis. Para evitar isso, os sistemas têm de estar certificados para garantir os dados, que têm de estar disponíveis durante cinco anos, ou seja, na estação de trabalho, os discos têm de ter uma capacidade de armazenamento de dados até cinco anos. Convém que o sistema que adquire os dados dos analisadores tenha um back-up de memória para, caso haja um problema no computador, o sistema de aquisição de dados dos analisadores não perca a informação.

Estes valores estão disponíveis na fábrica, nesta altura. O responsável dispõe de um monitor ligado à workstation, onde se pode visualizar os valores. De uma maneira simplista, se o valor está verde é porque está abaixo da VLE, se está vermelho é porque já passou o VLE.

Há sistemas que já fazem prognoses: se o processo industrial continuar a ser conduzido da mesma forma é expectável que a média horária esteja abaixo ou acima, e o mesmo para a diária, sendo posteriormente gerados relatórios.

Os relatórios podem ser produzidos a pedido, entre datas ou por poluente. No entanto, toda e qualquer intervenção no sistema só será possível com a utilização de passwords, ficando registado em arquivo a data e hora da intervenção, bem como quem a produziu.

O processo prevê o direito legal de declarar avarias, havendo uma bolsa de horas durante a qual o processo pode ser conduzido fora dos limites de emissão, para manutenção ou no caso de avaria.

Por exemplo, uma avaria no despoeiramento pode levar a que o valor de partículas aumente acima do normal. Isso pode ser explicado e as autoridades aceitam explicações, desde que devidamente fundamentadas.

As autoridades, com os seus meios, verificam se os dados estão aceitáveis e verificam incompatibilidades. Se algo estiver errado, poderão deslocar-se à indústria para ver o que se passa. Não creio que as autoridades tenham um intuito de punir no imediato. Há sempre um aconselhamento. Normalmente a APA é muito compreensiva, principalmente porque já tem confiança no histórico de um processo Industrial ou de cada uma das fábricas.

Nesta altura, em Portugal, a cadeia acaba aqui, com o reporte às Autoridades Ambientais. A empresa só disponibilizará os dados ao público se assim o entender. Noutros países, a indústria já disponibiliza os seus dados das emissões ao cidadão comum, e inclusive disponibiliza-os às autoridades através de uma nuvem de dados.

Este modelo de partilha de dados traz problemas de confidencialidade?

É totalmente protegido. Uma coisa é a transferência de dados para as autoridades e outra é aquilo que a indústria pretende disponibilizar ao público.

No entanto, hoje em dia é importante a exposição e a divulgação de dados seja do que for. Também a qualidade do ar é um assunto considerado de interesse público. Se eu for agora ao computador e quiser verificar a qualidade do ar em Lisboa posso ver online as várias estações que a CCDR-LVT tem. Nas emissões a curto prazo não vejo grandes possibilidades de isso acontecer porque ainda estamos na fase do documento em papel e em base informática.

Luís Ferreira da Costa começou a trabalhar na área da instrumentação e monitorização de emissões há 25 anos. Depois de uma passagem pela AEG Portuguesa fundou, com dois colegas, a BHB, em 1997. Procurou ter uma empresa que, mais do que vender produtos, vendesse também soluções. A empresa começou com cinco colaboradores e hoje tem 50.

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